segunda-feira, 4 de março de 2019

Uma luz no fim do túnel: o resgate do pensamento conservador


A eleição de Bolsonaro, tudo indica, colocou uma pá de cal nas pretensões dos progressistas, pelo menos momentaneamente, de se perpetuarem no poder e de prosseguir com o projeto revolucionário de subversão da ordem moral construída sob os alicerces da civilização ocidental cristã. É importante deixar claro que essa eleição não foi somente uma substituição de um governo de esquerda por um governo antiesquerda (não me refiro a um governo de direita, pois não vejo no Brasil atual qualquer postura política de direita, quer liberal, quer conservadora), mas a declaração explícita de uma parcela significativa da população de que já não suportava mais o relativismo moral e a falta de senso de obscenidade que assolam a nossa sociedade por conta de uma política deliberada de negação das tradições, dos costumes, das convenções e de tudo que representa a cultura superior, os valores superiores e a ordem moral cristã. 
 
Os discursos do então presidenciável Bolsonaro se direcionavam justamente para uma concepção moral que traz de volta valores considerados tradicionais, com ênfase na família e na religião católica. O slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” demonstra uma dupla preocupação: por um lado, com as questões nacionais, renegadas pelos progressistas globalistas, submissos aos interesses das organizações internacionais e multilaterais; e, por outro, com as questões espirituais, também renegadas pelos progressistas materialistas e ateus em prol do anticristianismo e de uma concepção imanente de mundo, totalmente desatrelada da noção de transcendência.

Entretanto, o itinerário que terá de percorrer o novo governo para reverter às consequências maléficas ocasionadas pela revolução cultural gramsciana dirigida pelos progressistas marxistas nessas ultimas quatro décadas será extremamente movediço, pois terá que transpor justamente a hegemonia criada por eles nos diversos ambientes, mais notadamente nos ambientes político e cultural. A transposição passa necessariamente, no meu entender, por uma reconstrução do pensamento conservador, que há muito foi solapado pelo cientificismo positivista e marxista, respectivamente, durante a República Velha e a República Nova (o pensamento conservador foi mais bem formulado no Segundo Reinado (1840-1889), com o ecletismo, o tradicionalismo e o espiritualismo católico como narra brilhantemente Antonio Paim em sua obra História das Ideias Filosóficas no Brasil).

O slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” resgata, no nosso entendimento, duas premissas do conservadorismo: o patriotismo e a religiosidade cristã. Como explica um dos principais expoentes do conservadorismo inglês atual, o filósofo Roger Scruton, em sua obra Uma filosofia política: argumentos para o conservadorismo, “o patriotismo republicano defendido por Maquiavel, Montesquieu e Mill é uma forma de lealdade nacional, não uma forma patológica como o nacionalismo, mas um amor natural pelo país, pelos compatriotas e pela cultura que os une. Os patriotas estão vinculados ao povo e ao território que são deles por direito; e o patriotismo implica uma tentativa de transformar esse direito em governo imparcial e em Estado de direito. Esse direito territorial básico está implícito na própria palavra: pátria é a “terra natal”, o lugar ao qual pertencemos e ao qual retornaremos, ainda que só em pensamento, no final de nossa perambulação”. Em suma, a pátria é uma forma de compartilhamento de um território, de uma história, de um idioma e de uma religião.


No Brasil, o surgimento do amor à pátria pode ser simbolizado por meio da criação da Guarda Nacional em 1831, justamente no final do Primeiro Reinado, período este que se dá o movimento antilusitano em prol do nacionalismo brasileiro. Conforme a historiadora Jeanne Berrance de Castro, em sua obra A milícia cidadã: a Guarda Nacional de 1831 a 1850, “Essa explosão nacionalista justificará o aparecimento, cinco meses depois, de uma Guarda Nacional cidadã, de uma milícia cívica”. A Guarda Nacional passou a ser o símbolo da nova nação. Criada pela Lei de 1831, “tornou-se”, diz Castro, “a principal força auxiliar da Menoridade e elemento básico na manutenção da integridade nacional”. No seu artigo primeiro está exposto todo o programa da Guarda Nacional: “defender a Constituição, a Liberdade, a Independência, e a Integridade do Império; manter a obediência às Leis, conservar, ou restabelecer a ordem e a tranquilidade pública, e auxiliar o Exército de linha na defesa das fronteiras e costas”.

Essa pequena lembrança da Guarda Nacional como símbolo de patriotismo nos permite faze uma ilação e entender a importância das Polícias Militares brasileiras não só como instituições responsáveis pela soberania interna e pela manutenção da ordem pública, mas como símbolos nacionais, símbolos da pátria, responsáveis pela integridade territorial desde 1825. A população brasileira tem reconhecido tal valor: nos últimos anos têm crescido a procura por escolas da Polícia Militar em todo o Brasil. Na Bahia há uma experiência recente de implantação em escolas municipais, por solicitação de prefeitos, do modelo adotado no Colégio da Polícia Militar (CPM), onde se incentiva o civismo, o patriotismo e o culto aos símbolos nacionais, culto este que também está sendo implantado pelo governo federal nas escolas.   


O resgate da religiosidade cristã significa a reconstrução da comunidade espiritual ou metafísica que foi sendo sufocada pelo materialismo marxista e pela Teologia da Libertação desde a segunda metade do século XX. A comunidade espiritual é definida por Richard M. Weaver, em seu livro As ideias têm consequências, como sendo aquela “na qual os homens relacionam-se no plano dos sentimentos e da solidariedade e onde, conscientes de sua singularidade, conservam uma unidade de um modo que nem sempre é proporcional ao aspecto externo de sua união”. Ademais, o resgate do culto cristão significa o retorno às nossas tradições culturais, pois religião e cultura são duas faces da mesma moeda. T.S. Eliot diz, em seu livro Notas para a definição de cultura, que há uma encarnação entre cultura e religião e que suscita a seguinte questão: “se o refinamento da cultura é a causa do progresso na religião, ou se o progresso na religião é a causa do refinamento da cultura”. Quando cultura e religião são consideradas dessa forma, evitamos incorrer, diz ele, em dois erros: “de que a cultura pode ser preservada, ampliada e desenvolvida na ausência da religião”; e “de que a preservação e a manutenção da religião não precisam levar em consideração a preservação e a manutenção da cultura”.

O Brasil, como fruto da obra civilizacional ocidental, é desde sua origem uma sociedade culturalmente católica, ou seja, uma comunidade metafísica cristã. Gilberto Freyre, em sua obra Casa-Grande & Senzala, retrata muito bem essa encarnação da cultura nacional com a religião católica, considerando esta como o cimento da nossa unidade nacional: “O Brasil formou-se, despreocupados os seus colonizadores da unidade ou pureza de raça. Durante quase todo o século XVI a colônia esteve escancarada a estrangeiros, só importando às autoridades coloniais que fossem de fé ou religião Católica”. Até um autor marxista como Caio Prado Júnior reconhece a importância da Igreja no nosso processo de formação cultural e espiritual. Em sua obra Formação do Brasil contemporâneo, ele diz: “A Igreja sempre honrou no Brasil sua tradição democrática, a maior força com que contou para a conquista espiritual do Ocidente. O que ocorreu na Europa medieval se repetiria na colonização do Brasil: a batina se tornaria o refúgio da inteligência e cultura; e isto porque é sobretudo em tal base que se faria a seleção para o clero”.

Para além do slogan citado pelo presidente Bolsonaro, este – juntamente com os ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez – ressaltou diversas vezes que o seu governo combateria a ideologia da esquerda disseminada no diversos setores da sociedade, mais notadamente nas escolas (alvo principal da revolução cultural). Essa sua ênfase no combate à ideologia nos remete também ao pensamento conservador e à defesa da política prudencial em oposição à política ideológica. Segundo um dos expoentes do conservadorismo norte-americano, Russell Kirk, em sua obra A política da prudência, a concepção conservadora é aquela que pensa nas políticas de Estado “como as que intentam preservar a ordem, a justiça e a liberdade”. Isso difere da política ideológica, pois utiliza a política como instrumento revolucionário com o fim de transformar a sociedade e até mesmo a natureza humana. Ressalta-se que o conservadorismo, nas palavras de Kirk, “não é uma ideologia, mas sim um complexo de pensamento e sentimento, um profundo apego às coisas permanentes”, e adota os seguintes princípios da política da prudência:

a)      “O político prudente sabe que ‘utopia’ significa ‘lugar nenhum’; que não se pode marchar em direção a uma Sião terrena; que a natureza e as instituições humanas são imperfeitas; que a ‘justiça’ agressiva na política acaba em massacre. A verdadeira religião é uma disciplina para a alma, não para o Estado”;


b)      “O político prudente tem plena consciência de que o propósito original do Estado é manter a paz. Isso só pode ser alcançado via a manutenção de um equilíbrio tolerável entre os grandes interesses da sociedade”;

c)       “Os políticos prudentes, rejeitando a ilusão de uma verdade política absoluta, diante da qual todo o cidadão deve se curvar, entendem que as estruturas políticas e econômicas não são meros produtos de uma teoria, a serem erigidos num dia e demolidos noutro; pelo contrário, instituições sociais se desenvolvem ao longo dos séculos, como se fossem orgânicas”.

Criou-se no imaginário popular brasileiro, fruto das falácias dos progressistas, que ser conservador é ser ditador, fascista, machista e ouras aberrações. A própria concepção trazida por Kirk de que o Estado deve garantir a ordem, a justiça e a liberdade já é o suficiente para desmistificar essa relação entre conservador e antidemocrata. Um dos mais importantes pensadores cristão e conservador do século XX, G.K. Chesterton, em sua obra magistral, intitulada Ortodoxia, nos deixa de herança dois brilhantes princípios que expressam a relação entre conservadorismo e democracia: “Este é o primeiro princípio da democracia: as coisas essenciais nos homens são as coisas que têm em comum, e não as coisas particulares. E o segundo princípio é este: que o instinto ou desejo político é uma dessas coisas comuns”. No primeiro princípio observa-se que Chesterton está se referindo à participação de todos os cidadãos na administração das coisas públicas. Em outra parte ele ressalta isso: “Em suma, esta é a fé democrática: as coisas mais terrivelmente importantes devem ser da alçada do homem comum – o cortejo amoroso, a educação dos jovens, as leis do Estado. Isso é democracia; e é nisso que sempre acreditei”. No segundo observa o resgate da ideia aristotélica de definição do homem como animal político. Os dois princípios trazem a ideia do homem livre e responsável, ou seja, do homem que faça suas coisas por conta própria, mesmo que faça errado.

Chesterton também estabelece uma relação entre democracia e tradição: “Nunca entendi de onde tiraram a ideia de que a democracia se opõe de alguma forma à tradição”. Para ele, a democracia é a própria tradição que se estende no tempo, confiando “no consenso das vozes comuns da humanidade e não em algum evento isolado ou arbitrário”. Para confirmar a sua premissa, ele traz à baila o exemplo da lenda: “A lenda é geralmente feita pela maioria da população de uma vila, que é sã. O livro é geralmente escrito pelo único homem da vila que é louco”. Em seguida traz o seguinte argumento: “Se damos grande importância à opinião unânime dos homens comuns quando lidamos com os assuntos cotidianos, não há porque desconsiderá-la quando lidamos com a história ou as fábulas”. Finalizando seu entendimento sobre a relação entre democracia e tradição, que o identifica com a concepção conservadora, Chesterton diz que a tradição “pode ser considerada como uma extensão do sufrágio eleitoral; o que significa “dar o voto à mais obscura de todas as classes, nosso ancestrais”. É dessa relação que tira o seu conceito de “democracia dos mortos”, onde a tradição “rejeita a submissão à oligarquia arrogante e mesquinha daqueles que por hora perambulam por aí”, bem como rejeita que os homens “sejam desqualificados pelo acidente da morte”, como fazem, por exemplo, os democratas que “rejeitam que os homens não possam votar por um acidente de nascimento”. Com isso, argumenta mais uma vez Chesterton, se a “democracia diz que não devemos desprezar a opinião de um homem bom, mesmo que seja nosso lacaio”, a tradição, por sua vez, “nos conclama a não negligenciar a opinião de um homem bom, mesmo que seja o nosso pai”.   

Dentro do atual contexto de crise moral e política, implantada pelos ideólogos progressistas, o desafio não só do governo, mas de todos aqueles que votaram em prol do pensamento conservador, mesmo de forma intuitiva, de resgatar os valores mais elevados, que serviram de sustentáculos para o desenvolvimento da civilização ocidental cristã, e de defesa dos costumes, das convenções e da ordem moral. É justamente o resgate do que outro grande pensador-conservador do século XX, C.S Lewis, em seu livro Cristianismo puro e simples, chamou de Regra de Comportamento Digno ou Lei da Natureza Humana. Ele cita esta lei no sentido de contestar o relativismo moral dos progressistas: “se nenhum conjunto de ideias morais fosse mais verdadeiro ou melhor do que o outro, não haveria sentido em preferir a moralidade civilizada à moralidade selvagem, ou a moralidade cristã à moralidade nazista”. Lewis está se referindo a uma moral objetiva, se contrapondo, assim, a moral subjetiva dos progressistas (no Brasil, por exemplo, todos se acham no direito de afirmar que possuem uma moral personalizada, elevando à enésima potência o relativismo moral, que desemboca no relativismo gnoseológico, onde cada um tem sua verdade). Essa moral objetiva é o padrão que mede morais distintas no tempo e no espaço, estabelecendo qual está mais próxima do que ele denominou de Moralidade Real: “se suas ideias morais podem ser mais verdadeiras e aquelas dos nazistas, menos, deve haver algo – alguma Moralidade Real – de acordo com a qual sejam verdadeiras”.

Em uma sociedade onde não há certo e errado, ou onde todo mundo está certo ou todo mundo está errado, onde a moral é extremante relativizada, não há qualquer possibilidade do uso de uma faculdade essencialmente humana: a faculdade de julgar. É a Lei de Natureza Humana, conforme C.S Lewis, que possibilita distinguir o que fazer e o que não fazer. E o que está por trás dessa lei é justamente Deus e, por conseguinte, a moral cristã fundada nos mandamentos divinos. É a moral cristã a grande balizadora dos comportamentos do homem ocidental desde o surgimento de Cristo, pois como afirma um dos maiores historiadores do cristianismo, Christopher Dawson, em sua obra Criação do Ocidente: a religião e a Civilização Medieval, não se pode entender as características do homem ocidental sem levar em consideração o papel do cristianismo como sustentáculo da cultura ocidental. É essa moral cristã, destruída pelos progressistas ateus e religiosos, que os conservadores defendem e a forma de resgatá-la é por meio da educação.

Dentro dessa possibilidade de retomada do pensamento conservador no Brasil, em oposição ao pensamento progressista, a educação torna-se a instituição social mais importante, pois como afirma Allan Bloom, em seu livro O Declínio da Cultura Ocidental: da crise da universidade à crise da sociedade, toda a educação tem uma finalidade moral. Se a educação tem uma finalidade moral e o conservadorismo não é somente um pensamento político, mas também uma concepção moral de mundo, então esta concepção só pode ser passada realmente por meio da educação, Mas não é qualquer forma de educação, mas aquela que possibilite aprender, ou seja, elevar o nível de entendimento sobre as coisas do mundo e sobre a própria vida.

Allan Bloom, como educador conservador, defende a educação liberal (conhecida também como educação clássica) e se opõe ao relativismo cultural e ao historicismo que se disseminou nas escolas e universidades norte-americanas a partir da segunda metade do século XX (caso semelhante ao que ocorreu no Brasil a partir do final do regime militar com a inclusão do socioconstrutivismo e da famigerada pedagogia marxista de Paulo Freire): “Negar a possibilidade de conhecer o bem e o mal corresponde a suprimir a verdadeira abertura [esta acompanha o desejo de saber, ou seja, tem a consciência da ignorância]. Uma atitude histórica correta levaria a duvidar da verdade do historicismo (concepção segundo a qual todo o pensamento está essencialmente correlacionado ao seu próprio tempo e não pode transcendê-lo) e a tratá-lo como uma peculiaridade da História contemporânea. Na verdade, o historicismo e o relativismo cultural são meios para evitar que se ponham à prova os nossos próprios preconceitos e que se indague, por exemplo, se os homens são efetivamente iguais ou se tal opinião não passa de um preconceito democrático”. Bloom prossegue: “Os preconceitos, preconceitos fortes, correspondem a visões de como as coisas são, a vaticínios sobre a ordem do todo das coisas e, portanto, sobre o caminho para o conhecimento do todo, por meio de opiniões errôneas a seu respeito. O erro é de fato nosso inimigo, mas só ele aponta para a verdade e, por conseguinte, merece tratamento respeitoso. A mente que não tem preconceitos, a princípio está vazia. Só pode ter sido formada por um método que não tem consciência da dificuldade de reconhecer que um preconceito é um preconceito”. 

As proposições e argumentações de Allan Bloom sobre a educação norte-americana são extremamente relevantes, pois ele vivenciou o que nós vivenciamos no Brasil e que a maioria vivencia no mundo ocidental, a saber: a deterioração da memória e da imaginação dos nossos jovens por meio de uma educação que eu denomino de genocida. Os métodos dos cientistas da educação, vinculados à psicopedagogia, simplesmente retiraram a possibilidade das crianças aprenderem com os contos de fadas ou literaturas ditas por Mortimer Adler (o maior educador do século XX), de imaginativas ou ficcionais. Ou seja, retiraram qualquer possibilidade de aprendizagem e, por conseguinte, de desenvolvimento cognitivo (não é por acaso que estamos há muito tempo figurando nas últimas colocações no ranking da educação mundial). Os nossos “gênios” progressistas da educação infantil defenestraram o lobo mau, a mula sem cabeça, o bicho papão, as fábulas de Monteiro Lobato e outras tantas, alegando, sem qualquer tipo de fundamentação razoável, que tais literaturas eram nocivas às crianças.

Para um conservador arguto como Chesterton, os contos de fadas estão em consonância com a tradição popular. Para ele há uma ética e uma filosofia nos contos de fada: “Há a grande lição de a ‘Bela e a Fera’: uma coisa deve ser amada antes de ser amável. Há a terrível alegoria de a “Bela Adormecida”, que nos narra como a criatura humana foi abençoada com todos os dons, mas ainda assim foi amaldiçoada pela morte; e como a própria morte pode, talvez, adormecer”. Ele fala da forma filosófica de descrever e explicar que estão contidas nos contos de fada: “As únicas palavras que já me saciaram como uma descrição da Natureza são os termos usados nos contos de fadas, como ‘feitiço’, ‘encanto’ e ‘magia’. Elas expressam a arbitrariedade do fato e seu mistério. Uma árvore cresce porque é uma árvore mágica. A água desce morro abaixo porque é encantada. O sol brilha porque é encantado”. Essa forma de linguagem, diz ele, “é perfeitamente racional e agnóstico”, pois é “a única forma de expressar em palavras minhas percepções clara e definida de que uma coisa é bem distinta da outra; que não há nenhuma conexão lógica entre voar e botar ovo”.

Chesterton, em sua brilhante e lúcida análise sobre a importância dos contos de fada, esclarece que as estórias narradas indicam, grosso modo, que não se experimenta um prazer sem um sacrifício simbólico (poderíamos também dizer que não se obtém um direito sem antes cumprir uma obrigação): “O traço característico do encantamento de uma fada sempre segue esta forma: ‘Você pode viver em um palácio de ouro e safiras, se (e somente se) não disser a palavra vaca’; ou ‘Você pode ser feliz para sempre com a filha do Rei, se não lhe mostrar uma cebola’. A visão está sempre pelo fio de um veto. Todas as coisas colossais e excitantes dependem de uma coisa pequena que é subtraída. Todas as coisas selvagens e rodopiantes que são livres dependem de uma única coisa que é proibida”. Essas mensagens educativas dadas pelos contos de fadas simplesmente foram condenadas pelos educadores progressistas em prol de uma retórica alienante que está destruindo a memória e a imaginação das nossas crianças, como ressalta Anthony Esolen, em seu livro Dez maneiras de destruir a imaginação do seu filho: “uma memória desenvolvida é um maravilhoso e terrível depósito de coisas vistas, ouvidas e feitas, e realiza atividades que nenhuma página de busca de internet é capaz de realizar. A memória é capaz de evocar de uma só vez coisas aparentemente desconexas, conformando-as em uma impressão única ou em um novo pensamento”. Isso os nossos educadores progressistas não querem, preferem, como salienta Esolen, sufocar a imaginação colocando a memória em xeque através de duas maneiras: “Podemos encorajar a preguiça, nunca insistindo que os jovens devam de fato dominar, por exemplo, as regras da multiplicação, ou a localização de cidades e rios e lagos no globo. Então podemos permitir que o que restou da memória seja preenchido com lixo”.

A repressão aos contos de fada pelos “educadores” progressistas engendra outra consequência danosa: a desconexão com a realidade através de uma suposta proteção. Como diz o meu amigo Bernardo Guimarães Ribeiro, em seu livro Nadando contra corrente: como a dificuldade em formar as próprias ideias abre espaço para ideologias irracionais: “A polêmica envolvendo Lobato [ele se refere à proibição velada imposta pelos professores às obras de Monteiro Lobato, acusando-as de racistas] é apenas uma das tantas abordagens realizadas por intelectuais e burocratas do Estado que, com propósitos de censura camuflada de boas intenções, acabam sonegando às crianças o acesso a uma literatura de alto nível e reconhecidamente rica e estimulante. Impedir o acesso, desqualificar ou mesmo destruir a literatura de Lobato equivale a pretender negar a escravidão com a demolição de todos os templos, igrejas, prédios, monumentos e todas as obras maravilhosas realizadas na face da Terra com as mãos dos escravos” (imaginem se cismarem com Aristóteles por ter sido a favor da escravidão ou por ter considerado a mulher inferior ao homem?). Ribeiro cita ainda outra consequência danosa promovida pelos “educadores” progressistas “protetores” de criancinhas: “A mania exagerada e desmedida de buscar ‘blindar’ a criança de todas as vicissitudes e frustrações intrínsecas às experiências da vida acaba por degenerar os próprios princípios protetivos das crianças. A sede exacerbada de proteção torna-a contraproducente, transformando crianças superprotegidas em adultos mimados e intolerantes à frustração, ou seja, em pessoas de baixa ou nenhuma resiliência”. Será coincidência a ida cada vez mais cedo de crianças para tratamentos psiquiátricos ou de jovens se automutilando nas escolas e dentro de casa? 
      
Atrelada à politização da educação, por meio da censura ideológica, vivenciamos também a censura linguística no campo político, por meio do politicamente correto. Esta, junto com aquela, cria um cenário totalitário, onde o logos, que significa discurso, e que faz parte da definição aristotélica de homem como animal político e falante, está sendo impedido de exercer sua capacidade reveladora. É justamente na ação e no discurso, diz Hannah Arendt, em seu livro A condição humana, que “os homens mostram quem são, revelam ativamente suas identidades pessoais e singulares, e assim apresentam-se ao mundo humano”. Como podemos nos revelar ou revelar a verdade dentro do espectro da ditadura do politicamente correto? É a pluralidade dos discursos e, por conseguinte, do pensamento que viabiliza a ação política democrática. Uma democracia sem preconceito não é democracia, é uma tirania. É justamente contra essa tirania do politicamente correto que o pensamento conservador se opõe de forma ferrenha. “Vivemos”, diz Kirk, “numa época em que o significado de antigas palavras, como tantas outras coisas, se tornou inseguro. ‘As palavras se distendem, /Estalam e muitas vezes se quebram, sob a carga’, como T.S Eliot (1888-1965) o diz. ‘No princípio era o Verbo’ (Jo 1,1). Hoje em dia, porém, o Verbo está sendo confrontado pela ideologia gigante, que perverte a palavra falada e escrita”.

Em suma, a temática aqui proposta não é a oposição entre direita e esquerda (como fiz no artigo Esquerda, Direita, Um, Dois: A Velha Nova Ordem Unida Política), mas entre conservadores e progressistas, quer sejam estes de esquerda ou de direita. Como alerta Benjamin Wilker, em seu livro 10 livros que todo conservador deve ler: mais quatro imperdíveis e um impostor, há uma diferença crucial entre conservadores e liberais no que tange à vida política e a moral: “Conservadores seguem uma política cautelosa, porque eles acreditam que o homem não é inteiramente maleável; e acreditam que a moralidade é objetiva e coloca limites no que os seres humanos podem e devem fazer” (vimos aqui). Os liberais, de forma contrária, “tendem a acreditar [...] que a moralidade é relativa, e que o homem é maleável e pode ser legitimamente sujeito à manipulação política para promover alguma noção inebriante de bem comum ou agilizar algum projeto ‘progressista’”. Pois bem, dentro dessa completa barafunda que vivemos, proporcionada pelos ditadores progressistas (no nosso caso são os da esquerda), a luz no fim do túnel é justamente o resgate do pensamento conservador, fundada, especialmente, na longa experiência da nossa espécie, e não em abstrações e sonhos idealizados pelos inconsequentes e fanfarrões progressistas.

Dequex Araujo Silva Junior
Doutor em Ciências Sociais
Membro do Instituto Brasileiro de Segurança Pública
Membro fundador do Instituto Antônio Lacerda