Há no imaginário dos intelectuais
de esquerda e dos seus epígonos de que marxismo e nazismo são diametralmente
opostos, onde o primeiro, grosso modo, representa o bem e o segundo o
mal. Nada é mais distante do que isso! Ambos são farinha do mesmo saco. O historiador
inglês Poul Johnson, em sua magistral obra Tempos Modernos: o mundo dos anos
20 aos 80, descreve muito bem a influência de Marx no antissemitismo alemão,
bem como as concordâncias ideológicas entre os líderes comunista, nazista e
fascista. Ou seja, as teorias do ódio, que a intelectualidade esquerdista
insiste em imputar à direita, têm como origem Marx. A
ideia paranoica de imputar todos os males da humanidade a uma determinada classe
ou grupo (no caso do marxismo ortodoxo é a burguesia) impulsionou outras formas
degeneradas de gnose como a de raça, influenciada também, diga-se de passagem,
pelo romantismo de Rousseau, pelo evolucionismo de Darwin e pela teosofia de Helena
Blavatsky (que por sinal é a guru espiritual dos adeptos da Nova Era, do
ecologismo, do feminismo, do satanismo, do globalismo e de uma série de ismo
contrários aos postulados cristãos).
Segundo Johnson, o “antissemitismo
moderno teórico deriva-se do marxismo e abrangia uma seleção (por razões de
conveniência econômica, política e nacional) de uma parte determinada da burguesia
passível de agressão”. Lênin já declarava que não apenas os judeus, mas toda a
burguesia deveria ser responsabilizada pelos males da humanidade. “É
significativo o fato de que todos os regimes marxistas”, diz Johnson, por se
apoiarem em explicações paranoicas do comportamento humano, degenerem mais cedo
ou mais tarde, para o antissemitismo”. Em suma, conclui o historiador, “o novo antissemitismo
era o desvio desastroso do rateio de responsabilidades individuais com relação
à ideia de culpa coletiva”.
A influência do marxismo no antissemitismo
alemão se deu, conforme Johnson, por causa de proeminentes teóricos do racismo
serem também marxistas como, por exemplo, Ludwig Woltmann, “que transformou a
luta de classe marxista numa luta de raça mundial, defendendo o despertar das
massas pela oratória e pela propaganda, a fim de mobilizar os alemães na conquista
necessária para lhes assegurar a sobrevivência e a proliferação como uma raça”.
Ambos os regimes totalitários, o comunismo-marxista
e o nazismo-hitlerista, declaram guerra ao liberalismo e ao capitalismo, sendo
os judeus vistos como representantes dos dois. “O totalitarismo de esquerda
criou”, diz Johnson, “o totalitarismo da direita, o comunismo e o fascismo eram
martelo e bigorna pelos quais o liberalismo foi despedaçado”. Nessa
relação de antecedente e consequente, diz o autor, o leninismo gerou o fascismo
de Mussolini” e o stalinismo “tornou possível o leviatã nazista”.
Essa relação estreita entre comunismo
e nazismo, marxismo e hitlerismo, também foi confirmada por F.A. Hayek, em sua
obra O caminho da servidão: "É sem dúvida verdade que os socialistas alemães
encontraram apoio, no seu país, em certos aspectos da tradição prussiana; e o
parentesco entre prussianismo e socialismo, do qual ambos os lados se
glorificam na Alemanha, fortalece nosso principal argumento. Mas seria um erro
acreditar que foi o elemento especificamente alemão, e não o elemento socialista,
que produziu o totalitarismo. Era com efeito, a preponderância das ideias
socialistas, e não o prussianismo, que a Alemanha tinha em comum com a Itália e
a Rússia – e foi das massas e não das classes imbuídas da tradição prussiana, e
auxiliado pelas massas, que surgiu o nacional-socialismo”.
Em outro trecho da mesma obra, Hayek, ao tratar dos antecedentes marxistas vistos no fascismo e nacional-socialismo, cita alguns observadores proeminentes do período como W.H Chamberlin, Walter
Lippmann e Peter Drucker. Este, por exemplo, declara que o “fascismo é o
estágio atingindo depois que o comunismo se revela uma ilusão, conforme aconteceu
tanto na Rússia stalinista como na Alemanha pré-hitlerista”.
Hitler considerava-se um
socialista “e a essência de seu socialismo”, diz Johnson, “estava na ideia de
que todo o indivíduo ou grupo deveria trabalhar, sem hesitação, para a política
nacional”, não importando “quem fosse o verdadeiro proprietário de uma fábrica,
desde que aqueles que a gerenciavam obedecessem [ao führer]”. Hitler
declarou a Hermann Rauchsning (um amigo intelectual revolucionário) que o seu
socialismo não estava baseado em nacionalização: “Nosso socialismo atinge camadas
muito mais profundas. Não muda a ordem externa das coisas, ordena apenas a relação
do homem com o Estado...De que serviriam renda e propriedade? Por que precisaríamos
socializar os bancos e as fábricas? Nós estamos socializando o povo”.
Me perece que os socialistas atuais, ou seja, os marxistas heréticos estão
adotando a versão hitlerista de socialismo (criar um senso comum socialistas,
tal como propôs Gramsci).
Johnson declara que um “dos
aspectos mais perturbadores do socialismo totalitário, seja leninista ou
hitlerista (e ambos os regimes políticos agiam tanto como movimentos em busca
do poder quanto como regimes que já o desfrutavam), era a maneira pela qual
esses regimes eram movidos: guiavam-se pela Lei de Gresham (no campo econômico
significa que uma moeda má tende a expulsar do mercado a moeda boa) aplicada ao
campo da moralidade política. Assim, o medo afastou-se dos instintos
humanitários e um perverteu o outro, levando-se mutuamente para as profundezas do
mal”.
Hitler, seguindo o que aprendeu
com Lênin e Stálin, criou, diz Johnson, “um regime de terror em larga escala”,
concentrando, assim como Lênin, “o poder na sua vontade”. Hitler também “era um
gnóstico e, assim como Lênin, achava que sozinho era o autêntico intérprete da
história como a personificação do determinismo proletário”. Ele também, assim
como o líder comunista, “só confiava em si mesmo como expoente da vontade da
raça do povo alemão”.
Hitler importou o sistema de
campo de concentração dos russos. “Os campos soviéticos”, diz Johnson, “constituíam
uma série de ilhas territoriais substanciais dentro da União Soviética,
cobrindo muitos milhares de milhas quadradas”. Mais tarde, alguns sobreviventes
e testemunhas disseram que nos campos soviéticos “bastavam vinte a trinta dias
para transformar um homem saudável numa ruína física; e alguns atestavam que
essas condições eram planejadas deliberadamente, a fim de se conseguir uma alta
de mortalidade. Espancamentos brutais eram administrados pelos guardas e também
por criminosos profissionais, a quem eram dadas tarefas de supervisão sobre as
massas de ‘politizados’ – tudo isso era imitado pelos nazistas” (Sobre
a rotina nos campos de concentração stalinista sugiro a leitura dos Contos
de Kolimá (seis volumes), de Varlam Chamálov, que sobreviveu como preso
político por quase vinte anos. No volume 4, intitulado Ensaios sobre o mundo
do crime, ele descreve a participação dos criminosos profissionais (Blateres)
não só na administração do campo, mas na própria cultura do local tal como ocorre
nos nossos presídios com as facções criminosas).
O índice de mortalidade nos
campos de concentração soviéticos, segundo Jonhson, “atingiu um nível quase
inimaginável pelo homem civilizado”. O “total de mortes causadas
pela política de Stálin situa-se perto dos dez milhões”. Essa “escala de atrocidades
em massa cometidos por Stálin encorajou Hitler, em seus esquemas de guerra, a
mudar toda a demografia da Europa Oriental”. Nesse processo de engenharia social,
“a ‘solução final’ de Hitler para os judeus teve suas origens não só em sua
mente febril [eu diria psicopata], mas também na coletivização do campesinato
soviético”.
Diante do exposto, uma pergunta
sempre vem a minha mente quando vejo a comparação entre o número de mortos
provocado pelos regimes comunista e nazista dentro e fora dos campos de concentração:
Por que somente os nazistas foram julgados e punidos pelos seus atos de antissemitismo
já que os comunistas cometeram os mesmos crimes?
Essa façanha não só foi fruto de
um grande trabalho de desinformação, mas também de um mascaramento por parte da
elite intelectual. Os intelectuais que apoiaram o nazismo em seus estágios iniciais
(intelectuais estes chamados por Eric Voegelin, em sua obra Hitler e os alemães,
de intelectuais de ralé ou de iletrados espirituais) não tiveram muita dificuldade
em mudar de lado e apoiar sua coirmã totalitária. A justificativa da mudança
foi o argumento do mal menor. Conforme Johnson, os intelectuais “encaravam o
nazismo como um perigo muito maior, tanto para o seu próprio sistema como para
todas as formas de liberdade”. Eles “acreditavam que o fascismo provavelmente
se transformaria no sistema de governo predominante na Europa e talvez do mundo
todo” e que “a União Soviética parecia ser a única grande potência totalmente
antagônica ao fascismo, pronta a ir à luta se necessário”. Assim, “muitos
desses intelectuais de esquerda estavam não só preparados para defender as
aparentes virtudes do regime de Stálin como também para justificar sua crueldade
manifesta”.
Hayek, em obra citada, ressalta
também a adesão de muitos intelectuais de esquerda ao nazismo e ao fascismo, mostrando
o alinhamento entre as duas ideologias: “Todos os que têm observado a evolução
desses movimentos na Itália ou na Alemanha surpreenderam-se com o número de
líderes, começando por Mussolini (sem excluir Laval e Quisling), que a
princípio foram socialistas e acabaram se tornando fascistas ou nazistas”. Assim como os líderes, houve esse mesmo intercambio entre os liderados: “A
relativa facilidade com que um jovem comunista podia converter-se em nazista ou
vice-versa era notória na Alemanha, sobretudo para os propagandistas dos dois
partidos. Na década de 1930, muitos professores universitários conheceram
estudantes ingleses e norte-americanos que, regressando do continente europeu,
não sabiam ao certo se eram comunistas ou nazistas – sabiam apenas que
detestavam a civilização liberal do Ocidente”.
Conforme Johson, “os intelectuais
ocidentais sabiam o suficiente sobre a inclemência soviética, daí terem que
adotar outros critérios para defendê-la. Lincoln Steffens, por exemplo, deu o
tom: ‘A traição ao czar não era um pecado, a traição ao comunismo é”. [Bernard]
Shaw argumentou: ‘Não podemos nos dar ao luxo de posar com ares de moralistas,
quando o nosso vizinho mais empreendido... humana e judiciosamente liquida um
punhado de exploradores e especuladores para tornar o mundo seguro para os
homens de bem’. André Malraux argumentou: ‘Assim como a Inquisição não afetou a
dignidade fundamental do cristianismo, também os julgamentos de Moscou não diminuíram
a dignidade fundamental do comunismo’. Muitos intelectuais, inclusive aqueles
que sabiam o que a justiça totalitária significava, defenderam os julgamentos”. Inclusive, a KGB “fazia uso frequente dos panfletos pró-Stálin
escritos por intelectuais ocidentais, com o objetivo de quebrar a resistência
de seus prisioneiros”.
Essa defesa do regime de Stálin
por parte dos intelectuais ocidentais, prossegue Johnson, “os envolveu num
processo de autocorrupção; transferiu para eles e, consequentemente, para seus
países, ajudados pelos seus escritos, parte da decadência moral inerente ao próprio
totalitarismo; em especial, sua negação da responsabilidade individual, seja
para o bem, seja para o mal”.
Julien Benda, em sua obra A
traição dos intelectuais, faz referência também à adesão dos intelectuais
aos regimes totalitários, especialmente ao comunista, declarando que ao aderir
a ideologia comunista (e o materialismo dialético) os intelectuais traíram o seu
verdadeiro ofício. Essa traição “consiste em que, ao adotarem um sistema
político voltado a um objetivo prático, eles são obrigados a adotar valores práticos,
os quais, por essa razão, não são intelectuais. O único sistema político que o
intelectual pode adotar, permanecendo fiel a si mesmo, é a democracia, porque,
com seus valores soberanos de liberdade individual, de justiça e de verdade,
ela não é prática”. Em outro trecho conclui: “O intelectual traiu
vergonhosamente seu dever quando, no momento dos fascismos triunfantes, aceitou
o injusto porque era ‘um fato’; mais, fez-se caudatário das filosofias que mais
desprezam a idealidade e o proclamou exatamente porque ele encarnava o que naquele
instante era ‘a vontade da história’. A lei do intelectual, quando o universo
inteiro ajoelha-se diante do injusto transformado em senhor do mundo, é
permanecer de pé e opor-lhe a consciência humana”.
De tudo aqui exposto (utilizei apenas algumas referências) já possibilita verificar que as diferenças entre nazismo, comunismo e fascismo são ínfimas pois todos eles têm em sua essência o marxismo como teoria e cosmovisão norteadoras. Ao não associarem marxismo e nazismo, mais do que isso, ao qualificarem o primeiro como benéfico (pois substituiria o reino da necessidade pelo reino da liberdade e da justiça, conforme sua gnose) e o segundo como maligno, os intelectuais de esquerda permitiram a continuidade do projeto totalitário por todo mundo através do comunismo, especialmente o chines, que adota a estratégia do soft power (poder brando) para implanta suave e disfarçadamente sua revolução cultural marxista (para um melhor entendimento dessa estratégia sugiro o livro Cooperação e conflito nas relações internacionais, de Joseph S. Nye Jr).
Aqueles
que adotaram o argumento do mal menor (não sei de onde eles tiraram essa ideia
insana de que o comunismo é menos maléfico que o nazismo) não me parece que se
arrependeram pela culpa da proliferação do totalitarismo marxista em tempos
atuais, especialmente os intelectuais marxistas da América Latina, integrantes
ou não do Foro de São Paulo, integrantes ou simpatizantes dos partidos de esquerda.
Provavelmente deve ter ocorrido o que Hannah Arendt disse em seu livro Reponsabilidade
e Julgamento: “aqueles que escolhem o mal menor [como argumento] esquecem
muito rapidamente que escolhem o mal”.