Partindo de uma elucubração
filosófica para distinguir e, por conseguinte, verificar a similaridade entre
as coisas, começaremos por estabelecer que vivemos dois mundos distintos: o mundo das coisas reais e o mundo da imaginação. Cada um desses
mundos corresponde a uma realidade específica: o mundo das coisas corresponde à
realidade real e o mundo da imaginação corresponde à realidade ficcional. Entretanto,
todo o mundo imaginativo deve se basear no mundo das coisas reais, ou seja,
toda realidade ficcional deve se fundar na realidade real, pois caso isso não
ocorra, caso haja um antagonismo extremo entre eles, a ficção, ou seja, a
imaginação torna-se esquizofrenia.
A realidade real necessariamente tem que ser diferente da realidade ficcional para que possamos percebê-las como realidades distintas. Uma obra imaginativa se distingue da realidade por ser ela uma antinomia desta. Mas ela é antinômica, mas não contraditória, pois se assim fosse não poderíamos compará-las. Isso significa dizer que o mundo imaginativo deve ter uma semelhança com o mundo das coisas para que se possa compreender a diferença: um gato no mundo imaginativo não pode ser diferente de um gato no mundo real. Quando perdemos, entretanto, a nossa capacidade de distinguir o mundo real do mundo ficcional, ou seja, quando não mais conseguimos distinguir uma coisa real de uma coisa ficcional é porque adentramos num estado de esquizofrenia paranoica.
Quando comparamos duas realidades estamos buscando verificar o que há de semelhante e o que há de diferente. Isso significa, como alerta Mario Ferreira dos Santos, que “o semelhante não é uma categoria do idêntico”, pois “dizemos que alguma coisa é idêntica quando é igual a si mesma”. Por exemplo, uma mesa só pode ser idêntica a si mesmo porque não é outra. Ou seja, nas palavras de Santos, “Qualquer parte da realidade só pode ser considerada idêntica a si mesma no sentido de que não é outra coisa”.
É fundamental para o homem, a
partir de suas experiências, agrupar os semelhantes através da atividade de
diferenciação. A partir da forma, por exemplo, o homem pode, por meio da
abstração, perceber as semelhanças entre as árvores, estabelecendo o conceito
de árvore. Mario Ferreira dos Santos, em sua obra Filosofia e Cosmovisão, diz que “Um conceito, ao incluir um
conjunto de fatos singulares, exclui outros”. Ou seja, quando se conceitua os
vertebrados, excluem-se os invertebrados. Esse dualismo, prossegue o filósofo,
“é uma decorrência do ato racional de conceituação, ou seja, de dar um
conceito, com uma denominação comum, a certo número de fatos que nos parecem
idênticos. Ao procedermos assim, já fazemos uma exclusão, quer dizer, separamos
tudo quanto não é semelhante ao que conceituamos”. Segundo ele, “É
característica de nosso espírito desdobrar-se em duas funções: a que procura o semelhante e o que percebe o diferente”. A primeira “é a que melhor
corresponde à natureza do homem, por simplificar e assegurar uma economia ao
trabalho mental”; a segunda, “é mais cansativa”, pois se faz necessário uma
racionalização constante.
Essa pequena introdução se fez
necessária para tentar compreender um fato noticiado no G1, na data de
31/05/2019, por Cíntia Acayaba e Léo Arcoverde, intitulado “Polícia de SP
registra 1ª transexual como vítima de feminicídio; casos aumentam 54% no 1º
quadrimestre”. O próprio título já indica toda uma manobra política de
estabelecer uma situação de similaridade entre mulher e transexual, que por
natureza são coisas distintas. Essa similitude é meramente ficcional, pois se o
homem, como argumenta Ralph Linton, em sua obra o Homem: uma introdução à antropologia, “está sujeito exatamente às
mesmas leis biológicas que outros mamíferos e deve suas variações atuais aos
mesmos processos evolutivos”, e se há uma divisão biológica sexual entre macho
e fêmea, como nos demais mamíferos, então não pode haver semelhança naquilo que
a natureza estabeleceu como diferente. Mesmo que não possamos distinguir por
meio de evidências subjetivas uma mulher de uma transexual não significa dizer
que objetivamente sejam similares, pois ainda persistem diferenças biológicas
significativas e que são imutáveis por natureza. Um exemplo disso é a celeuma
hoje existente de transexuais participando de competições esportivas femininas.
Entretanto, o fato enseja uma
melhor análise. O cerne da matéria é que uma transexual foi morta pelo seu
companheiro e, de forma indutiva, a polícia paulista considerou de bom alvitre
enquadrar o crime na lei de feminicídio, criada em 2015. A lei 13.104/2015 estabelece, grosso modo, que o feminicídio se dá
quando um homem mata uma mulher por sua condição de pertencimento ao sexo
feminino. Ou seja, é a condição de sexo feminino que configura o feminicídio. A
matéria diz que em outubro de 2016, o Ministério Público de São Paulo já havia
denunciado por crime de feminicídio um ex-companheiro de uma transexual. O
Ministério Público partiu do princípio de que “Quando há alteração no registro
civil de um homem para mulher e quando há uma autodeterminação no campo
psicológico, o homem passa a ser considerado, no mundo jurídico, como mulher”. Ou
seja, para esses profissionais da área do Direito o mundo jurídico é um mundo à
parte, não necessitando está em conexão com o mundo real, pois são as
evidências imaginativas que prevalecem sobre as evidências objetivas.
Vamos tomar como referência essa
cosmovisão jurídica e imaginar que um homem, que em tempos passados tenha
vivido matrimonialmente com uma mulher, onde esta depois se transformou num
transexual masculino, não conformado com a separação, mata essa mulher que
mudou o nome para Marco Antônio e se autodeterminou psicologicamente homem. Há
aqui um feminicídio ou um homicídio? Acredita-se, por analogia, que para o
mundo jurídico, essa mulher, que agora é transexual masculino, não poderá ser
enquadrada na lei 13.104/2015, pois lhe falta naquele momento a condição de
sexo feminino. Isto é, para o mundo jurídico, a condição sexual (ser homem ou
ser mulher) é temporal e não uma condição natural (biológica).
Nem no mundo imaginário isso é
possível! No mundo real um rinoceronte, mesmo que por mutilação perca os seus
chifres, não deixa de ser um rinoceronte; um urso, mesmo que coloque um chifre
no meio da testa, não deixa de ser um urso. Mas no mundo imaginário um cavalo
com chifre não é um cavalo, mas um unicórnio; uma mulher com rabo de peixe não
é uma mulher, mas uma sereia. Por tanto, no mundo real um homem, mesmo tendo
feito uma cirurgia de mudança de sexo, continua sendo um homem (um eunuco), tal como um
cavalo castrado continua sendo um cavalo. No mundo imaginário, por sua vez, um
homem que muda de sexo não pode ser mais um homem, muito menos uma mulher, é um imaculado, um transexual. Desta forma, somente no mundo esquizofrênico, que não consegue
distinguir o que é real e o que imaginativo, um transexual pode ser
classificada como mulher ou uma transexual pode ser classificado como homem.
Essa esquizofrenia pode ser
constatada em outra matéria, esta mais longínqua, também publicada no G1, em
19/11/2015, por Renan Ramalho, intitulada “Relator no STF vota a favor do uso
de banheiro feminino por transexual”. Nesta matéria, os doutos superministros
abriram votação para decidir sobre o direito das transexuais de usarem os
banheiros femininos a partir da “identidade de gênero”, ou seja, como se
percebem, independente do sexo. Essa preocupação dos superministros se deu por
conta de uma transexual ter sido impedida de usar o banheiro feminino de um
shopping em Santa Catarina. Na matéria, a advogada da vítima sustentou a
seguinte tese: “Quando se discute se uma transexual pode ou não fazer uso do
banheiro feminino, ou seja, do banheiro pertencente ao gênero com o qual se
identifica está se discutindo ainda seu direito à identidade e à autodeterminação
sexual, à honra, à intimidade e à privacidade. Está se discutindo se essa
mulher e tantas outras e outros na mesma situação têm ou não o direito de viver
sem marginalização”.
Para analisar a situação acima
vou recorrer ao raciocínio lógico. Vamos utilizar a definição aristotélica de
homem como animal racional e falante. Nesta definição, o homem é a espécie; o animal é o gênero; e o racional e falante a diferença específica, ou seja, é o que
diferencia o homem (e também a mulher) de todos os outros animais. Por essa
definição, verifica-se que homem e mulher são espécies do mesmo gênero
(animal). Vou recorrer ao silogismo para buscar um melhor entendimento sobre
essa questão de identidade de gênero ressaltada na situação acima: Todas as
mulheres são do sexo feminino; Fabiana é mulher; logo, é do sexo feminino.
Temos então uma classificação: Fabiana pertence à espécie mulher, que pertence, por sua vez, ao gênero feminino.
Para o mundo jurídico, descrito
pelos superministros e pela advogada da transexual, esse silogismo não tem
valor algum, pois o homem pode ser classificado na espécie mulher e, por
conseguinte, no gênero feminino, justamente porque a identidade é definida a
partir de como o indivíduo se percebe e não como ele é realmente. A verdade não
está mais na razão (sujeito) ou nas coisas (objeto), mas na imaginação, no
sentir-se. Ou seja, Carlos pode pertencer ao gênero feminino caso se sinta uma
mulher, não importando se originalmente esteja classificado na categoria de
homem. É a chamada autodeterminação, que passou a adquirir um poder
sobrenatural, que se sobrepõe à realidade real, podendo a pessoa ser o que
quiser, bastando apenas se sentir. A performatização é o que importa. É óbvio
que um enunciado que diga que um homem é uma mulher é uma contradição, pois um
nega o outro da mesma forma que um enunciado que diga que um cavalo é um gato,
logo, é falso, pois para um enunciado ser verdadeiro, diz Mario Ferreira dos
Santos, tem que ter “uma identificação entre a representação que temos de um
fato e esse fato. Se o que enunciamos de um fato corresponde ao fato, diremos
que esse enunciado é verdadeiro”, mas se o que enunciamos de um fato não
corresponde ao fato, diremos que o enunciado é falso. É a perda do senso de
realidade que caracteriza esse interregno entre o mundo real e o mundo
imaginativo, que é justamente onde se encontra o mundo jurídico dos nossos
superministros do STF, legitimado por alguns juízes, promotores públicos,
advogados e delegados.
Entretanto, esse mundo jurídico
não é o mundo jurídico propriamente dito, mas um mundo fictício criado por uma
mentalidade esquizofrênica, que quer tornar o mundo a imagem e semelhança de
sua mente doentia. Há nesses dois fatos uma manipulação psicológica para que,
através da dissonância cognitiva, a
opinião pública passe a aceitar, mesmo contrariando as crenças, as atitudes e
os valores estabelecidos, a similitude entre uma mulher e um transexual. São
os elementos da cognição que precisam ser alterados por meio da manipulação
psicológica para que se aceite essa equivalência. Os elementos da cognição
refletem a realidade. Assim, se for criada uma nova realidade, mesmo que seja
fictícia, há grandes possibilidades de que os elementos da cognição sejam
também alterados, bastando apenas que a dissonância seja reduzida ou
transformada em consonância. Não é por acaso que a mídia atualmente vem propagando
constantemente a imagem de transexuais, inclusive por meio de telenovelas e
desenhos animados como é o caso da animação brasileira Super Drags que tinha a
previsão de passar na Netflix.
Faz-se necessário uma digressão
para explicar melhor o que é dissonância cognitiva, pois essa prática de
manipulação psicológica tonou-se uma práxis constante em várias esferas da
sociedade, especialmente na educação como bem pontuou Pascal Bernardin no livro
Maquiavel Pedagogo. Em sua obra Teoria da dissonância cognitiva, Leon
Festinger diz que há dissonância quando dois elementos da cognição não se
ajustam entre si: “Podem ser incoerentes ou contraditórios, os padrões
culturais ou do grupo podem ditar que não se harmonizam e assim por diante”. O
autor exemplifica: “se uma pessoal já estivesse endividada e também comprasse
um novo automóvel, os elementos cognitivos correspondentes seriam dissonantes
entre si”. Exemplificando agora a partir da situação do uso de banheiros
femininos por transexuais: há uma relação dissonante se uma mulher soubesse que
só há mulheres no banheiro feminino, mas também ficasse temerosa de encontrar
uma transexual lá. Conforme Festinger, “A dissonância existiria por causa do
que a pessoa tinha aprendido ou das expectativas que passa a alimentar, por
causa do que é considerado usual ou apropriado, ou por muitas outras
razões”.
No caso da equivalência entre
mulher e transexual podemos encontrar várias dissonâncias: dissonância de inconsistência lógica, pois uma pessoa pode acreditar
que um homem pode se transformar em uma mulher, mas também crer que o médico é
incapaz de transformar um homem em mulher pela via da cirurgia de mudança de
sexo; dissonância cultural, pois um
homem adentrar ao banheiro feminino é dissonante com o comportamento cultural
do uso de banheiros femininos exclusivamente por mulheres; e, dissonância de opinião, pois a opinião
mais geral é de que o banheiro feminino é de uso exclusivo de mulheres, mas num
determinado momento, por pressão de opiniões específicas, se aceita a presença
de um transexual no banheiro feminino.
A manipulação psicológica por
meio da dissonância cognitiva é uma estratégia da esquerda socialista para
modificar pensamentos e comportamentos, onde a linguagem tem um papel
preponderante nesse processo revolucionário. George Orwell descreveu
formidavelmente esse processo na sua obra de ficção 1984. O objetivo da novafala
ou novilíngua é criminalizar o
pensamento por meio da linguagem. A dissonância cognitiva se dá através do
“duplipensamento”, que é justamente “defender ao mesmo tempo duas opiniões que
se anulam uma à outra, sabendo que são contraditórias e acreditando nas duas;
recorrer à lógica para questionar a lógica, repudiar a moralidade dizendo-se
moralista, acreditar que a democracia era impossível e que o Partido era o
guardião da democracia; esquecer tudo o que fosse preciso esquecer, depois
reinstalar o esquecido na memória no momento em que ele se mostrasse
necessário, depois esquecer tudo de novo sem o menor problema; e, acima de tudo,
aplicar o mesmo processo ao processo em si. Esta a última sutileza: induzir
conscientemente a inconsciência e depois, mais uma vez, tornar-se
inconscientemente do ato de hipnose realizado pouco antes. Inclusive entender
que o mundo em ‘duplipensamento’ envolvia o uso do duplipensamento”. Essa
citação é bastante esclarecedora no sentido de compreender como funciona a
mentalidade esquerdista socialista. Não são tais contradições verificadas nos
discursos retóricos da nossa intelligentsia
socialista? Ou seja, não é o mundo do “duplipensamento” que se impõe ao se
buscar similaridade entre a mulher e a transexual?
O julgamento do caso do direito
do transexual utilizar o banheiro feminino à época foi adiado pela divergência
de opiniões entre os superministros. O Relator, Luís Roberto Barroso, se
sustentou em Kant e na sua concepção de dignidade humana para justificar o seu
voto favorável, afirmando “que dignidade é um valor ‘intrínseco’ a toda e
qualquer pessoa, sendo dever do Estado garantir sua efetividade conforme as
escolhas de cada um”. Em seguida disse “que o ‘suposto constrangimento’ causado
às demais mulheres num banheiro feminino pela presença de uma transexual ‘não é
comparável ao mal estar’ suportado por ela se tivesse que usar o banheiro
masculino”. Para finalizar, o superministro-relator, exemplifica: “imagine-se o
desconforto que teria uma pessoa como a Roberta Close ou uma pessoa como
Rogéria se forem obrigadas a frequentarem um banheiro masculino, que seria uma
agressão à natureza dessas pessoas, uma agressão à identidade dessas pessoas,
ao modo como elas se percebem, ao modo como elas vivem as suas vidas”. Já o
superministro Luiz Fux foi mais coerente e precavido: “na análise de temas com ‘desacordo
moral tão expressivo” que dividem a sociedade, é preciso mais tempo para uma
decisão definitiva do Supremo, citando ‘indagações populares’ sobre a questão”.
À guisa de conclusão, a
homossexualidade não é o problema, nunca foi, pois desde sempre há relações
entre pessoas do mesmo sexo. O problema é quando se politiza a sexualidade para
transformar a sociedade, modificando toda uma cultura por conta de um desejo
vinculado a um prazer sexual. O que está por trás de tudo isso não é a defesa
da dignidade da transexual, mas uma revolução social por meio da revolução
sexual, revolução esta notadamente delineada pela Escola de Frankfurt através,
por exemplo, de Herbert Marcuse. Dirá este em seu livro Contra-revolução e revolta: “a revolução sexual não é revolução se
não se converter numa revolução do ser humano, se a libertação sexual não
estiver em completa convergência com a moralidade política”. Essa libertação
sexual nada mais é que a libertação dos instintos, onde esta se converterá,
segundo Marcuse, “numa força de libertação social somente no grau em que a
energia sexual se transformar em energia erótica, lutando por mudar o modo de
vida numa escala política e social”.
Não considero razoável que uma
opção sexual esteja acima de questões religiosas, morais e tradicionais
enraizadas na cultura há mais de dois mil anos. Não considero razoável que os
interesses de um pequeníssimo grupo estejam acima dos interesses da maioria. Somente
na mente esquizofrênica da esquerda socialista o irrazoável se harmonizar
dialeticamente com o razoável da mesma forma que o irracional e o racional, o
verdadeiro e o falso. Só na mentalidade esquizofrênica da esquerda socialista a
imagem não precisa ter qualquer correspondência com a realidade, pois vivem no
mundo do duplipensamento, que é na verdade um mundo esquizofrênico.
Dequex Araújo Silva Junior
Doutor em Ciências Sociais
Membro do Instituto Brasileiro de Segurança
Pública
Membro fundador do Instituto Antônio
Lacerda
Parabéns pelo excelente texto que tão bem retrata o momento social pelo que passamos.
ResponderExcluirMuito bom Major, inatacável a argumentação, padrão.
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ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirUnknown2 de junho de 2019 13:40
ResponderExcluirTexto muito bom! Com excelentes argumentos. Concordo com a interpretação da norma jurídica concernente ao crime cometido contra as tans, pois considerando-se como feminicídio o delinquente receberá pena maior, fosse apenas homicídio teríamos uma condenação mais branda.
Parabéns pelo texto!