sábado, 5 de setembro de 2020

Funk, Pagode, Axê, Hip Rock, Música Eletrônica e outras Mixórdias Rítmicas como Impulsionadoras da Incivilidade e Violência


Em um diálogo com os irmãos Adimanto e Glauco, filhos de Aríston, sobre a educação dos jovens gregos, Sócrates argumentou que a música e a ginástica eram fundamentais para a formação das crianças, de forma geral, e dos guardiões, de forma específica, e que os encarregados da cidade – que ele (Sócrates), juntamente com seus amigos, está idealizando – devem estar vigilantes para que as inovações na música e na ginástica não atentem contra suas respectivas regras, pois isto pode ocasionar modificações significativas nos costumes, nas leis e nos hábitos. A partir deste diálogo passei a refletir sobre a relação que há entre o gênero musical e a Segurança Pública.

Logo no início do diálogo, Sócrates vai dizer que “deve ter-se cuidado com a mudança para um novo gênero musical, que pode pôr tudo em risco. É que nunca se abalam os gêneros musicais sem abalar as mais altas leis da cidade”. Adimanto concordou dizendo que é através da música “que a inobservância das leis facilmente se infiltra passando despercebida”. Sócrates acrescentou dizendo que é por meio de brincadeiras aparentemente inocentes e desprovidas de maldades que a corrupção se introduz “aos poucos, deslizando mansamente pelo meio dos costumes e usanças”. “Daí deriva, já maior”, disse Adimanto, “para as convenções sociais; das convenções passa às leis e às constituições com toda a insolência, ó Sócrates, até que, por último, subverte todas as coisas na ordem pública e na particular” [1].

Chega-se à conclusão de que o gênero musical é de importância fundamental no processo educacional das crianças e dos jovens para a manutenção do comportamento civilizado e dos bons hábitos herdados tais como, diz Sócrates: “o silêncio que os mais novos devem guardar perante os mais velhos; o dar-lhe lugar e levantarem-se; os cuidados para com os pais; o corte de cabelo, o traje, o calçado e toda a compostura do corpo, e demais questões desta espécie”[2].

Observa-se no Brasil, mas não só aqui, a proliferação de gêneros musicais corruptivos que se enquadram perfeitamente no diálogo acima. O funk, o pagode, o axê e o hip rock exemplificam bem os gêneros musicais que abalam a estrutura normativa da moral e das leis positivas. A exploração da sensualidade e do mau gosto é nítida nesses gêneros, estimulando a concupiscência e libertando todo tipo de intemperança. Como denunciou Mário Ferreira dos Santos, há mais de 60 anos, os “bárbaros intramuros”, vinculados à arte, cometeram o impropério de dissociar a estética da ética[3], ou seja, de desconsiderar completamente a ideia de summum bonum (o Sumo-bem, que se refere Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Tomás de Aquino etc., ou seja, a razão razoável, que não deixa de lado os valores e as ideias de bem e de belo).

Esta relação entre estética e ética é tratada no diálogo acima quando Sócrates diz que “a beleza ou a fealdade de forma dependem do bom ou do mau ritmo. Logo, a boa qualidade do discurso, da harmonia, da graça ou do ritmo depende da qualidade do caráter, não daquele a que, sendo debilidade de espírito, chamamos familiarmente ingenuidade, mas da inteligência que verdadeiramente modela o caráter na bondade e na beleza”. Mais adiante conclui: “Em todas estas coisas [referindo-se as artes de maneira geral] há, com efeito, beleza ou fealdade. E a fealdade, a arritmia, a desarmonia são irmãs da linguagem perversa e do mau caráter; ao passo que as qualidades opostas são irmãs e imitações do inverso, que é o caráter sensato e bom”[4].     

A vulgaridade e a ausência do senso de obscenidade presentes nos gêneros musicais referidos acima poder ser percebidas também em outras áreas estéticas. Theodore Dalrymple faz referência ao niilismo estético que assola o cenário contemporâneo e o fascínio artístico pelo punk e pelo grunge, ou seja, pela “adoção deliberada da feiura e do mau gosto”, denunciando também a separação entre estética e ética. O autor inglês, de várias obras publicadas no Brasil, estabelece uma relação causal entre a vulgarização do comportamento e os males sociais que hoje evidenciamos. Referindo-se mais especificamente à Grã-Bretanha diz: “A bastardia generalizada da Grã-Bretanha não é sinal de um aumento da autenticidade de nossas relações humanas, mas uma consequência natural do hedonismo sem limites, que conduz rapidamente ao caos e à miséria, especialmente entre os mais pobres. Livre-se das regras, e a discórdia violenta virá em seguida”. Mas o autor faz um alerta deveras importante: “a revolução nos hábitos britânicos não veio por meio de qualquer erupção vulcânica das bases; ao contrário, veio como extensão do pensamento da elite intelectual, que começou a desprezar a tradição”[5].     

Disto tudo exposto aqui, fica uma questão para reflexão: qual a política de segurança pública que pode atender às expectativas da sociedade no que tange à redução e ao controle da incivilidade e da criminalidade sem que se reverta a barbárie inserida nas artes, de forma geral, e na música, de forma específica?  Ou seja, é possível reduzir a violência e a criminalidade através de políticas públicas de segurança mantendo uma estética dissociada da ética?       




Dequex Araújo Silva Junior
Doutor em Ciências Sociais
Membro do Instituto Brasileiro de Segurança Pública
Membro fundador do Instituto Antônio Lacerda


[1] PLATÃO. A República. Tradução Heloísa da Graça Burati. – São Paulo: Rideel, 2005.

[2] Idem.

[3] SANTOS, Mário Ferreira dos. Invasão vertical dos bárbaros. São Paulo: É Realizações, 2012.

[4] Platão, op. Cit.

[5] DALRYMPLE, Theodore. Nossa cultura... ou o que restou dela: 26 ensaios sobre a degradação dos valores. São Paulo: É Realizações, 2015.