domingo, 2 de junho de 2019

A imaginação esquizofrênica: a transexualidade em questão


Partindo de uma elucubração filosófica para distinguir e, por conseguinte, verificar a similaridade entre as coisas, começaremos por estabelecer que vivemos dois mundos distintos: o mundo das coisas reais e o mundo da imaginação. Cada um desses mundos corresponde a uma realidade específica: o mundo das coisas corresponde à realidade real e o mundo da imaginação corresponde à realidade ficcional. Entretanto, todo o mundo imaginativo deve se basear no mundo das coisas reais, ou seja, toda realidade ficcional deve se fundar na realidade real, pois caso isso não ocorra, caso haja um antagonismo extremo entre eles, a ficção, ou seja, a imaginação torna-se esquizofrenia.

A realidade real necessariamente tem que ser diferente da realidade ficcional para que possamos percebê-las como realidades distintas. Uma obra imaginativa se distingue da realidade por ser ela uma antinomia desta. Mas ela é antinômica, mas não contraditória, pois se assim fosse não poderíamos compará-las. Isso significa dizer que o mundo imaginativo deve ter uma semelhança com o mundo das coisas para que se possa compreender a diferença: um gato no mundo imaginativo não pode ser diferente de um gato no mundo real. Quando perdemos, entretanto, a nossa capacidade de distinguir o mundo real do mundo ficcional, ou seja, quando não mais conseguimos distinguir uma coisa real de uma coisa ficcional é porque adentramos num estado de esquizofrenia paranoica.

Quando comparamos duas realidades estamos buscando verificar o que há de semelhante e o que há de diferente. Isso significa, como alerta Mario Ferreira dos Santos, que “o semelhante não é uma categoria do idêntico”, pois “dizemos que alguma coisa é idêntica quando é igual a si mesma”. Por exemplo, uma mesa só pode ser idêntica a si mesmo porque não é outra. Ou seja, nas palavras de Santos, “Qualquer parte da realidade só pode ser considerada idêntica a si mesma no sentido de que não é outra coisa”.

É fundamental para o homem, a partir de suas experiências, agrupar os semelhantes através da atividade de diferenciação. A partir da forma, por exemplo, o homem pode, por meio da abstração, perceber as semelhanças entre as árvores, estabelecendo o conceito de árvore. Mario Ferreira dos Santos, em sua obra Filosofia e Cosmovisão, diz que “Um conceito, ao incluir um conjunto de fatos singulares, exclui outros”. Ou seja, quando se conceitua os vertebrados, excluem-se os invertebrados. Esse dualismo, prossegue o filósofo, “é uma decorrência do ato racional de conceituação, ou seja, de dar um conceito, com uma denominação comum, a certo número de fatos que nos parecem idênticos. Ao procedermos assim, já fazemos uma exclusão, quer dizer, separamos tudo quanto não é semelhante ao que conceituamos”. Segundo ele, “É característica de nosso espírito desdobrar-se em duas funções: a que procura o semelhante e o que percebe o diferente”. A primeira “é a que melhor corresponde à natureza do homem, por simplificar e assegurar uma economia ao trabalho mental”; a segunda, “é mais cansativa”, pois se faz necessário uma racionalização constante.

Essa pequena introdução se fez necessária para tentar compreender um fato noticiado no G1, na data de 31/05/2019, por Cíntia Acayaba e Léo Arcoverde, intitulado “Polícia de SP registra 1ª transexual como vítima de feminicídio; casos aumentam 54% no 1º quadrimestre”. O próprio título já indica toda uma manobra política de estabelecer uma situação de similaridade entre mulher e transexual, que por natureza são coisas distintas. Essa similitude é meramente ficcional, pois se o homem, como argumenta Ralph Linton, em sua obra o Homem: uma introdução à antropologia, “está sujeito exatamente às mesmas leis biológicas que outros mamíferos e deve suas variações atuais aos mesmos processos evolutivos”, e se há uma divisão biológica sexual entre macho e fêmea, como nos demais mamíferos, então não pode haver semelhança naquilo que a natureza estabeleceu como diferente. Mesmo que não possamos distinguir por meio de evidências subjetivas uma mulher de uma transexual não significa dizer que objetivamente sejam similares, pois ainda persistem diferenças biológicas significativas e que são imutáveis por natureza. Um exemplo disso é a celeuma hoje existente de transexuais participando de competições esportivas femininas.

Entretanto, o fato enseja uma melhor análise. O cerne da matéria é que uma transexual foi morta pelo seu companheiro e, de forma indutiva, a polícia paulista considerou de bom alvitre enquadrar o crime na lei de feminicídio, criada em 2015.  A lei 13.104/2015 estabelece, grosso modo, que o feminicídio se dá quando um homem mata uma mulher por sua condição de pertencimento ao sexo feminino. Ou seja, é a condição de sexo feminino que configura o feminicídio. A matéria diz que em outubro de 2016, o Ministério Público de São Paulo já havia denunciado por crime de feminicídio um ex-companheiro de uma transexual. O Ministério Público partiu do princípio de que “Quando há alteração no registro civil de um homem para mulher e quando há uma autodeterminação no campo psicológico, o homem passa a ser considerado, no mundo jurídico, como mulher”. Ou seja, para esses profissionais da área do Direito o mundo jurídico é um mundo à parte, não necessitando está em conexão com o mundo real, pois são as evidências imaginativas que prevalecem sobre as evidências objetivas.  

Vamos tomar como referência essa cosmovisão jurídica e imaginar que um homem, que em tempos passados tenha vivido matrimonialmente com uma mulher, onde esta depois se transformou num transexual masculino, não conformado com a separação, mata essa mulher que mudou o nome para Marco Antônio e se autodeterminou psicologicamente homem. Há aqui um feminicídio ou um homicídio? Acredita-se, por analogia, que para o mundo jurídico, essa mulher, que agora é transexual masculino, não poderá ser enquadrada na lei 13.104/2015, pois lhe falta naquele momento a condição de sexo feminino. Isto é, para o mundo jurídico, a condição sexual (ser homem ou ser mulher) é temporal e não uma condição natural (biológica).

Nem no mundo imaginário isso é possível! No mundo real um rinoceronte, mesmo que por mutilação perca os seus chifres, não deixa de ser um rinoceronte; um urso, mesmo que coloque um chifre no meio da testa, não deixa de ser um urso. Mas no mundo imaginário um cavalo com chifre não é um cavalo, mas um unicórnio; uma mulher com rabo de peixe não é uma mulher, mas uma sereia. Por tanto, no mundo real um homem, mesmo tendo feito uma cirurgia de mudança de sexo, continua sendo um homem (um eunuco), tal como um cavalo castrado continua sendo um cavalo. No mundo imaginário, por sua vez, um homem que muda de sexo não pode ser mais um homem, muito menos uma mulher, é um imaculado, um transexual. Desta forma, somente no mundo esquizofrênico, que não consegue distinguir o que é real e o que imaginativo, um transexual pode ser classificada como mulher ou uma transexual pode ser classificado como homem. 
  
Essa esquizofrenia pode ser constatada em outra matéria, esta mais longínqua, também publicada no G1, em 19/11/2015, por Renan Ramalho, intitulada “Relator no STF vota a favor do uso de banheiro feminino por transexual”. Nesta matéria, os doutos superministros abriram votação para decidir sobre o direito das transexuais de usarem os banheiros femininos a partir da “identidade de gênero”, ou seja, como se percebem, independente do sexo. Essa preocupação dos superministros se deu por conta de uma transexual ter sido impedida de usar o banheiro feminino de um shopping em Santa Catarina. Na matéria, a advogada da vítima sustentou a seguinte tese: “Quando se discute se uma transexual pode ou não fazer uso do banheiro feminino, ou seja, do banheiro pertencente ao gênero com o qual se identifica está se discutindo ainda seu direito à identidade e à autodeterminação sexual, à honra, à intimidade e à privacidade. Está se discutindo se essa mulher e tantas outras e outros na mesma situação têm ou não o direito de viver sem marginalização”.

Para analisar a situação acima vou recorrer ao raciocínio lógico. Vamos utilizar a definição aristotélica de homem como animal racional e falante. Nesta definição, o homem é a espécie; o animal é o gênero; e o racional e falante a diferença específica, ou seja, é o que diferencia o homem (e também a mulher) de todos os outros animais. Por essa definição, verifica-se que homem e mulher são espécies do mesmo gênero (animal). Vou recorrer ao silogismo para buscar um melhor entendimento sobre essa questão de identidade de gênero ressaltada na situação acima: Todas as mulheres são do sexo feminino; Fabiana é mulher; logo, é do sexo feminino. Temos então uma classificação: Fabiana pertence à espécie mulher, que pertence, por sua vez, ao gênero feminino.

Para o mundo jurídico, descrito pelos superministros e pela advogada da transexual, esse silogismo não tem valor algum, pois o homem pode ser classificado na espécie mulher e, por conseguinte, no gênero feminino, justamente porque a identidade é definida a partir de como o indivíduo se percebe e não como ele é realmente. A verdade não está mais na razão (sujeito) ou nas coisas (objeto), mas na imaginação, no sentir-se. Ou seja, Carlos pode pertencer ao gênero feminino caso se sinta uma mulher, não importando se originalmente esteja classificado na categoria de homem. É a chamada autodeterminação, que passou a adquirir um poder sobrenatural, que se sobrepõe à realidade real, podendo a pessoa ser o que quiser, bastando apenas se sentir. A performatização é o que importa. É óbvio que um enunciado que diga que um homem é uma mulher é uma contradição, pois um nega o outro da mesma forma que um enunciado que diga que um cavalo é um gato, logo, é falso, pois para um enunciado ser verdadeiro, diz Mario Ferreira dos Santos, tem que ter “uma identificação entre a representação que temos de um fato e esse fato. Se o que enunciamos de um fato corresponde ao fato, diremos que esse enunciado é verdadeiro”, mas se o que enunciamos de um fato não corresponde ao fato, diremos que o enunciado é falso. É a perda do senso de realidade que caracteriza esse interregno entre o mundo real e o mundo imaginativo, que é justamente onde se encontra o mundo jurídico dos nossos superministros do STF, legitimado por alguns juízes, promotores públicos, advogados e delegados.

Entretanto, esse mundo jurídico não é o mundo jurídico propriamente dito, mas um mundo fictício criado por uma mentalidade esquizofrênica, que quer tornar o mundo a imagem e semelhança de sua mente doentia. Há nesses dois fatos uma manipulação psicológica para que, através da dissonância cognitiva, a opinião pública passe a aceitar, mesmo contrariando as crenças, as atitudes e os valores estabelecidos, a similitude entre uma mulher e um transexual. São os elementos da cognição que precisam ser alterados por meio da manipulação psicológica para que se aceite essa equivalência. Os elementos da cognição refletem a realidade. Assim, se for criada uma nova realidade, mesmo que seja fictícia, há grandes possibilidades de que os elementos da cognição sejam também alterados, bastando apenas que a dissonância seja reduzida ou transformada em consonância. Não é por acaso que a mídia atualmente vem propagando constantemente a imagem de transexuais, inclusive por meio de telenovelas e desenhos animados como é o caso da animação brasileira Super Drags que tinha a previsão de passar na Netflix.

Faz-se necessário uma digressão para explicar melhor o que é dissonância cognitiva, pois essa prática de manipulação psicológica tonou-se uma práxis constante em várias esferas da sociedade, especialmente na educação como bem pontuou Pascal Bernardin no livro Maquiavel Pedagogo. Em sua obra Teoria da dissonância cognitiva, Leon Festinger diz que há dissonância quando dois elementos da cognição não se ajustam entre si: “Podem ser incoerentes ou contraditórios, os padrões culturais ou do grupo podem ditar que não se harmonizam e assim por diante”. O autor exemplifica: “se uma pessoal já estivesse endividada e também comprasse um novo automóvel, os elementos cognitivos correspondentes seriam dissonantes entre si”. Exemplificando agora a partir da situação do uso de banheiros femininos por transexuais: há uma relação dissonante se uma mulher soubesse que só há mulheres no banheiro feminino, mas também ficasse temerosa de encontrar uma transexual lá. Conforme Festinger, “A dissonância existiria por causa do que a pessoa tinha aprendido ou das expectativas que passa a alimentar, por causa do que é considerado usual ou apropriado, ou por muitas outras razões”. 

No caso da equivalência entre mulher e transexual podemos encontrar várias dissonâncias: dissonância de inconsistência lógica, pois uma pessoa pode acreditar que um homem pode se transformar em uma mulher, mas também crer que o médico é incapaz de transformar um homem em mulher pela via da cirurgia de mudança de sexo; dissonância cultural, pois um homem adentrar ao banheiro feminino é dissonante com o comportamento cultural do uso de banheiros femininos exclusivamente por mulheres; e, dissonância de opinião, pois a opinião mais geral é de que o banheiro feminino é de uso exclusivo de mulheres, mas num determinado momento, por pressão de opiniões específicas, se aceita a presença de um transexual no banheiro feminino.

A manipulação psicológica por meio da dissonância cognitiva é uma estratégia da esquerda socialista para modificar pensamentos e comportamentos, onde a linguagem tem um papel preponderante nesse processo revolucionário. George Orwell descreveu formidavelmente esse processo na sua obra de ficção 1984. O objetivo da novafala ou novilíngua é criminalizar o pensamento por meio da linguagem. A dissonância cognitiva se dá através do “duplipensamento”, que é justamente “defender ao mesmo tempo duas opiniões que se anulam uma à outra, sabendo que são contraditórias e acreditando nas duas; recorrer à lógica para questionar a lógica, repudiar a moralidade dizendo-se moralista, acreditar que a democracia era impossível e que o Partido era o guardião da democracia; esquecer tudo o que fosse preciso esquecer, depois reinstalar o esquecido na memória no momento em que ele se mostrasse necessário, depois esquecer tudo de novo sem o menor problema; e, acima de tudo, aplicar o mesmo processo ao processo em si. Esta a última sutileza: induzir conscientemente a inconsciência e depois, mais uma vez, tornar-se inconscientemente do ato de hipnose realizado pouco antes. Inclusive entender que o mundo em ‘duplipensamento’ envolvia o uso do duplipensamento”. Essa citação é bastante esclarecedora no sentido de compreender como funciona a mentalidade esquerdista socialista. Não são tais contradições verificadas nos discursos retóricos da nossa intelligentsia socialista? Ou seja, não é o mundo do “duplipensamento” que se impõe ao se buscar similaridade entre a mulher e a transexual?

O julgamento do caso do direito do transexual utilizar o banheiro feminino à época foi adiado pela divergência de opiniões entre os superministros. O Relator, Luís Roberto Barroso, se sustentou em Kant e na sua concepção de dignidade humana para justificar o seu voto favorável, afirmando “que dignidade é um valor ‘intrínseco’ a toda e qualquer pessoa, sendo dever do Estado garantir sua efetividade conforme as escolhas de cada um”. Em seguida disse “que o ‘suposto constrangimento’ causado às demais mulheres num banheiro feminino pela presença de uma transexual ‘não é comparável ao mal estar’ suportado por ela se tivesse que usar o banheiro masculino”. Para finalizar, o superministro-relator, exemplifica: “imagine-se o desconforto que teria uma pessoa como a Roberta Close ou uma pessoa como Rogéria se forem obrigadas a frequentarem um banheiro masculino, que seria uma agressão à natureza dessas pessoas, uma agressão à identidade dessas pessoas, ao modo como elas se percebem, ao modo como elas vivem as suas vidas”. Já o superministro Luiz Fux foi mais coerente e precavido: “na análise de temas com ‘desacordo moral tão expressivo” que dividem a sociedade, é preciso mais tempo para uma decisão definitiva do Supremo, citando ‘indagações populares’ sobre a questão”. 

À guisa de conclusão, a homossexualidade não é o problema, nunca foi, pois desde sempre há relações entre pessoas do mesmo sexo. O problema é quando se politiza a sexualidade para transformar a sociedade, modificando toda uma cultura por conta de um desejo vinculado a um prazer sexual. O que está por trás de tudo isso não é a defesa da dignidade da transexual, mas uma revolução social por meio da revolução sexual, revolução esta notadamente delineada pela Escola de Frankfurt através, por exemplo, de Herbert Marcuse. Dirá este em seu livro Contra-revolução e revolta: “a revolução sexual não é revolução se não se converter numa revolução do ser humano, se a libertação sexual não estiver em completa convergência com a moralidade política”. Essa libertação sexual nada mais é que a libertação dos instintos, onde esta se converterá, segundo Marcuse, “numa força de libertação social somente no grau em que a energia sexual se transformar em energia erótica, lutando por mudar o modo de vida numa escala política e social”.

Não considero razoável que uma opção sexual esteja acima de questões religiosas, morais e tradicionais enraizadas na cultura há mais de dois mil anos. Não considero razoável que os interesses de um pequeníssimo grupo estejam acima dos interesses da maioria. Somente na mente esquizofrênica da esquerda socialista o irrazoável se harmonizar dialeticamente com o razoável da mesma forma que o irracional e o racional, o verdadeiro e o falso. Só na mentalidade esquizofrênica da esquerda socialista a imagem não precisa ter qualquer correspondência com a realidade, pois vivem no mundo do duplipensamento, que é na verdade um mundo esquizofrênico.   

Dequex Araújo Silva Junior
Doutor em Ciências Sociais
Membro do Instituto Brasileiro de Segurança Pública
Membro fundador do Instituto Antônio Lacerda