segunda-feira, 4 de outubro de 2021

A influência de Karl Marx no antissemitismo de Hitler e dos Alemães

 



Há no imaginário dos intelectuais de esquerda e dos seus epígonos de que marxismo e nazismo são diametralmente opostos, onde o primeiro, grosso modo, representa o bem e o segundo o mal. Nada é mais distante do que isso! Ambos são farinha do mesmo saco. O historiador inglês Poul Johnson, em sua magistral obra Tempos Modernos: o mundo dos anos 20 aos 80, descreve muito bem a influência de Marx no antissemitismo alemão, bem como as concordâncias ideológicas entre os líderes comunista, nazista e fascista. Ou seja, as teorias do ódio, que a intelectualidade esquerdista insiste em imputar à direita, têm como origem Marx. A ideia paranoica de imputar todos os males da humanidade a uma determinada classe ou grupo (no caso do marxismo ortodoxo é a burguesia) impulsionou outras formas degeneradas de gnose como a de raça, influenciada também, diga-se de passagem, pelo romantismo de Rousseau, pelo evolucionismo de Darwin e pela teosofia de Helena Blavatsky (que por sinal é a guru espiritual dos adeptos da Nova Era, do ecologismo, do feminismo, do satanismo, do globalismo e de uma série de ismo contrários aos postulados cristãos).  

Segundo Johnson, o “antissemitismo moderno teórico deriva-se do marxismo e abrangia uma seleção (por razões de conveniência econômica, política e nacional) de uma parte determinada da burguesia passível de agressão”. Lênin já declarava que não apenas os judeus, mas toda a burguesia deveria ser responsabilizada pelos males da humanidade. “É significativo o fato de que todos os regimes marxistas”, diz Johnson, por se apoiarem em explicações paranoicas do comportamento humano, degenerem mais cedo ou mais tarde, para o antissemitismo”. Em suma, conclui o historiador, “o novo antissemitismo era o desvio desastroso do rateio de responsabilidades individuais com relação à ideia de culpa coletiva”.

A influência do marxismo no antissemitismo alemão se deu, conforme Johnson, por causa de proeminentes teóricos do racismo serem também marxistas como, por exemplo, Ludwig Woltmann, “que transformou a luta de classe marxista numa luta de raça mundial, defendendo o despertar das massas pela oratória e pela propaganda, a fim de mobilizar os alemães na conquista necessária para lhes assegurar a sobrevivência e a proliferação como uma raça”.

Ambos os regimes totalitários, o comunismo-marxista e o nazismo-hitlerista, declaram guerra ao liberalismo e ao capitalismo, sendo os judeus vistos como representantes dos dois. “O totalitarismo de esquerda criou”, diz Johnson, “o totalitarismo da direita, o comunismo e o fascismo eram martelo e bigorna pelos quais o liberalismo foi despedaçado”. Nessa relação de antecedente e consequente, diz o autor, o leninismo gerou o fascismo de Mussolini” e o stalinismo “tornou possível o leviatã nazista”.

Essa relação estreita entre comunismo e nazismo, marxismo e hitlerismo, também foi confirmada por F.A. Hayek, em sua obra O caminho da servidão: "É sem dúvida verdade que os socialistas alemães encontraram apoio, no seu país, em certos aspectos da tradição prussiana; e o parentesco entre prussianismo e socialismo, do qual ambos os lados se glorificam na Alemanha, fortalece nosso principal argumento. Mas seria um erro acreditar que foi o elemento especificamente alemão, e não o elemento socialista, que produziu o totalitarismo. Era com efeito, a preponderância das ideias socialistas, e não o prussianismo, que a Alemanha tinha em comum com a Itália e a Rússia – e foi das massas e não das classes imbuídas da tradição prussiana, e auxiliado pelas massas, que surgiu o nacional-socialismo”.

Em outro trecho da mesma obra, Hayek, ao tratar dos antecedentes marxistas vistos no fascismo e nacional-socialismo, cita alguns observadores proeminentes do período como W.H Chamberlin, Walter Lippmann e Peter Drucker. Este, por exemplo, declara que o “fascismo é o estágio atingindo depois que o comunismo se revela uma ilusão, conforme aconteceu tanto na Rússia stalinista como na Alemanha pré-hitlerista”.    

Hitler considerava-se um socialista “e a essência de seu socialismo”, diz Johnson, “estava na ideia de que todo o indivíduo ou grupo deveria trabalhar, sem hesitação, para a política nacional”, não importando “quem fosse o verdadeiro proprietário de uma fábrica, desde que aqueles que a gerenciavam obedecessem [ao führer]”. Hitler declarou a Hermann Rauchsning (um amigo intelectual revolucionário) que o seu socialismo não estava baseado em nacionalização: “Nosso socialismo atinge camadas muito mais profundas. Não muda a ordem externa das coisas, ordena apenas a relação do homem com o Estado...De que serviriam renda e propriedade? Por que precisaríamos socializar os bancos e as fábricas? Nós estamos socializando o povo”. Me perece que os socialistas atuais, ou seja, os marxistas heréticos estão adotando a versão hitlerista de socialismo (criar um senso comum socialistas, tal como propôs Gramsci).

Johnson declara que um “dos aspectos mais perturbadores do socialismo totalitário, seja leninista ou hitlerista (e ambos os regimes políticos agiam tanto como movimentos em busca do poder quanto como regimes que já o desfrutavam), era a maneira pela qual esses regimes eram movidos: guiavam-se pela Lei de Gresham (no campo econômico significa que uma moeda má tende a expulsar do mercado a moeda boa) aplicada ao campo da moralidade política. Assim, o medo afastou-se dos instintos humanitários e um perverteu o outro, levando-se mutuamente para as profundezas do mal”.

Hitler, seguindo o que aprendeu com Lênin e Stálin, criou, diz Johnson, “um regime de terror em larga escala”, concentrando, assim como Lênin, “o poder na sua vontade”. Hitler também “era um gnóstico e, assim como Lênin, achava que sozinho era o autêntico intérprete da história como a personificação do determinismo proletário”. Ele também, assim como o líder comunista, “só confiava em si mesmo como expoente da vontade da raça do povo alemão”.

Hitler importou o sistema de campo de concentração dos russos. “Os campos soviéticos”, diz Johnson, “constituíam uma série de ilhas territoriais substanciais dentro da União Soviética, cobrindo muitos milhares de milhas quadradas”. Mais tarde, alguns sobreviventes e testemunhas disseram que nos campos soviéticos “bastavam vinte a trinta dias para transformar um homem saudável numa ruína física; e alguns atestavam que essas condições eram planejadas deliberadamente, a fim de se conseguir uma alta de mortalidade. Espancamentos brutais eram administrados pelos guardas e também por criminosos profissionais, a quem eram dadas tarefas de supervisão sobre as massas de ‘politizados’ – tudo isso era imitado pelos nazistas” (Sobre a rotina nos campos de concentração stalinista sugiro a leitura dos Contos de Kolimá (seis volumes), de Varlam Chamálov, que sobreviveu como preso político por quase vinte anos. No volume 4, intitulado Ensaios sobre o mundo do crime, ele descreve a participação dos criminosos profissionais (Blateres) não só na administração do campo, mas na própria cultura do local tal como ocorre nos nossos presídios com as facções criminosas).

O índice de mortalidade nos campos de concentração soviéticos, segundo Jonhson, “atingiu um nível quase inimaginável pelo homem civilizado”. O “total de mortes causadas pela política de Stálin situa-se perto dos dez milhões”. Essa “escala de atrocidades em massa cometidos por Stálin encorajou Hitler, em seus esquemas de guerra, a mudar toda a demografia da Europa Oriental”. Nesse processo de engenharia social, “a ‘solução final’ de Hitler para os judeus teve suas origens não só em sua mente febril [eu diria psicopata], mas também na coletivização do campesinato soviético”.

Diante do exposto, uma pergunta sempre vem a minha mente quando vejo a comparação entre o número de mortos provocado pelos regimes comunista e nazista dentro e fora dos campos de concentração: Por que somente os nazistas foram julgados e punidos pelos seus atos de antissemitismo já que os comunistas cometeram os mesmos crimes?

Essa façanha não só foi fruto de um grande trabalho de desinformação, mas também de um mascaramento por parte da elite intelectual. Os intelectuais que apoiaram o nazismo em seus estágios iniciais (intelectuais estes chamados por Eric Voegelin, em sua obra Hitler e os alemães, de intelectuais de ralé ou de iletrados espirituais) não tiveram muita dificuldade em mudar de lado e apoiar sua coirmã totalitária. A justificativa da mudança foi o argumento do mal menor. Conforme Johnson, os intelectuais “encaravam o nazismo como um perigo muito maior, tanto para o seu próprio sistema como para todas as formas de liberdade”. Eles “acreditavam que o fascismo provavelmente se transformaria no sistema de governo predominante na Europa e talvez do mundo todo” e que “a União Soviética parecia ser a única grande potência totalmente antagônica ao fascismo, pronta a ir à luta se necessário”. Assim, “muitos desses intelectuais de esquerda estavam não só preparados para defender as aparentes virtudes do regime de Stálin como também para justificar sua crueldade manifesta”.

Hayek, em obra citada, ressalta também a adesão de muitos intelectuais de esquerda ao nazismo e ao fascismo, mostrando o alinhamento entre as duas ideologias: “Todos os que têm observado a evolução desses movimentos na Itália ou na Alemanha surpreenderam-se com o número de líderes, começando por Mussolini (sem excluir Laval e Quisling), que a princípio foram socialistas e acabaram se tornando fascistas ou nazistas”. Assim como os líderes, houve esse mesmo intercambio entre os liderados: “A relativa facilidade com que um jovem comunista podia converter-se em nazista ou vice-versa era notória na Alemanha, sobretudo para os propagandistas dos dois partidos. Na década de 1930, muitos professores universitários conheceram estudantes ingleses e norte-americanos que, regressando do continente europeu, não sabiam ao certo se eram comunistas ou nazistas – sabiam apenas que detestavam a civilização liberal do Ocidente”.   

Conforme Johson, “os intelectuais ocidentais sabiam o suficiente sobre a inclemência soviética, daí terem que adotar outros critérios para defendê-la. Lincoln Steffens, por exemplo, deu o tom: ‘A traição ao czar não era um pecado, a traição ao comunismo é”. [Bernard] Shaw argumentou: ‘Não podemos nos dar ao luxo de posar com ares de moralistas, quando o nosso vizinho mais empreendido... humana e judiciosamente liquida um punhado de exploradores e especuladores para tornar o mundo seguro para os homens de bem’. André Malraux argumentou: ‘Assim como a Inquisição não afetou a dignidade fundamental do cristianismo, também os julgamentos de Moscou não diminuíram a dignidade fundamental do comunismo’. Muitos intelectuais, inclusive aqueles que sabiam o que a justiça totalitária significava, defenderam os julgamentos”. Inclusive, a KGB “fazia uso frequente dos panfletos pró-Stálin escritos por intelectuais ocidentais, com o objetivo de quebrar a resistência de seus prisioneiros”.

Essa defesa do regime de Stálin por parte dos intelectuais ocidentais, prossegue Johnson, “os envolveu num processo de autocorrupção; transferiu para eles e, consequentemente, para seus países, ajudados pelos seus escritos, parte da decadência moral inerente ao próprio totalitarismo; em especial, sua negação da responsabilidade individual, seja para o bem, seja para o mal”.

Julien Benda, em sua obra A traição dos intelectuais, faz referência também à adesão dos intelectuais aos regimes totalitários, especialmente ao comunista, declarando que ao aderir a ideologia comunista (e o materialismo dialético) os intelectuais traíram o seu verdadeiro ofício. Essa traição “consiste em que, ao adotarem um sistema político voltado a um objetivo prático, eles são obrigados a adotar valores práticos, os quais, por essa razão, não são intelectuais. O único sistema político que o intelectual pode adotar, permanecendo fiel a si mesmo, é a democracia, porque, com seus valores soberanos de liberdade individual, de justiça e de verdade, ela não é prática”. Em outro trecho conclui: “O intelectual traiu vergonhosamente seu dever quando, no momento dos fascismos triunfantes, aceitou o injusto porque era ‘um fato’; mais, fez-se caudatário das filosofias que mais desprezam a idealidade e o proclamou exatamente porque ele encarnava o que naquele instante era ‘a vontade da história’. A lei do intelectual, quando o universo inteiro ajoelha-se diante do injusto transformado em senhor do mundo, é permanecer de pé e opor-lhe a consciência humana”.

De tudo aqui exposto (utilizei apenas algumas referências) já possibilita verificar que as diferenças entre nazismo, comunismo e fascismo são ínfimas pois todos eles têm em sua essência o marxismo como teoria e cosmovisão norteadoras. Ao não associarem marxismo e nazismo, mais do que isso, ao qualificarem o primeiro como benéfico (pois substituiria o reino da necessidade pelo reino da liberdade e da justiça, conforme sua gnose) e o segundo como maligno, os intelectuais de esquerda permitiram a continuidade do projeto totalitário por todo mundo através do comunismo, especialmente o chines, que adota a estratégia do soft power (poder brando) para implanta suave e disfarçadamente sua revolução cultural marxista (para um melhor entendimento dessa estratégia sugiro o livro Cooperação e conflito nas relações internacionais, de Joseph S. Nye Jr). 

Aqueles que adotaram o argumento do mal menor (não sei de onde eles tiraram essa ideia insana de que o comunismo é menos maléfico que o nazismo) não me parece que se arrependeram pela culpa da proliferação do totalitarismo marxista em tempos atuais, especialmente os intelectuais marxistas da América Latina, integrantes ou não do Foro de São Paulo, integrantes ou simpatizantes dos partidos de esquerda. Provavelmente deve ter ocorrido o que Hannah Arendt disse em seu livro Reponsabilidade e Julgamento: “aqueles que escolhem o mal menor [como argumento] esquecem muito rapidamente que escolhem o mal”.