A partir de uma leitura do livro de Hannah Arendt, Entre o passado e o futuro, me pus a refletir sobre a condição de humanidade do homem dentro do atual memento histórico, pois, me parece, que a noção de humanidade desse ente tido como racional carece de uma melhor compreensão hoje. A preocupação com a definição da condição humana do homem data dos primórdios da filosofia, onde a definição mais comum entre os pensadores clássicos é o de animal rationale. Entretanto, no seio da modernidade, essa concepção foi relativizada por três grandes pensadores modernos. Max, Kierkegaard e Nietzsche definiram a condição humana, respectivamente, a partir da sua: força ativa e produtiva; concretude e sofrimento; e, vontade e vontade de poder.
Percebo que em tempos atuais e sombrios tais reflexões estão adormecidas e muitos deixaram de se inclinar para o fato ou para a natureza definidora do homem e de sua condição humana. Não se tem a pretensão aqui de estabelecer uma nova definição de homem e de sua condição humana, mas de regatar um pressuposto que entendo como básico para definir o homem como ser racional, a saber, a sua capacidade de pensar, discusar e agir a partir de princípios moralmente aceitos. É na esteira desse pressuposto que se pode afirmar que toda a conduta humana está sujeita a julgamentos morais e legais. Mas só o homem pode julgar tal conduta (sua e de outrem). Com isso, é a nossa capacidade de julgar (atributo da razão) que nos torna essencialmente humanos, pois no reino natural só o homem julga, só o homem tem a capacidade de distinguir o certo do errado, só o homem tem a capacidade de julgar o outro e a si próprio.
A partir desse pressuposto me vem as seguintes questões: será que pessoas que deixam de exercitar a capacidade de pensar, discusar e agir a partir de princípios moralmente aceitos, o fazem por que deixaram de ser julgadas por tais atos? Se determinadas pessoas perdem tal atributo racional de pensar, discusar e agir eticamente, poderíamos considerá-las como humanas? E as pessoas que também perderam a capacidade de julgar, poderíamos considerá-las como humanas?
Para a primeira questão, entendo que as pessoas que perderam a capacidade de pensar, discursar e agir eticamente, as perderam porque suas condutas não são julgadas devidamente e, por conseguinte, não são repreendidas (moralmente ou legalmente) proporcionalmente por elas. Para a segunda questão, entendo que as pessoas que deixam de pensar, discursar e agir de forma ética não perdem a sua condição de humano, mas adquire o designativo de malfeitor e assim devem ser tratadas. Para a terceira questão, entendo que as pessoas que perderam a capacidade de julgar se enquadram na categoria de desumanos, pois não só deixam de exercitar o seu atributo definidor, ou seja, a razão, mas também o sentimento de indignação com o malfeito.
Vou direcionar minha reflexão mais para os que perderam a capacidade de julgar, pois entendo que os malfeitos têm como causa principal a inércia daqueles que deveriam repreender (os impositores morais). Para tanto, vou me apoiar em duas frases. A primeira é uma frase de um poema de David Herbert Lawrence que afirma o seguinte: "Eu nunca vi algo selvagem ter pena de si mesmo, um pássaro cairá morto de um galho sem jamais ter sentido pena de si mesmo!". A segunda frase é do filósofo e jurista Edmund Burke que diz o seguinte: "Para que o mal triunfe, basta que os bons não façam nada!"
Trazendo para a nossa temática, a primeira frase me remete à ausência da faculdade de julgar que é comum aos selvagens, mas que é inerente aos homens que exercem a capacidade de pensar, discursar e agir eticamente, pois são estes que temem o julgamento alheio e se culpam quando se desviam das normas. O sentimento de pena, juntamente com outras formas de sentimento, é um atributo humano. Um ser selvagem não possui a faculdade de julgar, pois não detém o entendimento do que é certo ou errado. Não ter pena de si mesmo e nem de outrem é algo comum aos selvagens, mas não aos homens, pelo menos para aqueles que estão imbuídos da condição humana.
A segunda frase também me remete à faculdade de julgar, pois a omissão dos ditos bons indica às pessoas que eles podem pensar, discusar e agir livremente, sem nenhum temor de represálias, sem nenhum constrangimento moral ou legal. Se as pessoas se calam ante um malfeito, ante uma conduta inadequada, o mal se instalará e os malfeitores proliferarão.
Em Responsabilidade e Julgamento, Arendt discorreu de forma brilhante sobre essa questão da perda da capacidade de julgar, onde tal incapacidade permitiu que atos desumanos promovidos pelo regime nazista fossem vistos como normais. Foi na análise da incapacidade de julgar que Arendt refletiu sobre a natureza do mal e desvelou que o não julgamento de um ato imoral leva os perpetradores a não refletirem sobre sua culpa e, por conseguinte, deixam de se arrepender dos seus feitos maléficos. Ou nas palavras da filosofa, “os maiores malfeitores são aqueles que não se lembram porque nunca pensaram na questão, e sem lembrança, nada consegue detê-los”.
A partir desse pressuposto me vem as seguintes questões: será que pessoas que deixam de exercitar a capacidade de pensar, discusar e agir a partir de princípios moralmente aceitos, o fazem por que deixaram de ser julgadas por tais atos? Se determinadas pessoas perdem tal atributo racional de pensar, discusar e agir eticamente, poderíamos considerá-las como humanas? E as pessoas que também perderam a capacidade de julgar, poderíamos considerá-las como humanas?
Para a primeira questão, entendo que as pessoas que perderam a capacidade de pensar, discursar e agir eticamente, as perderam porque suas condutas não são julgadas devidamente e, por conseguinte, não são repreendidas (moralmente ou legalmente) proporcionalmente por elas. Para a segunda questão, entendo que as pessoas que deixam de pensar, discursar e agir de forma ética não perdem a sua condição de humano, mas adquire o designativo de malfeitor e assim devem ser tratadas. Para a terceira questão, entendo que as pessoas que perderam a capacidade de julgar se enquadram na categoria de desumanos, pois não só deixam de exercitar o seu atributo definidor, ou seja, a razão, mas também o sentimento de indignação com o malfeito.
Vou direcionar minha reflexão mais para os que perderam a capacidade de julgar, pois entendo que os malfeitos têm como causa principal a inércia daqueles que deveriam repreender (os impositores morais). Para tanto, vou me apoiar em duas frases. A primeira é uma frase de um poema de David Herbert Lawrence que afirma o seguinte: "Eu nunca vi algo selvagem ter pena de si mesmo, um pássaro cairá morto de um galho sem jamais ter sentido pena de si mesmo!". A segunda frase é do filósofo e jurista Edmund Burke que diz o seguinte: "Para que o mal triunfe, basta que os bons não façam nada!"
Trazendo para a nossa temática, a primeira frase me remete à ausência da faculdade de julgar que é comum aos selvagens, mas que é inerente aos homens que exercem a capacidade de pensar, discursar e agir eticamente, pois são estes que temem o julgamento alheio e se culpam quando se desviam das normas. O sentimento de pena, juntamente com outras formas de sentimento, é um atributo humano. Um ser selvagem não possui a faculdade de julgar, pois não detém o entendimento do que é certo ou errado. Não ter pena de si mesmo e nem de outrem é algo comum aos selvagens, mas não aos homens, pelo menos para aqueles que estão imbuídos da condição humana.
A segunda frase também me remete à faculdade de julgar, pois a omissão dos ditos bons indica às pessoas que eles podem pensar, discusar e agir livremente, sem nenhum temor de represálias, sem nenhum constrangimento moral ou legal. Se as pessoas se calam ante um malfeito, ante uma conduta inadequada, o mal se instalará e os malfeitores proliferarão.
Em Responsabilidade e Julgamento, Arendt discorreu de forma brilhante sobre essa questão da perda da capacidade de julgar, onde tal incapacidade permitiu que atos desumanos promovidos pelo regime nazista fossem vistos como normais. Foi na análise da incapacidade de julgar que Arendt refletiu sobre a natureza do mal e desvelou que o não julgamento de um ato imoral leva os perpetradores a não refletirem sobre sua culpa e, por conseguinte, deixam de se arrepender dos seus feitos maléficos. Ou nas palavras da filosofa, “os maiores malfeitores são aqueles que não se lembram porque nunca pensaram na questão, e sem lembrança, nada consegue detê-los”.
É essa incapacidade de pensar que difere o homem, como ser meramente biológico, de sua condição humana, que ela define como pessoa. O mal nesse sentido é cometido por um ser humano que se recusa ser uma pessoa. Ou nas palavras dela, o malfeitor é aquele “que se recusa a pensar por si mesmo no que está fazendo e que, em retrospectiva, também se recusa a pensar sobre o que faz, isto é, a voltar e lembrar o que fez”. A partir desta citação pode se inferir duas coisas: a omissão em julgar os malfeitos está suprimindo a capacidade das pessoas de pensar sobre os seus atos e discursos, gerando, assim, uma sociedade de malfeitores; e, a permissividade moral e legal que ora vige contribui para a construção de uma sociedade de "pessoas" desprovidas de sentimento moral, pois elas deixaram de pensar e, por conseguinte, de se arrepender de seus malfeitos, pois não são cobradas por eles.
Arendt considera que a incapacidade de julgar estaria relacionada com o colapso moral próprio do período em análise (no caso dela, o período da ascensão dos regimes totalitários), pois sem referências prescritivas e impositivas não há como se preestabelecer padrões de conduta. Essa assertiva, no meu entender, é verdadeira para as gerações que se desabrocham no meio do caos moral, mas para as gerações mais velhas, onde há referências morais anteriores, essa assertiva é, no mínimo, problemática. A incapacidade de julgar das gerações mais velhas, que tiveram padrões de conduta norteadores, se dá, entendo, ou por uma questão de apatia moral, face ao próprio movimento de mudança, ou por permissividade moral, devido aos interesses escusos que os beneficiam. Seguindo esse raciocínio, infiro que a responsabilidade pelos caos moral ora vigente nas sociedades ditas civilizadas é das gerações mais velhas que perderam a capacidade de julgar, quer por apatia moral, quer por permissividade moral.
No Brasil, por exemplo, vivencia-se hoje mudanças profundas no sistema de valores da sociedade. Tais mudanças não podem ser atribuídas simplesmente aos fatores econômicos, políticos e socioculturais, ou seja, não se pode atribuir todas as modificações às questões objetivas, deixando de lado os aspectos subjetivos que inclinam as pessoas para a aceitação ou não de tais modificações. As mudança no sistema de valores foram assistidas passivamente pelas gerações mais velhas (me refiro às gerações nascidas em meados do século XX), que são responsáveis (ou deveriam ser) em transmitir os valores para as gerações mais novas (me refiro às gerações nascidas a partir da última década do século XX) ou pelo menos parte dos valores que ainda podem ser considerados como bons, como virtuosos. Entretanto, o que se observa é justamente o contrário, uma parte significativa dos valores passou a ser vista como anacrônica, antiquada, arcaica, obsoleta etc. Isso fez com que as gerações mais novas passassem a não ter referenciais morais ou estes se tornaram altamente flexíveis, contribuindo, assim, para a formação de uma nova modalidade de juventude transviada, completamente cética no campo moral. Dentro desse cenário, estamos nos direcionado para um tempo onde a linha divisória entre benfeitoria e malfeitoria torna-se indiscernível, indefinível, onde certo e errado perdem o sentido. Ou seja, caminhamos para a constituição de uma sociedade de selvagens, de desumanos, pois seus integrantes estão perdendo a sua condição humana por perderem a faculdade de julgar justamente porque não estão sendo julgados por aqueles que têm a responsabilidade de orientar, de reprimir e de elogiar quando necessário.
Arendt considera que a incapacidade de julgar estaria relacionada com o colapso moral próprio do período em análise (no caso dela, o período da ascensão dos regimes totalitários), pois sem referências prescritivas e impositivas não há como se preestabelecer padrões de conduta. Essa assertiva, no meu entender, é verdadeira para as gerações que se desabrocham no meio do caos moral, mas para as gerações mais velhas, onde há referências morais anteriores, essa assertiva é, no mínimo, problemática. A incapacidade de julgar das gerações mais velhas, que tiveram padrões de conduta norteadores, se dá, entendo, ou por uma questão de apatia moral, face ao próprio movimento de mudança, ou por permissividade moral, devido aos interesses escusos que os beneficiam. Seguindo esse raciocínio, infiro que a responsabilidade pelos caos moral ora vigente nas sociedades ditas civilizadas é das gerações mais velhas que perderam a capacidade de julgar, quer por apatia moral, quer por permissividade moral.
No Brasil, por exemplo, vivencia-se hoje mudanças profundas no sistema de valores da sociedade. Tais mudanças não podem ser atribuídas simplesmente aos fatores econômicos, políticos e socioculturais, ou seja, não se pode atribuir todas as modificações às questões objetivas, deixando de lado os aspectos subjetivos que inclinam as pessoas para a aceitação ou não de tais modificações. As mudança no sistema de valores foram assistidas passivamente pelas gerações mais velhas (me refiro às gerações nascidas em meados do século XX), que são responsáveis (ou deveriam ser) em transmitir os valores para as gerações mais novas (me refiro às gerações nascidas a partir da última década do século XX) ou pelo menos parte dos valores que ainda podem ser considerados como bons, como virtuosos. Entretanto, o que se observa é justamente o contrário, uma parte significativa dos valores passou a ser vista como anacrônica, antiquada, arcaica, obsoleta etc. Isso fez com que as gerações mais novas passassem a não ter referenciais morais ou estes se tornaram altamente flexíveis, contribuindo, assim, para a formação de uma nova modalidade de juventude transviada, completamente cética no campo moral. Dentro desse cenário, estamos nos direcionado para um tempo onde a linha divisória entre benfeitoria e malfeitoria torna-se indiscernível, indefinível, onde certo e errado perdem o sentido. Ou seja, caminhamos para a constituição de uma sociedade de selvagens, de desumanos, pois seus integrantes estão perdendo a sua condição humana por perderem a faculdade de julgar justamente porque não estão sendo julgados por aqueles que têm a responsabilidade de orientar, de reprimir e de elogiar quando necessário.