domingo, 24 de julho de 2022

Socioconstrutivismo: a estratégia pedagógica marxista para a educação não cognitiva




Recentemente o site GZH Educação trabalho (16/06/2022) divulgou uma pesquisa indicando que 83,5% dos candidatos reprovados em processos de programas de estágio e aprendizagem foi devido a insuficiência gramatical. Este é um efeito da baixíssima qualidade do ensino ministrado no país, que desde 2000 só vem decrescendo, conforme o ranking do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) publicado pela Folha de São Paulo (12/2019): em 2000 e 2003, o país ocupava a 37ª posição; em 2006, ocupava a 48ª posição; em 2009, 2012 e 2015, o país estava ranqueado na 53ª, 55ª e 59ª colocação, respectivamente; e, em 2018, última avaliação, o Brasil ocupava a vergonhosa 57ª posição.

A causa dessa decadência cognitiva, como expus em outro artigo (Em defesa de uma educação qualitativa), é o método socioconstrutivista, que passou a ser adotado pelas escolas públicas e privadas em todo o país a partir da década de 1980. Na oportunidade, entretanto, não aprofundei os malefícios causados por esse método pedagógico ao intelecto dos jovens e adultos, bem como não estabeleci os fundamentos filosóficos dessa aberração pedagógica. Este artigo visa justamente tratar mais detalhadamente não só desse método, mas também da sua relação com o materialismo histórico. 

No artigo intitulado A influência do nominalismo na novilíngua comunista inferir que uma das variantes do nominalismo é o materialismo histórico de Karl Marx. Não obstante se declarar realista, o materialismo histórico nega a verdade objetiva, pois para essa corrente a verdade é circunstancial, visto que a realidade é dinâmica e historicamente localizada.

Na gnosiologia marxista, esclarece Marcos F. Martins, “o conhecimento não pode ser traduzido como sendo o resultado de um processo acabado, mas um processo cujo resultado se aproxima do que de fato existe na realidade, sem nunca dominá-la, elucidá-la, a desvelá-la de forma completa, definitivamente”. Isto é, na teoria do conhecimento marxista “o conhecimento não é realidade mesma, com todos as suas nuanças, sua concretude, mas somente representação dela, que não consegue traduzir toda as suas características constitutivas, até mesmo porque sua riqueza é dinâmica e a consciência que temos dela é um retrato – algo estático – de um de seus momentos”.

Verifica-se que o pseudo realismo do materialismo histórico ocorre porque Marx parte de uma concepção errônea do objeto (do ser). Para essa corrente, diz Martins, “o objeto varia em seu conteúdo e em sua forma”; transformando-se tanto quantitativa como qualitativamente no devir histórico. Com efeito, explica Gustavo Corção, o materialismo não crê nas formas, na autonomia e no primado da forma sobre a matéria, do ato sobre a potência, sendo, assim, todas as formas vistas como acidentais, seguindo, assim, a concepção nominalista que define as coisas não pela substância, mas pelos acidentes, conforme expus no artigo acima citado. Ou seja, a estrutura ontológica do objeto é totalmente desconsiderada pela gnosiologia marxista, não podendo assim ser considerada como realista, pois para essa solução metafísica do problema da essência do conhecimento, o objeto não é só independente do sujeito, como também possui estrutura ontológica própria e inteligível. 

Sendo a verdade, no sentido materialista marxiano, sempre relativa, um processo em construção, não poderia ter outra forma de critério de verdade a não ser a práxis. Esta, diz Martins, “é o fundamento do conhecimento pois este não se realiza fora da atividade prática do sujeito, ela é seu ponto de partida, a sua base; somente por meio da práxis é que o sujeito é motivado a produzir e efetivamente produz conhecimento sobre os objetos e fenômenos”. 

Nada mais nominalista do que essa subordinação do conhecimento à práxis. Como ressalta Corção, as “correntes filosóficas derivadas do velho nominalismo puseram na cultura de nosso tempo um certo comprazimento diante do espetáculo das mutações, e trouxeram às ciências um furor de particularização com o correlato desprestígio da especulação que ainda pretende contemplar as essências. Daí essa febre moderna de engajamento, de subordinação de todo o conhecimento a uma práxis”. 

A gnosiologia marxista visa, como podemos observar, o transitório, o efêmero, o contingente; é uma filosofia do “vir a ser”. Logo, é uma concepção naturalista, como declara René Guénon, pois é “uma negação formal de tudo quanto está além da natureza, isto é, do domínio metafísico, que é o domínio dos princípios imutáveis e eternos”. E se tomarmos como base a metafísica platônica dos dois mundos, mundo das essências e mundo das aparências, mundo das ideias e mundo sensível, verifica-se que a metafísica materialista de Marx só admite o mundo sensível, sendo este dividido em estrutura e supraestrutura. 

Tratados dos antecedentes mediato e imediato, nominalismo e materialismo histórico, respectivamente, vamos tratar agora do consequente, o socioconstrutivismo. Esta abordagem sócio-histórica do ensino nasceu, diz Kátia S. Benedetti em sua obra A falácia socioconstrutivista, da fusão do Whole Language (WL), do construtivismo de Piaget, do sociointeracionismo de Vygotsky e da Psicogênese da Linguagem Escrita (PLE) de Emília Ferreiro e Ana Teberosky. 

O socioconstrutivismo se opõe ao método de alfabetização fundado na relação ensino-aprendizagem, que, por sua vez, se baseia na abordagem sintética e nos métodos fônicos, que estabelece a correspondência grafema-fonema, ou seja, letra-som. A abordagem sintética ou tradicional estabelece, conforme Benedetti, que “o aprendizado da escrita deveria ser feito por meio da decodificação grafofonêmica (letra-som) e síntese das menores unidades fonográficas (letra-fonema e sílaba) em direção às palavras, frases e textos”. É com essa abordagem que surge “os métodos de soletração, também conhecidos como cartilhas, abecedário ou silabários”, que são “classificados como sintéticos porque tomam como unidade de ensino as menores partes da palavra (letra, fonema e sílabas) para combiná-las em direção ao todo (palavra, frase, texto)”. Essa abordagem parte da “identificação das letras (a partir do seu nome) com os seus valores sonoros (fonema que representa), ou seja, a decodificação grafofonêmica e posterior silabação”. 

Da abordagem sintética surgem os métodos fônicos, criados em meados do século XVIII na Alemanha e na França. “O pressuposto básico e fundamental dos métodos fônicos”, diz Benedetti, “é considerar a escrita, antes de mais nada, como transcrição fonológico da fala”. O foco dessa alfabetização é “levar os alunos a dominar o princípio alfabético, ou seja, a compreender que a cadeia de letras das palavras representa o seu som/pronúncia, e não o seu significado”. Somente após passar pelo processo de decodificação e codificação grafofonêmica é que “os alunos começam a desenvolver as habilidades de uso da linguagem escrita”. 

Também é adotado pelos métodos fônicos a soletração, que é a relação entre leitura e escrita. A soletração, conforme Benedetti, possibilita “que o aluno compreenda que o código alfabético é reversível, ou seja, pode ser codificado (escrita) e decodificado (leitura); prioriza a escrita de cada letra (caligrafia), simultaneamente à realização de seu som/fonema correspondente e, conforme o aprendizado avança, o ensino evolui progressivamente em direção à ortografia e a suas irregularidades”.

A diferença principal entre os métodos fônicos e a soletração encontra-se, diz Benedetti, na “unidade básica inicial do ensino (correspondência grafema-fonema) e o foco da abordagem: enquanto os primeiros priorizam a percepção sonora (tanto a produção dos fonemas, com todo o trabalho de articulação e pronúncia, e sua discriminação e reconhecimento auditivo) associada ao reconhecimento visual das letras, os métodos de soletração priorizam o ensino do nome das letras (em vez de seu valor sonoro), seu reconhecimento visual e sua participação na composição das sílabas. Nos métodos de soletração o trabalho fonológico é minimizado em favor da silabação e do trabalho de reconhecimento visual das letras e sílabas”. Os dois métodos sintéticos diferem apenas no aspecto fonológico, diz a autora: “os métodos de soletração priorizam a silabação, isto é, a fragmentação das palavras em suas menores unidades pronunciáveis, as sílabas, ao invés de priorizar os fonemas”.

Para contestar o modelo ensino-aprendizagem de alfabetização (abordagem sintéticas, métodos fônicos e silábicos), os socioconstrutivistas partiram do pressuposto errôneo da “equiparação da natureza da linguagem verbal (fala) com a da linguagem escrita”, declara Benedetti. Esse pressuposto tem sua origem na teoria psicogenética de Piaget, que se constitui numa teoria do desenvolvimento cognitivo humano, que busca descrever tal desenvolvimento do nascimento até a idade adulta. “Para Piaget”, explica Benedetti, “a criança não seria um ser ‘passivo’ diante do próprio aprendizado, no que se refere a somente assimilar informações do meio; ao contrário, a criança construiria seus esquemas mentais e sua bagagem de conhecimentos por meio da deliberada ação e manipulação dos objetos do mundo”. Assim, “por meio da interação com os objetos de conhecimento, a criança, paulatinamente, desenvolveria novos esquemas mentais, decorrentes de processos cognitivos que Piaget denomina de assimilação, acomodação e equilibração”, sendo esses processos “subjacente à construção do conhecimento”. Por isso, a teoria cognitiva de Piaget recebeu o nome de construtivismo.

Emília Ferreiro e Ana Teberosky, baseadas na teoria construtivista de Piaget, desenvolveram a Psicogênese da língua Escrita (PLE). Conforme Ferreiro, diz Benedetti, “até o processo de alfabetização se concluir, a criança passa por uma evolução regular de fases cognitivas (aspectos ontológicos) marcadas pelo surgimento de hipóteses sobre a natureza do código escrito (ideia baseada no conceito piagetiano de esquemas mentais)”. Essa “perspectiva psicogenética de Ferreiro levou a considerar a alfabetização não como um aprendizado, uma aquisição cultural, mas sim como uma fase universal de desenvolvimento cognitivo humano, tal como a aquisição da linguagem verbal (fala)”. Isto é, dentro da perspectiva da PLE, “a escrita seria uma conjunto de marcas sociais, culturalmente construídas, que cada criança reconstruiria em seu processo de alfabetização. A escrita, portanto, evoluiria espontaneamente no indivíduo tal como evolui nas culturas humanas, ou seja, tal como a escrita, em muitas sociedades, evoluiu dos desenhos ou pictogramas (fase pictórica) para os símbolos ou ideogramas (fase ideográfica), terminando nas escritas alfabéticas, o mesmo ocorreria com cada criança, desde que devidamente estimulada”. 

Surge com a PLE aquilo que a pedagoga sueca Inger Enkvist, citada no meu artigo Em Defesa da Educação Qualitativa, denominou de modelo pedagógico centrado no aluno, pois o prioriza como sujeito autônomo do conhecimento. “Até compreender o princípio alfabético e as apropriar definitivamente desse código representativo, a criança, segundo Ferreiro, se esforçará para adequar suas hipóteses à realidade escrita e fará isso de forma autônoma, sem necessidade do ensino explícito, sistemático e progressivo da relação grafema-fonema, tal como propõem os métodos de alfabetização”, diz Benedetti. 

As consequências da PLE no processo de ensino/aprendizagem foram nefastas, declara Benedetti: “ao invés de o professor ensinar e ajudar seu aluno a aprender, passa a ter que ‘estudar’ e ‘analisar’ as produções escritas ‘não convencionais’ dos alunos até descobrir quais são suas hipóteses de leitura! As sequelas desse equívoco são facilmente perceptíveis pelo desempenho ortográfico e leitor dos alunos brasileiros nas provas nacionais e internacionais de leitura e escrita. Eles não aprenderam a ler e escrever, pois não foram ensinados”.

A passagem da PLE para o socioconstrutivismo foi intermediada pela perspectiva sociointeracionista de Vygotsky, juntamente com outros teóricos da teoria da aprendizagem social. Para os adeptos desta teoria, ressalta Benedetti, “a essência propulsora do progresso cognitivo é a interação social”. Eles adotam “o conceito de ‘aprendizagem por conflito sociocognitivo’, segundo o qual a natureza do desenvolvimento cognitivo é psicossocial e não apenas ‘construtivista’ como a concebe Piaget”.

Vygotsky, da mesma forma que Piaget, desenvolveu uma teoria do desenvolvimento cognitivo humano, mas, difere deste, pois o psicólogo russo não fundamentou sua teoria na maturação biológica hereditária do indivíduo, e sim no marxismo histórico. Conforme Benedetti, “Vygotsky coloca a linguagem e os conhecimentos historicamente construídos no centro do processo de desenvolvimento do psiquismo humano”. Ele “explica o desenvolvimento das habilidades cognitivas humanas como resultado das relações do indivíduo com o meio, mediadas pela linguagem”. Para o psicólogo marxista, “não se pode separar o desenvolvimento da linguagem do desenvolvimento do pensamento humana (psiquismo, de uma maneira geral)”. 

Para não fugir à regra marxista, Vygotsky parte do pressuposto errado, pois, explica Benedetti, “não é a linguagem que engendra o psiquismo humano, mas exatamente o oposto: é a natureza do pensamento que configura a natureza da linguagem, isto é, são as habilidades ou especificidades do pensamento humano (classificação, categorias, sequenciação, generalização, agrupamento, raciocínio lógico, pensamento simbólico etc.) que engendram a linguagem e toda a sua estruturação morfossintática”. Isso significa, complementa a autora, que a “linguagem verbal reflete a maneira como o cérebro humano pensa e apreende o mundo”. 

Sobre a função da linguagem, permitam-me uma breve digressão para citar a Imã Miriam Joseph e o seu clássico livro O Trivium, que coloca o antecedente e o consequente no seu devido lugar. Ela diz que a função da linguagem é tripla: “comunicar pensamento, volição e emoção”. O homem, juntamente com outros animais, “pode comunicar emoções como medo, a raiva ou a satisfação através de gritos ou exclamações, que em linguagem humana são chamadas interjeições”. Mas, “os gritos dos animais nunca podem ser unidos de modo a formar frases; são sempre meras interjeições, e estas, mesmo na fala humana, não podem ser assimiladas na estrutura da frase”. Todavia, prossegue a autora, “os seres humanos não estão limitados, como os outros animais, a expressar seus sentimentos apenas por meio de interjeições; eles podem usar frases”. 

As palavras da Irmão Joseph confirmam justamente que a teoria de Vygotsky é completamente equivocada como afirma Benedetti, pois o pensamento antecede a linguagem da mesma forma que o pai antecede o filho. Como poderia a linguagem expressar um pensamento se este fosse o consequente daquela?

Retornando ao sociointeracionismo, Vygotsky fundamenta sua teoria do desenvolvimento cognitivo na perspectiva interacionista. Mas, diferente de Piaget, diz Benedetti, “Vygotsky não priorizava o aspecto psicogenético do desenvolvimento, mas afirmava que as habilidades cognitivas e as formas de pensamento de cada indivíduo eram produto da apropriação (esta realizada principalmente por meio da linguagem) dos conhecimentos e formas de pensamento historicamente construídas pela humanidade”. Para o psicólogo russo, “as aprendizagens impulsionavam o desenvolvimento cognitivo, aos passo que para Piaget as aprendizagens dependiam e resultavam desse desenvolvimento”. O psicólogo suíço “considerava o desenvolvimento cognitivo interdependente em relação ao meio e adaptativo a ele, uma construção ativa do indivíduo baseada na maturação psicofísica em interação com esse meio”. Desta forma, o comportamento imitativo, para Piaget, “não tinha grande relevância, pois a aprendizagem e o conhecimento dela decorrente só aconteceriam a partir da ação (física e mental) do indivíduo (autônomo) em relação aos objetos/situações/problemas”. Vygotsky, de forma contrária, “considerava todo desenvolvimento psíquico humano decorrente das interações sociais, da apropriação de conhecimentos, saberes, valores e formas de pensamento socialmente disponíveis e historicamente constituídas”. A imitação é para ele, assim, “um dos comportamentos base de toda aprendizagem, pois permitiria que a criança, tentando imitar um comportamento que ela ainda não domina e a partir de suas potencialidades, desenvolvesse novas habilidades (ou esquemas cognitivos)”. 

O socioconstrutivismo, como método pedagógico, foi uma absorção das teorias cognitivas de Piaget e de Vygotsky, com ingredientes ainda da WT e da PLE de Emília Ferreiro. Essa bomba foi o novo paradigma educacional, que implantou, na prática, diz Benedetti, “a cultura antiensino, antitransmissão de conhecimentos ‘prontos’ em todos os sistemas de ensino do país, públicos ou privados”. 

A partir de um sistema de erros conceituais, diz a autora, “os documentos oficiais do MEC sobre alfabetização, em especial os PCNs, retiraram qualquer objetividade na avaliação da alfabetização dos alunos, obscurecendo a realidade da falta de ensino, camuflando problemas de aprendizagem e o próprio analfabetismo decorrente do não-ensino”. Na ausência de critérios para se definir o que era ser, de fato, alfabetizado, prossegue a autora, “a escola passou a considerar e aceitar o avanço de alunos analfabetos pelas séries posteriores do ensino fundamental, considerando-os como alfabetizados, ainda que não apresentassem uma ‘escrita convencional’”. 

Com a incorporação dos conceitos do sociointeracionismo de Vygotsky, o socioconstrutivismo, diz Benedetti, “tornou-se a ponte entre a área pedagógica e as teorias pós-modernas advindas do marxismo cultural”. Influenciados por Michel Foucault, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, entre outros, “a área educacional começou a ser dominada por trabalhos acadêmicos polêmicos, cada vez mais numerosos, que denunciavam o suposto ‘reprodutivismo escolar’ e a opressão dos alunos por um sistema de ensino ultrapassado, ‘tradicional’, baseado na ‘transmissão de conhecimentos prontos’, um sistema cuja estrutura hierárquica, disciplinar e curricular seria representante dos interesses das ‘classes dominantes’ (e, portanto, os ensinamentos escolares seriam distantes da realidade do aluno)”. 

Essa aproximação entre educação e marxismo cultural criou, declara Benedetti, “uma ‘impressionante’ produção teórica, de maneira que as ‘pedagogias críticas’ começaram a pipocar e os aspectos mais elementares do processo ensino-aprendizagem passaram a ser problematizados a partir do viés histórico-crítico marxista: a transmissão de conhecimento, a relação professor-aluno, as avaliações, o currículo etc.”. As aplicações das teorias marxistas na educação resultaram, prossegue a autora, “numa infinidade de ‘novos conceitos’ e, no que diz respeito ao ensino das línguas, levaram à mudança da própria concepção de linguagem, que passou a ser concebida do ponto de vista político-ideológico e não mais estrutural”. 

Dentro dessa nova realidade educacional imposta pelo socioconstrutivismo, nasce um novo conceito de letramento, conforme Benedetti, e que impõe uma “nova maneira de se conceber o papel da leitura-escrita no mundo social: como prática social que fundamenta a autonomia dos sujeitos. Ou seja: o simples uso que as pessoas fazem da leitura-escrita passou a ser inteiramente problematizado e discutido pela academia sob o viés ideológico”. 

O letramento, mas do que a própria alfabetização, não se limitaria, diz Benedetti, “a apenas ensinar a ler e escrever, no sentido de decodificar/codificar a cadeia de letras; antes caberia à escola formar ‘leitores-escritores’, ‘pensadores críticos’; caberia à escola democratizar as práticas sociais de leitura e escrita (letramento), permitindo que os diferentes grupos sociais delas se apropriassem e se transformassem em ‘cidadãos autônomos’”. Ou seja, “o letramento diferiria da alfabetização porque, enquanto esta última limita-se ao domínio da técnica da leitura-escrita, o primeiro refere-se ao uso social da leitura-escrita, implicando as consequências cognitivas, culturais, sociais e políticas que esse acarreta”. Conforme os adeptos do letramento, “ser alfabetizado implica ter o conhecimento do código da escrita alfabética, ao passo que ser letrado implica a capacidade de fazer uso deliberado e produtivo da leitura-escrita”.

Com a adoção desse sincretismo pedagógico por parte do sistema de ensino nacional, “a alfabetização e o ensino de língua portuguesa renderam-se completamente”, segundo Benedetti, “à pseudocientífica história-crítica (ou sócio-histórica) da linguística da enunciação, segundo a qual a língua não deve ser concebida (e ensinada) como um sistema, mas sim como um objeto social. A área educacional foi então denominada pela rejeição à concepção de ensino-aprendizagem como processo de transmissão-apropriação de conhecimentos, e substituída pela concepção de ensino como processo de desenvolvimento de habilidades e modelagens de comportamentos”. 

Dentro dessa nova perspectiva educacional e pedagógica, prossegue Benedetti, “a língua se materializa nos gêneros discursivos, daí todo o ensino de língua portuguesa, desde a alfabetização, basear-se na análise de gêneros textuais, de maneira que hoje não é mais possível encontrar documentos oficiais, currículos ou materiais didáticos e paradidáticos que não estejam inteiramente condicionados por essas falácias”. 

Esse amalgama de construtivismo, sociointeracionismo, PLE, letramento e outros equívocos “resultou”, diz Benedetti, “na desestruturação dos currículos e, ainda, em outra ferramenta para responsabilizar apenas os professores pelos fracasso educacional, mas não os idealizadores das diretrizes teórico-metodológicas e curriculares do sistema nacional de ensino”. Para completar o desastre educacional, complementa a autora, somaram-se ainda a essas teorias e métodos falaciosos as narrativas revolucionárias de justiça social e diversidade. 

É dentro desse contexto disruptivo da nossa educação que passa a ser substituído, declara Benedetti, “termos como ‘ensino’ por ‘educação’, ‘professor’ por ‘educador’, de se transformar a escola em local de ‘interação social’, ‘construção de subjetividades’ e de ‘desenvolvimento de competências, atitudes e comportamentos’ ao invés de local de transmissão de conhecimento”. Concomitantemente “iniciou-se também o processo de negação da hierarquia professor-aluno e da essência do processo de ensino-aprendizagem: a transmissão de conhecimentos [inclusive essa expressão foi substituída pela malfadada produção de conhecimentos]”. 

O resultado funesto causado pelo socioconstrutivismo foi o nivelamento por baixo da educação nacional. Todo o trabalho escolar começou”, declara Benedetti, “a ser voltado apenas para discutir os problemas de aprendizagem, de ausência e de indisciplina, agora vistos como responsabilidade da escola e dos professores”. No que tange à repetência, o famigerado sistema de ciclos, prossegue a autora, só “camuflou a aprendizagem precária e insuficiente da maioria dos alunos, aprovando-os mesmo sem qualquer condição, o que fica perfeitamente evidente pelos índices de desempenho dos alunos brasileiros nas avaliações nacionais e internacionais de leitura, escrita e conhecimentos gerais”. 

Para elevar ainda mais o desastre educacional, com o sistema de ciclos, declara Benedetti, “veio o discurso do politicamente correto e o imperativo da inclusão (que, aliás, segundo estudos experimentais, tem se mostrado catastrófico para as crianças com déficits sensoriais ou de aprendizado)”. Isto é, “o ensino brasileiro não poderia ser mais contraproducente e nocivo para as nossas crianças e jovens, ainda mais para aqueles com qualquer tipo de déficit ou necessidade especial”. 

Como afirmei no título deste artigo, o socioconstrutivismo é o método pedagógico do materialismo histórico de Marx. E foi justamente baseado nos pressupostos da teoria do conhecimento de Marx, por conseguinte, no próprio nominalismo (que refuta as verdades universais), que vai se implantar na educação nacional o relativismo pedagógico: o certo e o errado passam a ser relativos.

Dentro dessa perspectiva pedagógica, diz Benedetti, o aluno “não deve mais ser considerado como um aprendiz que comete erros, mas como um ser em desenvolvimento ou, ainda, como o ‘sujeito do próprio aprendizado’”. Ademais, os “erros de aprendizagem passam a ser denominados ‘inconsistências’ e interpretados como expressão da ‘fase cognitiva’ do aluno, de sua autonomia diante das tentativas de ‘construir’ a própria escrita”, onde os “erros de qualquer natureza, passaram a ser cada vez mais aceitos devido ao receio de que as correções atrapalhassem ou tolhessem o processo espontâneo de desenvolvimento da linguagem escrita da criança”. 

O relativismo pedagógico, na prática, diz Benedetti, levou à permissividade pedagógica. A gramática tradicional, normativa e descritiva tornou-se alvo dos relativistas, em prol de um “conhecimento espontâneo e intuitivo do falante”. Com isso, o ensino de português “deixa de ser levar os alunos a compreender a estrutura da língua e a lógica de seu funcionamento, a conhecer e dominar suas regras básicas e passa a ser ‘ensinar o aluno a pensar criticamente’, ‘desenvolver suas competências comunicativas’ a ‘se posicionar no mundo enquanto cidadão’, ‘reconhecer os diversos discursos’”.

Ora, se o conhecimento é adquirido (e não produzido) através da apreensão dos elementos constitutivos do objeto por meio do pensamento, sendo correto a conformidade entre o pensamento e o objeto, e errado a não conformidade entre os dois elementos, então a relativização do certo e errado vai conduzir o aluno à deformidade cognitiva, que refletirá diretamente na escrita e na tríplice função da linguagem, pois o aluno não saberá expressar o que pensa, a sua vontade e suas emoções, bem como não saberá descrever a realidade circundante.

O socioconstrutivismo vai também problematizar, diz Benedetti, “a natureza e a função dos currículos e das avaliações escolares, iniciando-se a era das teorias do currículo (teorias críticas e pós-críticas do currículo) e das teorias da avaliação educacional. Essas teorias, contudo, serviram apenas para encharcar ainda mais a educação com a ideologia marxista, retirando todo e qualquer objetividade e sensatez de sua organização”. A partir disso, “iniciou-se um terrível processo de negação e desmonte, tanto dos currículos, como das avaliações, considerando agora como mecanismos opressores e mantenedores das diferenças entre as classes sociais”.

Ressalta-se que o socioconstrutivismo não se restringe ao Brasil. É o método adotado pelos globalistas, escolhido pela Unesco para o controle psicológico através da educação, tornando-se o principal veículo da revolução cultural e do governo mundial. A reforma pedagógica, segundo Pascal Bernardin, “quer substituir os ensinamentos clássicos e cognitivos por um ensino ‘multidimensional e não cognitivo’ que toque em todos os componentes da personalidade: ético, afetivo, social, cívico, político, espiritual, psicológico”. Ela busca “esvaziar os ensinamentos de seus conteúdos (cognitivos) para substituí-los por um doutrinamento criptocomunista e globalista, que vise a modificar os valores, as atitudes e os comportamentos”. 

Um dos fundadores do socialismo fabiano e adepto de um governo mundial, H. G. Wells, em sua obra A Conspiração Aberta: diagramas para uma revolução mundial, faz menção às reformas educacionais para atender os anseios do seu projeto imperial: “Desde seu princípio, a Conspiração Aberta se determinará a influenciar o maquinário educacional existente, mas por um longo tempo ela se perceberá confrontada nas escolas e faculdades por poderosas autoridades religiosas e políticas determinadas a retroceder as crianças para o ponto onde foram colocadas por seus pais, ou até mesmo para antes deste”. Na proposta pedagógica dos conspiradores abertos, “Escolas bem-sucedidas se tornariam laboratórios de métodos educacionais e de padrões para novas escolas públicas”. Na pedagogia revolucionário desses profetas do novo mundo, as crianças “aprenderão a falar, desenhar, pensar e calcular de forma lúcida e sutil, e suas mentes vigorosas receberão conceitos amplos de história, biologia e progresso mecânico, as bases do novo mundo, natural e artificial”.

Finalizo este breve ensaio com dois expoentes do século XX, um no âmbito da literatura e outro no âmbito da filosofia, que nos revela seus entendimentos sobre a verdadeira arte de educar. A respeito do pensamento educacional contemporâneo, T. S. Eliot diz que há uma aceitação entusiástica de que o ensino deva servir como instrumento para a realização de ideias sociais. Diante desse quadro ele ressalta que: “Seria uma pena se negligenciássemos as possibilidades da educação como meio de aquisição de sabedoria; se menosprezássemos a aquisição de conhecimento pela satisfação da curiosidade, sem qualquer outro motivo que não o desejo de conhecer; e se perdêssemos nosso respeito pelo aprendizado”. Para o nosso filósofo Mário Ferreira dos Santos, “toda a pedagogia deve ter como supremo ideal ajudar a construir homens de mentalidade sã, capazes de conviver fraternalmente com os seus semelhantes”. 

Como constatamos nessa breve abordagem, a pedagogia socioconstrutivista e suas precursoras estão muito longe de possibilitarem uma educação que vise a aquisição do conhecimento e da sabedoria, muito menos construir homens de mente sã, muito pelo contrário, elas adoeceram a mentalidade humana com o seu ensino não-cognitivo e idelogicamente enviesado. O resultado nefasto todos nós conhecemos.   

         




sábado, 23 de julho de 2022

A INFLUÊNCIA DO NOMINALISMO NA NOVILÍNGUA COMUNISTA






George Orwell, em sua obra imaginativa 1984, denunciou a estratégia do totalitarismo comunista de destruir as palavras com um vocabulário que ele denominou de novilíngua. Os formuladores do novo vocabulário partem do princípio dialético de que toda palavra já contém em si mesmo o seu oposto. Logo, uma mesma palavra pode significar ao mesmo tempo A e B, destruindo o princípio da identidade, onde A é A, e o princípio da não contradição, onde A não pode ser ao mesmo tempo B. O duplo sentido contraditório da palavra serve para enquadrar aqueles que destoam do novo senso comum imposto pelo regime: “Quando aplicado a um adversário, é ofensa; aplicada a alguém com quem você concorda, é elogio”. 

Orwell afirma que o verdadeiro objetivo da novilíngua é estreitar o pensamento, tornando literalmente impossível qualquer pensamento criminoso. “Na realidade”, completa o autor, “não haverá pensamento tal como entendemos hoje”, onde a nova ortodoxia significará não pensar.

Setenta e três anos após sua primeira publicação (1949) podemos constatar no Brasil a aplicação da novilíngua comunista cuidadosamente elaborada pelos intelectuais traidores do ofício de produzir ideias para, descaradamente, propagar doutrinas marxistas, utilizando para isso a novilíngua na política, na mídia, na arte, na educação etc. Os reflexos desse uso são percebidos sem muita dificuldade no empobrecimento da inteligência. Mas qual a verdadeira origem dessa doença? Se a doença é no âmbito do pensamento, só podemos encontrar sua causa no próprio pensamento. Este pensamento é o nominalismo. Mas qual a sua origem e a quem se opõe?

A filosofia nominalista surgiu no século XIV, no final da Idade Média, e foi elaborada por Guilherme de Ockham. Ela se opõe, no campo epistemológico, à corrente realista aristotélica-tomista, eliminando a operação abstrativa que leva aos universais; negando o valor objetivo do conceito afirmando que os universais não passam de palavras vãs. Segundo Gustavo Corção, em sua obra Dois amores, duas cidades, para o nominalismo só as proposições podem ser conhecidas, reduzindo o conceito “a um elemento de metalinguagem”. Ele diz que “o caráter radical do nominalismo é o imanentismo, pelo qual todo o universo oferecido ao conhecimento é o universo imanente do próprio sujeito cognoscente”. Temos aí a raiz do subjetivismo kantiano e do relativismo marxista; temos aí o que Tomas Mann denominou, em Doutor Fausto, de “fetichismo de nomes”.

Se no realismo aristotelismo-tomista, diz Corção, “o dualismo se traça com a fundamental distinção entre as duas ordens de existência: a ordem da natureza e a ordem intencional ou gnosiológica” (ou seja, o pensamento e o objeto como dois campos distintos); no nominalismo, o dualismo “encerra o cognoscente em seu imanentismo, e sepulta o ser numa irremediável obscuridade”. Desse imanentismo nominalista nasceram o empirismo e o idealismo modernos “que faz o conhecimento terminar na sensação ou na ideia; e vemos que o conhecimento propriamente dito não atinge o mundo exterior”, pois tudo fica restrito ao sujeito cognoscente.

Com o nominalismo, as palavras vão variar semanticamente. O sentido do termo, diz Corção, “pode deslocar-se da parte para o todo, da causa para o efeito ou vice-versa, ou de um objeto para o outro que não tenha termo próprio”. Corção dá o exemplo da variação do termo aparência: “Na linguagem antiga, a aparência (apparentia sensibilia) é aquilo que a coisa é para a intuição sensível. Assim, o fulgor do sol é a aparência, a mesa em que escrevo é uma aparência, o amigo que entrou com riso afável é uma aparência. Na linguagem antiga, e ainda hoje na língua filosófica (para um tomista), aparência quer dizer evidência para os sentidos, e conota a ideia de veracidade e até de infalibilidade na sua ordem”. No sentido moderno, o termo aparência “passou a conotar ideias de dolo e de ilusão: é o que uma coisa parece ser...mas não é! Ou é um aspecto enganador da realidade escondida. [...] Em linguagem moderna qualquer um de nós pode dizer sentenciosamente, ou melancolicamente, que as aparências enganam, coisa que deixaria Santo Tomás horrorizado e pronto para corrigir: – Não, o que nos engana são os julgamentos, e não as aparências”.

Essa variação semântica é, grosso modo, produto das mentalidades revolucionárias de uma elite intelectual que, segundo Thomas Sowell, estabeleceu uma eugenia verbal que seleciona tanto as palavras como os fatos: “Palavras que adquiriram conotações particulares ao longo dos anos a partir das experiências acumuladas de milhões de pessoas, atravessam sucessivas gerações, passam a ter o seu significado corrompido por um número relativamente pequeno de intelectuais contemporâneos, os quais simplesmente suprimem o antigo termo, substituindo por outro para designar coisas iguais, até que as novas palavras substituam as antigas. Portanto, ‘mendigo’ foi substituído por ‘sem-teto’, ‘pântano’ por ‘paraíso das águas’, e ‘prostitutas’ por ‘profissionais do sexo’”.

O nominalismo, diz Corção, substituiu a noção de conhecimento pela noção de informação; substitui “a aspiração de conhecer em profundidade, pelas causas, por uma aspiração menos corajosa de conhecer pelos efeitos, pelas manifestações fenomenológicas”, bem como substitui “a suma que constitui uma síntese, por uma soma que apenas constitui um cabedal” como, por exemplo, pode se verificar na Enciclopédia dos iluministas. 

Ainda no plano gnosiológico, o “resultado prático da filosofia nominalista”, diz Richard M. Wever, em sua obra As ideias têm consequências, “é o banimento da realidade percebida pelo intelecto e a suposição de que a realidade é aquilo percebido pelos sentidos”. Essa negação dos universais, prossegue ele, “traz consigo a negação de tudo quanto transcenda a experiência”, estabelecendo a negação da própria verdade objetiva; e sem esta verdade “não há como escapar do relativismo do ‘homem, medida de todas as coisas’”.

A substituição da verdade do intelecto pelos fatos da experiência, refletiu, diz Wever, na educação: “Aqui começa a investida contra a definição: se as palavras já não correspondem a realidades objetivas, usá-las de forma indiscriminada não parece ser um grande mal”. Com isso, “enfraquece a fé na linguagem como meio para alcançar a verdade”, bem como a fé no conhecimento, já que “não há conhecimento no nível da sensação”; pois todo conhecimento “se refere aos universais, e tudo aquilo que conhecemos como verdadeiro nos permite fazer previsões”. Se “o processo de aprendizagem envolver interpretação”, argumenta o autor, então “quanto menor for o número de particulares por nós requeridos para chegar a uma generalização, mais competentes seremos na escola da sabedoria”. 

Se para o nominalismo o conhecimento se limita as sensações, então só existe para essa concepção filosófica a realidade sensível, sendo tudo que não é percebido pelos sentidos irreal ou ilusório. René Guénon, em sua obra A crise do mundo moderno, cita como exemplo de nominalismo o pragmatismo: para essa corrente “o ‘bom senso’ consiste em não ultrapassar o horizonte terrestre prático imediato; é sobretudo para ele que só o mundo sensível é ‘real’, e que não há qualquer conhecimento que não provenha dos sentidos”. Ademais, alerta o autor, “este conhecimento restrito vale somente na medida em que permite satisfazer a necessidades materiais e de vez em quando a um certo sentimentalismo, pois é preciso dizer claramente – mesmo indo de encontro ao ‘moralismo’ contemporâneo, – que o sentimento encontra-se na realidade muito perto da matéria”. Dentro do contexto do pragmatismo, prossegue ele, “não sobra mais lugar algum para a inteligência, a não ser quando ela consente em sujeitar-se à realização de fins práticos, em ser somente um simples instrumento submetido às exigências da parte inferior e corporal do indivíduo humano ou de acordo com uma singular expressão de Bergson ‘um utensílio para fazer utensílios’”.

Julien Benda, em sua obra A traição dos intelectuais, também faz referência ao nominalismo quando afirma que os intelectuais modernos não só passaram a desprezar a moral universal, mas também a verdade universal. Eles passaram a empregar a metafísica da adoração do contingente em detrimento do eterno. Com essa exaltação ao individualismo, ao particularismo, ao contingente, os intelectuais modernos passaram, “a considerar toda coisa apenas enquanto existe no tempo, isto é, enquanto constitui uma sucessão de estados particulares, um ‘devir’, uma ‘história’, jamais enquanto, fora do tempo, ela oferece uma permanência sob essa sucessão de estados distintos; sobretudo, refiro-me à afirmação segundo a qual a visão das coisas sob o aspecto histórico é a única séria, a única filosófica, enquanto a necessidade de vê-las sob o modo do eterno é uma espécie de gosto infantil por fantasmas e merece desprezo”. 

Sem a verdade universal só resta a pseudoverdade subjetiva ou, como declara Sowell, uma “verdade privada”, onde cada uma tem a sua, ignorando os processos de validação. Isso permitirá, prossegue ele, “que muitos intelectuais vejam toda sorte de fenômenos de ordem social, econômica ou científica como mera noções subjetivas, o que permite, implicitamente, a adoção de modelos favorecidos ideologicamente, transformando-os em ‘realidade’ e utopia”.

É o nominalismo, como vimos, que está na base da novilíngua e será adotada pelo comunismo-marxista para rotular as coisas e as pessoas conforme as circunstâncias e os interesses. Como indica Roger Scrutun, em seu livro Uma filosofia política: argumentos para o conservadorismo, a linguagem política foi adotada pelos comunistas desde o início: “era necessário elaborar rótulos para estigmatizar o inimigo interno e justificar sua expulsão: ele era um revisionista, um desviacionista, um esquerdista imaturo, um socialista utópico, um fascista social e assim por diante”.

Chegou-se à conclusão, com a eficácia da rotulação na marginalização e condenação dos oponentes do Partido Comunista, diz Scrutun, de que era possível: a) “modificar a realidade por meio da mudança da linguagem”; b) “criar uma cultura proletária inventando a palavra ‘proletkult’”; c) “provocar o colapso da economia livre bradando ‘crie do capitalismo’ sempre que o assunto era mencionado”; e, d) “associar o poder absoluto do Partido ao livre consentimento das pessoas apresentando o governo comunista como ‘centralismo democrático’”. 

Com a novilíngua, a linguagem deixa de descrever a realidade para se apossar dela. “As sentenças na novilíngua”, diz Scruton, “se parecem com asserções, mas a lógica que subjaz a elas é do encantamento”. Seguindo o viés nominalista, na gramática assertória da novilíngua as palavras triunfarão sobre as coisas. É justamente dentro dessa nova lógica que o racismo e a xenofobia se transformam em crimes de opinião, tornando os indivíduos, esclarece o filósofo inglês, “meras corporificações dos ‘ismos’ que aparecem neles”.

Com a novilíngua “o acordo e o desacordo, a crença e a dúvida, a verdade e a mentira se tornam indistinguíveis”, declara Scruton. Ao negar a realidade, a novilíngua, prossegue ele, “também a endurece ao transformá-la em algo hostil e impenetrável, contra o qual temos de debater e que temos de superar”. Ao impor um projeto, a novilíngua: a) “elimina a linguagem que permite aos seres humanos a viver sem um projeto”; e, b) “a justiça não diz respeito às relações individuais, mas à ‘justiça social’, o mesmo tipo de ‘justiça’ imposto por um projeto que invariavelmente implica tratar os indivíduos de forma injusta, privando-os de sua liberdade, de seu lar e de seus bens”.

Como havia dito no início deste texto, o nominalismo, juntamente com suas crias (positivismo, pragmatismo, empirismo, idealismo, criticismo, marxismo e historicismo), nega o universal em prol do relativismo e do subjetivismo. Com isso, refuta o realismo, especialmente o aristotélico e sua concepção metafísica de verdade transcendente, ou seja, de verdade como correspondência entre o pensamento e o objeto. Mas se no homem está contido a ideia de universal, como prega Aristóteles, o nominalismo e suas variantes modernas também negam o própria capacidade humana de alcançar a verdade, pois são todas elas doutrinas céticas no que tange à possibilidade do conhecimento. Com isso, a realidade para elas são meros joguetes de palavras, sem qualquer responsabilidade com os fatos reais, criando uma geração de esquizofrênicos.

Como uma palavra passa a ter vários significados, dependo de quem a expressa ou para quem se direciona – podendo ser interpretada como boa ou má, correta ou falsa – a possibilidade de diálogo sem conflitos fica quase que impossível. Aliás, a própria possibilidade de diálogo fica impossível, pois passa a não haver mais um entendimento comum sobre as coisas. Sobre isso, Aristóteles explica de forma brilhante no Livro IV da Metafísica.

Aristóteles inicia sua explicação afirmando que “a expressão ser ou não ser possui um significado definido, de modo que nem tudo pode ser ‘assim e não assim’”. Tomando como exemplo a palavra homem: “se X significa homem, então se qualquer coisa for homem, sua humanidade consistirá em ser X. E não faz diferença mesmo que se dissesse que homem possui diversos significados, desde que em número limitado, visto que se poderia atribuir um diferente a cada fórmula”. Ele exemplifica: “poder-se-ia dizer que homem não possui um significado, mas vários, um dos quais dispõe da fórmula animal bípede, podendo haver outras fórmulas também caso fossem em número limitado; com efeito, um nome particular poderia ser atribuído a cada fórmula [por exemplo: animal racional ou animal falante]”. Entretanto, alerta o filósofo: “Se, por outro lado, fosse dito que o homem possui um número infinito de significados, é óbvio que não poderia haver discurso algum; de fato, não ter um significado é não ter nenhum significado, e se as palavras não têm nenhum significado, o discurso com os outros [indivíduos], e mesmo, a rigor, consigo mesmo é nulo, pois é impossível pensar em qualquer coisa se não pensamos em uma coisa, e mesmo que isso fosso possível, um nome poderia ser atribuído àquilo que pensamos. Que este nome, como dissemos no início, tenha significado, e que tenha um significado”.

Adotando o princípio da identidade, Aristóteles prossegue afirmando que “é impossível que ser homem deva ter o mesmo significado que não ser homem”; apoiando-se no princípio da não contradição, dirá que “será impossível para a mesma coisa ser e não ser, exceto por equivocação, como, por exemplo, alguém que chamamos de homem, outros poderiam chamar de não homem; mas o problema é se a mesma coisa pode, simultaneamente, ser e não ser homem, não no nome, mas de fato [não seria o caso dos nomes diversos dados aos homens (me refiro aos de sexo masculino de fato) que se dizem não homens e das mulheres (me refiro aos de sexo feminino de fato) que se dizem não mulheres na nossa sociedade esquizofrênica?]”.

Aristóteles prossegue sua explicação com um argumento que está no cerne da esquizofrenia nominalista e de suas variantes: “Se homem e não homem não possuem significados diferentes, está claro que não ser um homem não significará nada diferente de ser um homem; e assim, ser um homem será não ser homem; eles serão um”. É por isso que racismo e homofobia, palavras mais usadas atualmente do minúsculo dicionário da novilíngua comunista, pode ser qualquer coisa.

Esclarece ainda Aristóteles com o exemplo do significado de homem que “não pode ser verdadeiro dizer simultaneamente que a mesma coisa é e não é homem. E o mesmo argumento vale também no caso de não ser homem, porque ser homem e ser não homem possuem significados diferentes, visto que mesmo ser branco e ser homem possuem diferentes significados”. É por isso que para os nominalistas a verdade não tem importância, sendo verdadeiro aquilo que é útil (pragmatismo) ou aquilo que é coerente com outras premissas (criticismo) ou aquilo que está situado dentro de um determinado contexto histórico (marxismo e historicismo) ou aquilo que os meus sentidos captam (positivismo e empirismo) ou aquilo que minha ideia cria (idealismo).

Nesse oceano de verdades subjetivas não há realidade que se sustente e nem mentalidade que permaneça sã. O mundo criando pelos nominalistas é um mundo de sofistas, onde todas a opiniões, assim como todas as aparências, são verdadeiras. O que de fato os nominalistas fazem em seus discursos (popularizada de narrativas) é a supressão da substância e da essência das coisas, como já sinalizava Aristóteles em relação aos sofistas, afirmando que todas as coisas são acidentes. Dentro do mundo esquizofrênico dos nominalistas, o homem passa ser definido por sua cor, nacionalidade, classe, instrução, idade, sexualidade etc. Os reflexos disso para a compreensão da estrutura da realidade serão nefastos, pois incide diretamente na faculdade de entendimento, faculdade esta de vital importância para a sanidade mental.

 


segunda-feira, 4 de outubro de 2021

A influência de Karl Marx no antissemitismo de Hitler e dos Alemães

 



Há no imaginário dos intelectuais de esquerda e dos seus epígonos de que marxismo e nazismo são diametralmente opostos, onde o primeiro, grosso modo, representa o bem e o segundo o mal. Nada é mais distante do que isso! Ambos são farinha do mesmo saco. O historiador inglês Poul Johnson, em sua magistral obra Tempos Modernos: o mundo dos anos 20 aos 80, descreve muito bem a influência de Marx no antissemitismo alemão, bem como as concordâncias ideológicas entre os líderes comunista, nazista e fascista. Ou seja, as teorias do ódio, que a intelectualidade esquerdista insiste em imputar à direita, têm como origem Marx. A ideia paranoica de imputar todos os males da humanidade a uma determinada classe ou grupo (no caso do marxismo ortodoxo é a burguesia) impulsionou outras formas degeneradas de gnose como a de raça, influenciada também, diga-se de passagem, pelo romantismo de Rousseau, pelo evolucionismo de Darwin e pela teosofia de Helena Blavatsky (que por sinal é a guru espiritual dos adeptos da Nova Era, do ecologismo, do feminismo, do satanismo, do globalismo e de uma série de ismo contrários aos postulados cristãos).  

Segundo Johnson, o “antissemitismo moderno teórico deriva-se do marxismo e abrangia uma seleção (por razões de conveniência econômica, política e nacional) de uma parte determinada da burguesia passível de agressão”. Lênin já declarava que não apenas os judeus, mas toda a burguesia deveria ser responsabilizada pelos males da humanidade. “É significativo o fato de que todos os regimes marxistas”, diz Johnson, por se apoiarem em explicações paranoicas do comportamento humano, degenerem mais cedo ou mais tarde, para o antissemitismo”. Em suma, conclui o historiador, “o novo antissemitismo era o desvio desastroso do rateio de responsabilidades individuais com relação à ideia de culpa coletiva”.

A influência do marxismo no antissemitismo alemão se deu, conforme Johnson, por causa de proeminentes teóricos do racismo serem também marxistas como, por exemplo, Ludwig Woltmann, “que transformou a luta de classe marxista numa luta de raça mundial, defendendo o despertar das massas pela oratória e pela propaganda, a fim de mobilizar os alemães na conquista necessária para lhes assegurar a sobrevivência e a proliferação como uma raça”.

Ambos os regimes totalitários, o comunismo-marxista e o nazismo-hitlerista, declaram guerra ao liberalismo e ao capitalismo, sendo os judeus vistos como representantes dos dois. “O totalitarismo de esquerda criou”, diz Johnson, “o totalitarismo da direita, o comunismo e o fascismo eram martelo e bigorna pelos quais o liberalismo foi despedaçado”. Nessa relação de antecedente e consequente, diz o autor, o leninismo gerou o fascismo de Mussolini” e o stalinismo “tornou possível o leviatã nazista”.

Essa relação estreita entre comunismo e nazismo, marxismo e hitlerismo, também foi confirmada por F.A. Hayek, em sua obra O caminho da servidão: "É sem dúvida verdade que os socialistas alemães encontraram apoio, no seu país, em certos aspectos da tradição prussiana; e o parentesco entre prussianismo e socialismo, do qual ambos os lados se glorificam na Alemanha, fortalece nosso principal argumento. Mas seria um erro acreditar que foi o elemento especificamente alemão, e não o elemento socialista, que produziu o totalitarismo. Era com efeito, a preponderância das ideias socialistas, e não o prussianismo, que a Alemanha tinha em comum com a Itália e a Rússia – e foi das massas e não das classes imbuídas da tradição prussiana, e auxiliado pelas massas, que surgiu o nacional-socialismo”.

Em outro trecho da mesma obra, Hayek, ao tratar dos antecedentes marxistas vistos no fascismo e nacional-socialismo, cita alguns observadores proeminentes do período como W.H Chamberlin, Walter Lippmann e Peter Drucker. Este, por exemplo, declara que o “fascismo é o estágio atingindo depois que o comunismo se revela uma ilusão, conforme aconteceu tanto na Rússia stalinista como na Alemanha pré-hitlerista”.    

Hitler considerava-se um socialista “e a essência de seu socialismo”, diz Johnson, “estava na ideia de que todo o indivíduo ou grupo deveria trabalhar, sem hesitação, para a política nacional”, não importando “quem fosse o verdadeiro proprietário de uma fábrica, desde que aqueles que a gerenciavam obedecessem [ao führer]”. Hitler declarou a Hermann Rauchsning (um amigo intelectual revolucionário) que o seu socialismo não estava baseado em nacionalização: “Nosso socialismo atinge camadas muito mais profundas. Não muda a ordem externa das coisas, ordena apenas a relação do homem com o Estado...De que serviriam renda e propriedade? Por que precisaríamos socializar os bancos e as fábricas? Nós estamos socializando o povo”. Me perece que os socialistas atuais, ou seja, os marxistas heréticos estão adotando a versão hitlerista de socialismo (criar um senso comum socialistas, tal como propôs Gramsci).

Johnson declara que um “dos aspectos mais perturbadores do socialismo totalitário, seja leninista ou hitlerista (e ambos os regimes políticos agiam tanto como movimentos em busca do poder quanto como regimes que já o desfrutavam), era a maneira pela qual esses regimes eram movidos: guiavam-se pela Lei de Gresham (no campo econômico significa que uma moeda má tende a expulsar do mercado a moeda boa) aplicada ao campo da moralidade política. Assim, o medo afastou-se dos instintos humanitários e um perverteu o outro, levando-se mutuamente para as profundezas do mal”.

Hitler, seguindo o que aprendeu com Lênin e Stálin, criou, diz Johnson, “um regime de terror em larga escala”, concentrando, assim como Lênin, “o poder na sua vontade”. Hitler também “era um gnóstico e, assim como Lênin, achava que sozinho era o autêntico intérprete da história como a personificação do determinismo proletário”. Ele também, assim como o líder comunista, “só confiava em si mesmo como expoente da vontade da raça do povo alemão”.

Hitler importou o sistema de campo de concentração dos russos. “Os campos soviéticos”, diz Johnson, “constituíam uma série de ilhas territoriais substanciais dentro da União Soviética, cobrindo muitos milhares de milhas quadradas”. Mais tarde, alguns sobreviventes e testemunhas disseram que nos campos soviéticos “bastavam vinte a trinta dias para transformar um homem saudável numa ruína física; e alguns atestavam que essas condições eram planejadas deliberadamente, a fim de se conseguir uma alta de mortalidade. Espancamentos brutais eram administrados pelos guardas e também por criminosos profissionais, a quem eram dadas tarefas de supervisão sobre as massas de ‘politizados’ – tudo isso era imitado pelos nazistas” (Sobre a rotina nos campos de concentração stalinista sugiro a leitura dos Contos de Kolimá (seis volumes), de Varlam Chamálov, que sobreviveu como preso político por quase vinte anos. No volume 4, intitulado Ensaios sobre o mundo do crime, ele descreve a participação dos criminosos profissionais (Blateres) não só na administração do campo, mas na própria cultura do local tal como ocorre nos nossos presídios com as facções criminosas).

O índice de mortalidade nos campos de concentração soviéticos, segundo Jonhson, “atingiu um nível quase inimaginável pelo homem civilizado”. O “total de mortes causadas pela política de Stálin situa-se perto dos dez milhões”. Essa “escala de atrocidades em massa cometidos por Stálin encorajou Hitler, em seus esquemas de guerra, a mudar toda a demografia da Europa Oriental”. Nesse processo de engenharia social, “a ‘solução final’ de Hitler para os judeus teve suas origens não só em sua mente febril [eu diria psicopata], mas também na coletivização do campesinato soviético”.

Diante do exposto, uma pergunta sempre vem a minha mente quando vejo a comparação entre o número de mortos provocado pelos regimes comunista e nazista dentro e fora dos campos de concentração: Por que somente os nazistas foram julgados e punidos pelos seus atos de antissemitismo já que os comunistas cometeram os mesmos crimes?

Essa façanha não só foi fruto de um grande trabalho de desinformação, mas também de um mascaramento por parte da elite intelectual. Os intelectuais que apoiaram o nazismo em seus estágios iniciais (intelectuais estes chamados por Eric Voegelin, em sua obra Hitler e os alemães, de intelectuais de ralé ou de iletrados espirituais) não tiveram muita dificuldade em mudar de lado e apoiar sua coirmã totalitária. A justificativa da mudança foi o argumento do mal menor. Conforme Johnson, os intelectuais “encaravam o nazismo como um perigo muito maior, tanto para o seu próprio sistema como para todas as formas de liberdade”. Eles “acreditavam que o fascismo provavelmente se transformaria no sistema de governo predominante na Europa e talvez do mundo todo” e que “a União Soviética parecia ser a única grande potência totalmente antagônica ao fascismo, pronta a ir à luta se necessário”. Assim, “muitos desses intelectuais de esquerda estavam não só preparados para defender as aparentes virtudes do regime de Stálin como também para justificar sua crueldade manifesta”.

Hayek, em obra citada, ressalta também a adesão de muitos intelectuais de esquerda ao nazismo e ao fascismo, mostrando o alinhamento entre as duas ideologias: “Todos os que têm observado a evolução desses movimentos na Itália ou na Alemanha surpreenderam-se com o número de líderes, começando por Mussolini (sem excluir Laval e Quisling), que a princípio foram socialistas e acabaram se tornando fascistas ou nazistas”. Assim como os líderes, houve esse mesmo intercambio entre os liderados: “A relativa facilidade com que um jovem comunista podia converter-se em nazista ou vice-versa era notória na Alemanha, sobretudo para os propagandistas dos dois partidos. Na década de 1930, muitos professores universitários conheceram estudantes ingleses e norte-americanos que, regressando do continente europeu, não sabiam ao certo se eram comunistas ou nazistas – sabiam apenas que detestavam a civilização liberal do Ocidente”.   

Conforme Johson, “os intelectuais ocidentais sabiam o suficiente sobre a inclemência soviética, daí terem que adotar outros critérios para defendê-la. Lincoln Steffens, por exemplo, deu o tom: ‘A traição ao czar não era um pecado, a traição ao comunismo é”. [Bernard] Shaw argumentou: ‘Não podemos nos dar ao luxo de posar com ares de moralistas, quando o nosso vizinho mais empreendido... humana e judiciosamente liquida um punhado de exploradores e especuladores para tornar o mundo seguro para os homens de bem’. André Malraux argumentou: ‘Assim como a Inquisição não afetou a dignidade fundamental do cristianismo, também os julgamentos de Moscou não diminuíram a dignidade fundamental do comunismo’. Muitos intelectuais, inclusive aqueles que sabiam o que a justiça totalitária significava, defenderam os julgamentos”. Inclusive, a KGB “fazia uso frequente dos panfletos pró-Stálin escritos por intelectuais ocidentais, com o objetivo de quebrar a resistência de seus prisioneiros”.

Essa defesa do regime de Stálin por parte dos intelectuais ocidentais, prossegue Johnson, “os envolveu num processo de autocorrupção; transferiu para eles e, consequentemente, para seus países, ajudados pelos seus escritos, parte da decadência moral inerente ao próprio totalitarismo; em especial, sua negação da responsabilidade individual, seja para o bem, seja para o mal”.

Julien Benda, em sua obra A traição dos intelectuais, faz referência também à adesão dos intelectuais aos regimes totalitários, especialmente ao comunista, declarando que ao aderir a ideologia comunista (e o materialismo dialético) os intelectuais traíram o seu verdadeiro ofício. Essa traição “consiste em que, ao adotarem um sistema político voltado a um objetivo prático, eles são obrigados a adotar valores práticos, os quais, por essa razão, não são intelectuais. O único sistema político que o intelectual pode adotar, permanecendo fiel a si mesmo, é a democracia, porque, com seus valores soberanos de liberdade individual, de justiça e de verdade, ela não é prática”. Em outro trecho conclui: “O intelectual traiu vergonhosamente seu dever quando, no momento dos fascismos triunfantes, aceitou o injusto porque era ‘um fato’; mais, fez-se caudatário das filosofias que mais desprezam a idealidade e o proclamou exatamente porque ele encarnava o que naquele instante era ‘a vontade da história’. A lei do intelectual, quando o universo inteiro ajoelha-se diante do injusto transformado em senhor do mundo, é permanecer de pé e opor-lhe a consciência humana”.

De tudo aqui exposto (utilizei apenas algumas referências) já possibilita verificar que as diferenças entre nazismo, comunismo e fascismo são ínfimas pois todos eles têm em sua essência o marxismo como teoria e cosmovisão norteadoras. Ao não associarem marxismo e nazismo, mais do que isso, ao qualificarem o primeiro como benéfico (pois substituiria o reino da necessidade pelo reino da liberdade e da justiça, conforme sua gnose) e o segundo como maligno, os intelectuais de esquerda permitiram a continuidade do projeto totalitário por todo mundo através do comunismo, especialmente o chines, que adota a estratégia do soft power (poder brando) para implanta suave e disfarçadamente sua revolução cultural marxista (para um melhor entendimento dessa estratégia sugiro o livro Cooperação e conflito nas relações internacionais, de Joseph S. Nye Jr). 

Aqueles que adotaram o argumento do mal menor (não sei de onde eles tiraram essa ideia insana de que o comunismo é menos maléfico que o nazismo) não me parece que se arrependeram pela culpa da proliferação do totalitarismo marxista em tempos atuais, especialmente os intelectuais marxistas da América Latina, integrantes ou não do Foro de São Paulo, integrantes ou simpatizantes dos partidos de esquerda. Provavelmente deve ter ocorrido o que Hannah Arendt disse em seu livro Reponsabilidade e Julgamento: “aqueles que escolhem o mal menor [como argumento] esquecem muito rapidamente que escolhem o mal”.      


sábado, 9 de janeiro de 2021

Criminterrupção: a arma dos membros do STF para assegurar o movimento totalitário

 


O STF, dentro do atual contexto político nacional, vem se constituindo na Polícia das Ideias orwelliana. A Polícia das Ideias na distopia 1984 é responsável pela fiscalização do pensamento através da linguagem (Novilíngua), controlando, assim, toda a realidade por meio da criminalização da opinião. Este é o meio utilizado por membros do STF para reduzir a capacidade de pensar da população sobre as coisas que vivenciamos hoje e que ensejam uma reflexão mais profunda. Ou seja, o que os togados da Suprema Corte estão fazendo é o que George Orwell chamou de "criminterrupção", que “significa a capacidade de estacar, como por instinto, no limiar de todo pensamento perigoso”. Este “conceito inclui a capacidade de não entender analogias, de deixar de perceber erros lógicos, de compreender mal os argumentos mais simples, caso sejam antagônicos ao Socing [o partido], e de sentir-se entediado ou incomodado por toda sequência de raciocínio capaz de enveredar por um rumo herético. Em suma, "criminterrupção" significa burrice protetora”. 

Esse papel ora exercido por membros do STF de controlador da realidade através da censura das opiniões divergentes à cosmovisão dominante ("criminterrupção") era de responsabilidade das instituições de ensino, da comunidade artística e da mídia, que desde a década de 1960, passaram a adotar a estratégia gramsciana de criar um novo “senso comum” por meio da dominação psicológica (hegemonia), como bem descreveram, por exemplo: Zuenir Ventura, em 1968: o ano que não terminou; Olavo de Carvalho, em A Nova Era e a Revolução Cultural: Fritjof Capra & Antonio Gramsci; Sérgio Augusto de Avelar Coutinho, em A Revolução Gramscista no Ocidente; e, mais recentemente, Flávio Gordon, em A corrupção da inteligência: intelectuais e poder no Brasil. Com a perda atual de legitimidade da intelligentsia universitária, artística e jornalística, os membros do STF tiveram que assumir o protagonismo da revolução cultura, não deixando, assim, que o movimento de natureza totalitária morra.

Não é por demais lembrar que uma das características do regime totalitário é tratar como criminosos e subversivos todos aqueles que divergem da ficção oficial, transformando-os em “inimigos objetivos”. Na caça aos inimigos objetivos, diz Hannah Arendt, em Origens do totalitarismo, “é que o terror se torna o verdadeiro conteúdo dos regimes totalitários”. A definição dos inimigos ideológicos se dá antes da tomada do poder, “de sorte que”, prossegue ela, “não há necessidade de informações policiais para que se estabeleçam categorias de ‘suspeitos’. Assim, os judeus da Alemanha nazista ou os descendentes das antigas classes governantes da União Soviética não estavam realmente sob suspeita de ação hostil alguma; tinham sido declarados inimigos ‘objetivos’ do regime em decorrência da sua ideologia, e isso bastava para serem eliminados”. 

Observa-se na realidade brasileira claramente a seleção feita por membros do STF de “inimigos objetivos”. Os casos dos jornalistas Alan dos Santos e Oswaldo Eustáquio (recentemente preso), e da ex-ativista de esquerda (atualmente em prisão domiciliar), Sara Winter, enquadram-se bem nessa categoria. Eles estão sendo acusados de “crimes possíveis”, que estão associados aos “pensamentos perigosos” expostos pela liberdade de opinião, que para um regime totalitário é inadmissível. Mas dentro do regime totalitário qualquer pessoa pode ser considerado inimigo objetivo, diz Arendt: “todo pensamento que se desvia da linha oficialmente prescrita e permanentemente mutável já é suspeito, não importa o campo de atividade humana em que ocorra”. Desta forma, ninguém está imune à perseguição dos togados do STF.

A inversão da sequência de causa e efeito realizada pela acusação dos “crimes possíveis” nos remete aos romances de Franz Kafka, mais precisamente ao Processo, onde Josef K. acorda com policiais dando-lhe voz de prisão, cujo crime não se sabia do que se tratava, nem mesmo os policiais (qualquer semelhança com o caso do inquérito da fake news não parece ser mera coincidência).  Nesta inversão verifica-se uma culpa que é anterior ao crime ou uma culpa de um crime que ainda não foi tipificado (contrariado o princípio de que não há crime sem uma lei anterior que o defina). Tal como no romance de Kafka, o tribunal não apenas está processando inocentes, mas julgando-os sem deixar que saibam do que estão sendo acusados. É mais do que óbvio que numa situação desta é extremamente difícil uma defesa. Mas, como está demonstrado no referido romance, o propósito de todo o processo não é identificar a culpa de Josef K., mas de mantê-lo sobre controle tal como verifica-se nos processos contra os selecionados acima pelos membros do STF. É a condição de não partícipe na gnose criada pela ideologia vigente, defendida pelo STF, que tornam os indivíduos culpados tal como presenciamos nos romances de Kafka, através da inversão de culpa e punição.

Ao dizer que a ação do STF é em prol da defesa das instituições e da democracia, os seus membros agem, na verdade, em prol do movimento totalitário, criando, assim, uma segunda realidade, ou seja, uma realidade falsa. Esta segunda realidade é criada através do direito produzido pela Suprema Corte (inclusive já mencionei tal situação no meu artigo Imaginação Esquizofrênica publicado neste blog), sendo o tal conjunto de direito entendido como aquilo que é benéfico para o movimento. É evidente que esta segunda realidade construída pelo STF, através da legislação judiciária, busca eliminar a primeira realidade, a realidade verdadeira. É aí que se estabelece a criminalização da opinião como forma de sucumbi-la, contrariando, inclusive, as evidências adquiridas por meio da intuição, ou seja, da percepção imediata de uma verdade presente (os casos analisados no texto Imaginação Esquizofrênica exemplifica bem esta situação).       

Para melhor explicar esta macabra intenção vou recorrer à teoria do conhecimento de Platão, pois este foi o primeiro a estabelecer (pelo menos até onde eu sei) a diferença entre conhecimento (episteme) e opinião (doxa) ao dizer que o primeiro corresponde ao saber, pois se destina a conhecer o que o ser é, e o segundo à aparência, que fica numa posição intermediária entre o saber e a ignorância. No Capítulo VI, da sua obra A República, há um trecho que deixa mais evidente essa diferença: “Portanto, relativamente à alma, reflete assim: quando ela se fixa num objeto iluminado pela verdade e pelo ser, compreende-o, conhece-o e parece inteligente; porém, quando se fixa num objeto ao qual se misturam as trevas, de alto a baixo, e parece já não ter inteligência”.

Dar-se com essa diferença, o dualismo platônico dos dois mundos: o mundo das ideias (inteligível) e o mundo das aparências (sensível). Ambos constituem duas regiões da realidade, onde cada região é dividida em duas partes, criando, assim, quatro tipos de realidades que correspondem a quatro tipos de conhecimentos: a inteligência, o entendimento, a fé e a suposição. As duas primeiras correspondem ao mundo inteligível e ao conhecimento epistêmico ou científico, já as duas últimas correspondem ao mundo sensível e à doxa ou opinião. Assim, diz Platão, “como a inteligência está para a opinião, está a ciência para a fé e o entendimento para a suposição”.

Está exposta acima a estrutura da realidade platônica, onde ambos os mundos formam uma unidade, ou seja, uma realidade total, que é representada através do mito da caverna, sendo o homem, como diz Julián Marías, em sua obra História da Filosofia, aquele que confere unidade aos dois mundos: “Introduz com ele uma unidade fundamental entre esses mundos. As duas grandes regiões da realidade unificam-se na realidade em virtude da intervenção do homem que lhe faz frente. O mundo visível e o mundo inteligível aparecem classificados pela sua referência a duas possibilidades humanas essenciais, ver e compreender. O homem que primeiramente está na caverna e que depois sai de lá, para encarar a luz, é quem confere unidade aos dois mundos. O mundo total é um mundo duplo que se integra num só, por meio do homem”.

Se a realidade inteligível (ou verdadeira) e a realidade sensível (ou aparente) compõem, na teoria do conhecimento de Platão, a estrutura da realidade, então, eliminar o mundo da doxa, através de atos de censura e de criminalização, significa eliminar também o mundo da episteme e da verdade, pois é através da opinião, expressão imediata de um fato presente, que o homem alcança a verdade (compreensão sobre o fato visto), seguindo, conforme Platão, os degraus do conhecimento, que é iniciada pela suposição, passando pela crença e pelo entendimento, até alcançar a inteligência. Isto é, são as experiências vivenciadas no mundo das aparências que possibilita chegar ao mundo das ideias, ou seja, à realidade verdadeira. 

É importante ressaltar que o mundo das aparências de Platão não é um mundo falso, mas um mundo em que as coisas reais são representações das formas ideais existentes no mundo transcendente da realidade inteligível, separando, assim, as coisas de suas essências. Este aspecto metafísico da gnosiologia de Platão não nos interessa aqui, mas a importância da opinião para ascender à estrutura da realidade inteligível.

Se na teoria do conhecimento de Platão a experiência é uma réplica das ideias, mas necessitando daquela para ativar esta, na ideologia totalitária o pensamento se emancipa da experiência, gerando a si próprio. Ou seja, é justamente a realidade das experiências sensíveis que a ideologia totalitária quer destruir por meio da construção de uma ficção, de uma realidade ficcional (uma segunda realidade). Arendt esclarece essa construção ficcional da seguinte forma: “o pensamento ideológico emancipa-se da realidade que percebemos com os nossos cinco sentidos e insiste numa realidade ‘mais verdadeira’ que se esconde por trás de todas as coisas perceptíveis, que as domina a partir desse esconderijo e exige um sexto sentido para que possamos percebê-la. O sexto sentido é fornecido exatamente pela ideologia, por aquela doutrinação ideológica particular que é ensinada nas instituições educacionais, estabelecidas exclusivamente para esse fim, para treinar os ‘soldados políticos’”. 

No caso brasileiro, todas as universidades estão imbuídas em fornecer este sexto sentido, com o apoio da mídia e da comunidade artística. Mas como estas, como já enfatizei acima, estão passando por uma crise de legitimidade, os membros do STF passaram então a assumir o protagonismo da construção e propagação da segunda realidade, através de diversos dispositivos normativos de controle e punição para todos aqueles que são vistos como “inimigos objetivos”, sendo a criminalização da opinião o principal meio para se alcançar tal objetivo.   

Um outro elemento peculiar de todo o pensamento ideológico, citado por Arendt, e que já nos referimos acima, é que o pensamento ideológico busca emancipar o pensamento da experiência, desmontando, como vimos, a estrutura da realidade: “O pensamento ideológico arruma os fatos sob a forma de um processo absolutamente lógico, que se inicia a partir de uma premissa aceita axiomaticamente, tudo mais sendo deduzido dela: isto é, age com uma coerência que não existe em parte alguma no terreno da realidade”. Esta dedução, segunda ela, “pode ser lógica ou dialética: num caso ou no outro, acarreta um processo de argumentação que, por pensar em termos de processos, supostamente pode compreender o movimento dos processos sobre-humanos, naturais ou históricos”. Esta compreensão é atingida “pelo fato de a mente imitar, lógica ou dialeticamente, as leis dos movimentos ‘cientificamente’ demonstrados, aos quais ela se integra pelo processo de imitação” (este é um exemplo típico da anulação do referente quando da utilização da linguagem, permanecendo apenas o símbolo e o significado como elementos).   

Com a desestruturação da estrutura da realidade, passa a imperar a tirania da lógica (e da mentira), que “começa com a submissão da mente à lógica como processo sem fim, no qual o homem se baseia para elaborar os seus pensamentos”, diz Arendt. Com essa submissão, as pessoas renunciam a sua liberdade de pensamento e de expressão, pois a tirania da lógica é justamente direcionada para que as pessoas jamais comecem a pensar, destruindo toda a relação com a realidade (o referente). Dentro do cenário totalitário, como afiança Arendt: “O súdito ideal do governo totalitário não é o nazista convicto nem o comunista convicto, mas aquele para quem já não existe a diferença entre o fato e a ficção (isto é, a realidade da experiência) e a diferença entre o verdadeiro e o falso (isto é, os critérios do pensamento)”. 

A construção de uma segunda realidade é uma das características dos movimentos gnósticos e o totalitarismo é um movimento gnóstico. Os gnósticos substituem a experiência cristã por uma variedade de ideologias, que tendem a tomar o lugar das religiões. Entretanto, esta passagem de uma realidade a outra não se faz diretamente, mas por meio de um encantador, diz Eric Voegelin, em suas obras A Nova Ciência da Política e Hitler e os Alemães. Este encantador irá persuadir os demais a seguir a fantasia gerada pela segunda realidade, “uma fantasia concupiscente” (tal como fizera Dom Quixote com Sancho Pança no caso dos moinhos de vento, transformados pelo primeiro em gigantes), que desapontada pode acarretar explosões de raiva, explosão esta que demonstra uma falta radical de contato com a realidade. Ademais, ao estabelecer uma fantasia de concupiscência, mudando a ênfase da realidade para uma falsa imagem da realidade (segunda realidade), os movimentos gnósticos assumem uma postura de consciência revolucionária, criando visões paradisíacas de mundo na terra em um tempo futuro indeterminado, mas que deixa rastros de destruição no tempo presente (como é percebido hoje, pelo menos para aquele que continua na primeira realidade).

O gnosticismo, alerta Voegelin, torna a negação da realidade como uma questão de princípio, mesclando o mundo da realidade com o mundo dos sonhos. Ademais, cria uma confusão mental ao considerar a sua interpretação insana da realidade como moral e as virtudes da sabedoria como imoral. Para os gnósticos quem se recusa a compartilhar desta fantasia é estigmatizado moralmente e tem sua liberdade de pensamento e de expressão tolhidas como fazem os membros do nosso STF. “A corrupção moral e intelectual que se expressa nos somatórios dessas operações mágicas”, ressalta Voegelin, “pode impregnar uma sociedade de atmosferas estranha e fantasmagóricas de um manicômio, como experimentamos na crise ocidental de nossos dias”. 

O sucesso do gnosticismo moderno, com a sua liberalização das forças humanas para a construção da nova civilização, foi de garantir às atividades intramundanas a salvação como prêmio. Assim, como argumentou Voegelin, “Quanto mais fervorosamente todas as energias humanas são empenhadas no grande empreendimento da salvação através da ação imanente no mundo, mais distantes da vida do espírito se colocam os seres humanos engajados na empresa”.

Os objetivos das revoluções gnósticas são “o monopólio da representação existencial”, a “alteração na natureza do homem e a criação de uma sociedade transfigurada”. É a partir do “misticismo gnóstico com relação aos dois mundos [o bom e o mau]” que “emerge o padrão dos governos universais que veio dominar o século XX”, que tem suas expressões máximas no nazismo e no comunismo, ou seja, nos regimes totalitários. Estes regimes são exemplos, ressalta Voegelin, “de tentativas gnósticas de congelar a história num reino eterno e final neste mundo”.

Essa dualidade gnóstica dos dois mundos reforça o nosso entendimento de que eliminação da realidade sensível através da criminalização da opinião destrói toda a estrutura da realidade, pois o mundo visto como mau, análogo àquele das aparências de Platão, é dissociado completamente do mundo visto como bom pelos gnósticos, análogo ao mundo das ideias platônicas, onde entre eles não há qualquer elemento unificador, como há na estrutura realidade de Platão simbolizada através do mito da caverna, pois para a esquizofrenia gnóstica o mundo material é criação de um demiurgo, que é uma emanação inferior de Deus. Ao não estabelecer qualquer conexão do mundo material com o mundo celestial, a realidade sensível fica à mercê dos detentores da gnose (o encantador), cuja missão é transformar este mundo mau em um paraíso.

No atual cenário sociopolítico brasileiro, os detentores da gnose são justamente os membros do STF, que passaram a construir uma segunda realidade e a punir quem se arvora a se manter firme no interior da primeira realidade. A "criminterrupção" ou criminalização da opinião é o meio para impor a tirania da lógica, que elimina qualquer expressão do pensamento livre, estabelecendo também um modelo de pensamento dissociado da experiência, que, como já sinalizamos, destrói toda a estrutura da realidade, viabilizando a “fantasia concupiscente”, mas cujo resultado previsto não é o paraíso, mas o seu oposto.          

Dequex Araújo Silva Junior