terça-feira, 5 de junho de 2018

Os Arquitetos da Nova Ordem Mundial e a Revolução Cultural


No final do artigo anterior afirmei que estávamos vivenciando uma crise provocada por uma revolução de característica cultural em curso e que tem como desígnio a criação de uma Nova Ordem Mundial, que passa a ser delineada a partir dos anos 80 com a desestruturação do bloco soviético, por meio da perestroika, mas que não significou o fim do comunismo, mas o seu recomeço. Creditei aos globalistas o delineamento dessa Nova Ordem Mundial, tendo como testa de ferro a ONU e as demais organizações internacionais de caráter governamental e não governamental. Entretanto, ficou obnubilado quem são os verdadeiros arquitetos dessa Nova Ordem Mundial e da revolução cultural em processo. É sobre esses arquitetos que iremos tratar aqui e qual a finalidade de se estabelecer essa Nova Ordem Mundial centrada num Governo Mundial.

Desde o final do século XVIII que grupos de detentores de grandes fortunas tentam estabelecer um Governo Mundial. Em 1º de maio de 1776 foi criada na Baviera, conforme Gary Allen e Larry Abraham, no livro intitulado Política, Ideologia e Conspiração: a sujeira por trás das ideias que dominam o mundo, a Ordem dos Illuminati, pelo alemão Adam Weishaupt, com a finalidade de controlar o mundo. No final do século XIX e início do século XX novas organizações secretas surgiram com a mesma finalidade, onde se destaca o grupo da Mesa Redonda (Round Table), criado pelo magnata do ouro, o britânico Cecil Rhodes, referendado, inclusive, por Oswald Spengler, em sua magistral obra, A decadência do Ocidente, considerando-o “o primeiro homem de uma nova era”; o representante do “estilo político de um futuro ainda distante, ocidental, germânico e, sobretudo, alemão”; o “precursor de uma espécie de Césares ocidentais, cuja hora ainda não chegou”, achando-se “a meio caminho entre Napoleão e os representantes da força bruta que hão de surgir nos próximos séculos”; sua “posição é a mesma que ocupava, entre Alexandre e César, aquele Flamínio que, em 232 a. C., induzia os romanos a subjugarem os gauleses cisalpinos e, com isso, a iniciarem a sua política de expansão colonial”. Spengler, com a sua genialidade profética, previu, a partir do empreendimento de Rhodes, o surgimento no século XX dos novos imperadores do mundo.



O grupo Mesa Redonda, como forma de ficar no anonimato, criou diversas sucursais espalhadas pelo mundo: o Royal Institute of International Affairs, do Reino Unido, criado em 1919; os Institute of International Affairs do Canadá, da Austrália, da África do Sul, da Índia e da Holanda; e, os Institute of Pacific Relations da China, Rússia e Japão. Entretanto, a mais influente sucursal do grupo Mesa Redonda é o Council on Foreign Relations (Conselho das Relações Exteriores), criada nos Estados Unidos, em 1922. Entre os fundadores do CFR (sigla em inglês) estão, conforme Allen e Abraham, os banqueiros Paul Warburg, Jacob Shiff, Averell Harrimam, Frank Vanderlip, Nelson Aldrich, Barnard Baruch, J.P. Morgan e John D. Rockefeller. O CRE ficou conhecido, segundo os autores, como o “Establishment” e tornou-se o departamento de relações internacionais da família Rockefeller. Foram esses integrantes do CFR que participaram da criação da ONU.

O CFR não é só constituído por grandes banqueiros, há também, relatam Allen e Abraham, seguimentos de grandes corporações como, por exemplo, Standard Oil, IBM, Xerox, Firestone, General Electric; há membros de organizações de esquerda como, por exemplo, Fabian Socialist Americans for Democratic Action, a Socialist League for Industrial Democracy e a United World Federalists; existem também as fundações Rockefeller, Ford e Carnegie, bem como os think tanks Rand Corporation, Hudson Institute, Fund for the Republic e Brookings Institute; encontram-se ainda nesse rol grandes veículos de comunicação como emissoras (National Broadcasting Corporation e Columbia Broadcasting), revistas (Time, Life, Fortune, Look ) e jornais (New York Times, Washington Post, Los Angeles Times). 

Não satisfeitos, os arquitetos da Nova Ordem Mundial criaram outras organizações para implementar secretamente o seu projeto de criação do Governo Mundial. Uma das mais misteriosas é sem dúvida o Clube de Bilderberg, criado em maio de 1954, no Hotel Bilderberg, em Oosterbeek, na Holanda. O Clube foi fundado pelo príncipe Bernhard, da Holanda. Daniel Estulin, em seu livro A verdadeira história do Clube de Bilderberg, descreve os integrantes do Clube como “a elite de todas as nações ocidentais [...], um governo na sombra, que se reúne em segredo, para debater e alcançar um consenso sobre a estratégia global”. Alguns membros do Clube Bilderberg são bastantes conhecidos do mundo da política internacional: Tony Blair, Henry Kissinger, Hillary Clinton, John Kerry, Bill Gates, George Soros, as dinastias Rotheschild e Rockefeller, os presidentes dos Estados Unidos a partir de Eisenhower e membros das famílias reais europeias. Observa-se que alguns membros do Clube também são membros do Conselho das Relações Exteriores como, por exemplo, as dinastias Rotheschild e Rockefeller.

Na sua empreitada para a criação dessa Nova Ordem Mundial, os arquitetos organizaram mais dois grupos, a partir da década de 70, para a instituição do Governo Mundial: a Comissão Trilateral e o Diálogo Interamericano. A Comissão Trilateral (CT) foi fundada pelo banqueiro David Rockerfeller, juntamente com outros membros do Conselho das Relações Exteriores, em 1973. Segundo Sergio Augusto de Avellar Coutinho, em seu livro Cadernos da Liberdade, o intuito da Comissão Trilateral é estabelecer um Governo Mundial, seguindo o propósito dos pensadores fabianos (como veremos mais adiante de maneira detalhada). Para os propósitos da organização se fazia necessário dominar o governo norte-americano, tendo, assim, apoiado as eleições de membros à presidência como, por exemplo, Jimmy Carter (1976) e George Bush (1980 e 1984). Outras personalidades importantes da política norte-americana, conforme o autor, também fazem parte da CT: Henry Kissinger (ex-Secretário de Estado de Richard Nixon), Cyrus Vance (ex-Secretário de Estado de Jimmy Carter), Robert McNamara (ex-Secretário de Defesa de John Kennedy e Lyndon B Johnson), George Schultz (ex-Secretário de Estado de Ronald Reagan) e Howard Baker (ex-Secretário de Estado de Ronald Reagan).
    
O Diálogo Interamericano (DI) é, como alerta Coutinho, um instrumento executivo da Comissão Trilateral para a América Latina. Ele surge em 1982 devido a uma série de problemas na região e que afetavam os interesses dos grupos econômicos internacionais: regimes ditatoriais, movimentos comunistas na América Central, moratória do pagamento da dívida externa do México etc. O Diálogo, que possui inspiração Fabiana, seguindo os ditames da Comissão Trilateral, teve no momento inicial a participação de alguns membros da CT, juntamente com 48 participantes da América Latina, inclusive Fernando Henrique Cardoso.

Esses grupos que até o presente momento estou me referindo, e que defino como arquitetos da Nova Ordem Mundial, são denominados por Allen e Abraham como Adeptos e por Olavo de Carvalho como O Consórcio, sendo este formado, como vimos acima, grosso modo, por grandes banqueiros e capitalistas internacionais, e estão empenhados, conforme Carvalho, no livro Os EUA e a Nova Ordem Mundial: um debate entre Alexandre Dugin e Olavo de Carvalho, “em instaurar uma ditadura mundial socialista”. Esta forma de ditadura socialista é pela via pacífica, onde o Estado deve se esquivar das responsabilidades diretas de um proprietário dos meios de produção, sem, contudo, deixar de subjugar os proprietários legais através de controles fiscais, trabalhistas, sanitários, técnicos etc., até transformar os capitalistas em meros gerentes a serviço do Estado, onde esses arcam inclusive com as responsabilidades legais que o Estado renuncia. Nesse sentido, o socialismo passa a ser visto como um processo e não como um regime, não cabendo concebê-lo como proprietário dos meios de produção; tornando-se uma aliança entre o governo e o capital, através de um processo de centralização do poder econômico, favorecendo, assim, os sócios, quer os políticos de esquerda, quer a elite financeira. Simplificando: o modelo socialista adotado pelos arquitetos da Nova Ordem Mundial é, conforme Allen e Abraham, “um método de consolidação e controle de riqueza” e não “um programa de distribuição de renda”; “não é um movimento das massas oprimidas, mas da elite econômica”.

Há outros dois agentes, citados por Carvalho, que também possuem projetos de dominação global: as elites governantes da Rússia e da China e a Fraternidade Islâmica. Os agentes russo-chineses são oriundos da Nomenklatura comunista, composta por burocratas, agentes dos serviços secretos e militares, onde o seu “projeto globalista corresponde simetricamente aos interesses nacionais e os agentes principais são os respectivos Estados e governos”. O projeto globalista islâmico busca atender aos interesses dos Estados muçulmanos em prol da criação do Califado Universal, fundado em mandamentos canônicos. Não obstante a existência desses dois projetos globalistas, a Nova Ordem Mundial é produto dos arquitetos socialistas fabianos, que estão longe de serem inimigos dos Russos, Chineses e Islâmicos, como alerta Carvalho, pois necessitam deles para destruírem a soberania, o poder militar e a economia, principalmente dos Estados Unidos, que se constituem numa pedra no sapato dos propósitos globalistas dos três agentes.

Para nos aprofundarmos mais um pouco nos propósitos dos arquitetos da Nova Ordem Mundial, o livro A Conspiração Aberta: Diagramas para uma revolução mundial, do socialista fabiano britânico Herbert George Wells, publicado pela primeira vez em 1928, merece destaque. O próprio subtítulo já indica que o meio para alcançar o tão almejado Governo Mundial será a revolução. Mas essa revolução não será pela via da violência armada, mas por meio da persuasão, da lavagem cerebral, da dissonância cognitiva, ou seja, por meio de técnicas de manipulação psicológica. A Conspiração Aberta é um sistema de ideias que se baseia numa “síntese das realizações históricas, biológicas e sociológicas”, onde para o seu pleno sucesso, as informações oriundas dessas realizações em desenvolvimento devem ser incorporada à educação: “em todos os lugares os Conspiradores Abertos devem de organizar para uma reforma educacional”.



Os Conspiradores Abertos devem, conforme Wells, direcionar suas energias para a construção de um novo mundo que seja política, social e economicamente unificado objetivando a criação de um bem público mundial, a criação de um “César mundial”. Nessa nova configuração, os Estados nacionais deverão ser suprimidos, bem como tudo que representa ele: “Bandeiras, uniformes, hinos nacionais, patriotismo cultivado na igreja e na escola, a fanfarronice, exaltação e vociferação de nossas soberanias em disputa, tudo isso pertence à fase de desenvolvimento que a Conspiração Aberta suplantará”. Além da dissolução dos Estados nacionais, é sugerido por Wells para alcançar o Governo Mundial o seguinte:

a)  o controle do crescimento populacional, onde “a comunidade mundial dos nossos sonhos, a comunidade mundial organizada que conduzia e asseguraria seu próprio progresso, requer um controle populacional coletivo e deliberado como condição primordial”, voltando-se “à biologia como guia para a regulação da quantidade de população humana no mundo, bem como de sua distribuição controlada, e julga todos os aspectos subsidiários da propriedade segundo o critério da produção e distribuição mais eficientes em relação às indicações assim obtidas”;

b)  a classificação do oceano, do ar e dos animais selvagens em patrimônio coletivo, onde os Estados deverão perder o monopólio sobre seus territórios, ou seja, “ao estipularmos a substituição da propriedade individual privada por formas mais altamente organizadas de propriedade coletiva, sujeitas à crítica livre e responsáveis por toda a sociedade humana, pelo controle geral do mar e da terra, pela obtenção, preparação e distribuição de produtos essenciais e também transporte, teremos na verdade indicado todas as generalizações possíveis da propriedade coletiva que os contemporâneos mais socialistas estarão dispostos a exigir”;

c)  a administração do Governo Mundial pelos grandes industriais e banqueiros, mas não descartando a participação de outros grupos sociais comprometidos com o projeto: “a Conspiração Aberta deve ser heterogênea em sua origem. Seus agrupamentos e associações iniciais não terão um padrão uniforme. Eles serão de tamanhos, idades, experiências sociais e influências diferentes. Suas atividades particulares serão determinadas pelas coisas. Suas qualidades e influências diversas se expressarão por tentativas diferentes em cada organização, cada uma eficaz em sua própria esfera”;

d)  a ruptura com as tradições e os valores morais conservadores para que as rodas do progresso se movimentem sem qualquer tipo de obstáculo, ou seja, “Quanto mais finas e pitorescas essas lealdades obsoletas, esses padrões de honra antigos e essas associações religiosas ultrapassadas parecem para nós, mais minuciosamente devemos buscar a libertação de nossas mentes e das mentes daqueles ao nosso redor, extirpando também todo pensamento de retorno”;

e)   a eliminação das guerras e o estabelecimento da paz por meio da desmilitarização,do desarmamento e do cosmopolitismo: “Você não pode esperar uma união mundial de soldados ou diplomatas. Sua existência e natureza depende da ideia de que a separação nacional é real e incurável, e de que a guerra, no longo prazo, é inevitável. Suas concepções de lealdade envolvem um antagonismo a todos os estrangeiros, mesmo os estrangeiros de tipo exatamente igual ao seu, e criam uma campanha contínua de aborrecimentos, suspeitas e precauções – justamente com a propaganda geral, que afeta todas as outras classes, da necessidade de um antagonismo internacional – que arrastam-se persistentemente em direção à guerra”;

f)   a reforma da educação para a libertação dos valores impostos pela religião e família considerados como conservadores e reacionários, onde as “Escolas bem-sucedidas se tornariam laboratórios de métodos educacionais e de padrões para a novas escolas públicas” e as “crianças aprenderão a falar, desenhar, pensar e calcular de forma lúcida e sutil, e suas mentes vigorosas receberão conceitos amplos de história, biologia e progresso mecânico, as bases do novo mundo, natural e facilmente”. 
   


Na contemporaneidade pós Guerra Fria podemos observar que todas as sugestões ou prescrições contidas na obra de Wells estão sendo seguidas pelos arquitetos da Nova Ordem Mundial. Para o controle do crescimento populacional há um movimento demográfico malthusiano em curso, capitaneada pelas organizações internacionais comandadas pelos socialistas fabianos, especialmente pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Não é por acaso que os socialistas fabianos defendem o aborto e os relacionamentos homoafetivos como forma de controle da natalidade. Na obra do britânico Aldous Huxley, Admirável mundo novo, – cujos personagens possuem em sua maioria sobrenomes de pessoas conhecidas do mundo acadêmico e do mundo do grande capital financeiro como, por exemplo, dos pais fundadores do marxismo (Bernard Marx e Sarojini Engels), de marxistas (Pollly Trotsky), dos arquitetos da nova ordem mundial (Henry Ford e Morgana Rothschild) e do já conhecido escritor romancista (H. G. Wells) – apresenta com interessante nitidez o protótipo do Estado Mundial malthusiano e de extrema lascívia e desapego às questões morais, religiosas e familiares, onde a prática do aborto é incentivada e as crianças são criadas em laboratórios e condicionadas por meio de manipulações psicológicas. No próprio prefácio do livro, Huxley afirma que “À medida que diminui a liberdade política e econômica, a liberdade sexual tende a aumentar como compensação. E o ditador (a não ser que precise de massa de manobra e de famílias para colonizar territórios despovoados ou conquistados) agirá prudentemente estimulando essa liberdade”.
     

A questão ambiental foi transformada pelos socialistas fabianos em problema global. Eles são citados diversas vezes por Pascal Bernardin, em seu livro O Império Ecológico ou A subversão da ecologia pelo globalismo, onde o Conselho das Relações Exteriores, a Comissão Trilateral e o Clube de Roma (outra grupo criado pelos arquitetos da Nova Ordem Mundial em 1968, cujos membros principais são grandes simpatizantes do comunismo) ditam as regras, por meio das organizações internacionais, para interferir nas questões ambientais dos territórios dos Estados nacionais, limitando, assim, as soberanias. Em um relatório intitulado Para além da interdependência, a Comissão Trilateral, conforme Bernardin, diz que “o mundo atualmente passou da interdependência econômica para a interdependência ecológica” e propõem “que as ameaças ecológicas substitua a crença de um conflito nuclear na psicologia coletiva”. Ou seja, o que os arquitetos da Nova Ordem Mundial querem é encontrar inimigos fictícios comuns para justificar o controle sobre os grupos considerados por eles como perigosos, mais especificamente os Estados que se contrapõem às intervenções dos globalistas não aderindo aos regimes internacionais.

A administração do Governo Mundial já foi sobejamente tratada acima, onde as grandes dinastias do mundo tornaram-se dirigentes, tendo como instrumentos de condução e de indução dos seus planos as organizações governamentais e não-governamentais internacionais. A forma de administração é pela via da governança global, que, segundo Bernardin, na obra acima citada, “a dinâmica mundialista converge para a instauração de um sistema de governo global, prelúdio de um governo mundial”, onde o sistema de governança global deve ser instalado, conforme os arquitetos, de forma gradual, pois há uma tendência dos governos em resistir o compartilhamento da soberania nacional, mas que é fundamental ao pleno funcionamento das regras e das instituições multilaterais.

A ruptura com as tradições e os valores morais conservadores está presente no novo senso comum criado pela revolução cultural gramsciana apoiada pelos arquitetos, substancializada pelos mandamentos de Herbert Marcuse, em seu livro Eros e Civilização, que busca dilacerar a família monogâmica e patriarcal (presente também na obra de ficção de Huxley) incentivando as novas gerações a adotarem o “principio de realidade não-repressivo” associada à “abolição da mais-repressão requerida pelo princípio de desempenho”, promovendo a ressexualização do corpo para a ampliação da extensão das relações libidinosas. Há nesse sentido o que Olavo de Carvalho, em sua obra Jardim das Aflições, denominou de embotamento da instituição moral, onde as massas passam a cultuar o “triângulo áureo sexo-dinheiro-fama”, que se constitui “senão num sistema de racionalização que transformará esses três desejos em hipóteses de valores morais universais e em fundamentos máximos de toda a conduta eticamente válida. Completa-se assim a inversão: as paixões mais baixas e vulgares erguem-se ao estatuto de mandamentos divinos, cuja violação sujeita o homem a padecimentos interiores, quando não à execração pública ou a penalidades legais”. Isto é, vivenciamos na contemporaneidade, sob a égide das organizações internacionais, o que Mario Ferreira dos Santos chamou de a “inversão vertical dos bárbaros” em sua obra de mesmo título, onde não só os valores superiores são substituídos pelos valores inferiores, mas estes passam a ser exaltados e aqueles execrados.

   

Com a queda do Muro de Berlim e o fim da divisão bipolar, que dividia o mundo em bloco Ocidental, liderado pelos Estados Unidos, e bloco Oriental, liderado pela União Soviética, os arquitetos da Nova Ordem Mundial buscam, dentro de uma realidade internacional pretensamente multipolar, encontrar uma forma de apresentar um “Ente imanente supranacional” que possa fazer o papel de arbitro, legislador e polícia do mundo. Este Ente é a ONU. Mas para justificar a sua existência foi necessário incutir na mente dos governantes dos Estados nacionais e nos demais atores das relações internacionais que, apesar da improbabilidade de novas guerras regulares, o mundo não está livre das ameaças comuns e que, por tanto, há a necessidade de uma entidade que garanta essa segurança e paz mundial, já que os Estados, dentro da realidade pós-westfaliana e global, tornaram-se, segundo eles, incompetentes para prover a segurança internacional e a própria segurança nacional. É a partir dessa nova forma de descrever, explicar e administrar o novo contexto mundial que se constituiu o que Michael Hardt e Antonio Negri chamaram de um novo conceito de “Império”. Esse novo conceito de “Império”, estabelecido na obra Império, “caracteriza-se fundamentalmente pela ausência de fronteiras: o poder exercido pelo Império não tem limites [...]; o conceito de Império postula um regime que efetivamente abrange a totalidade do espaço, ou que de fato governa todo o mundo ‘civilizado’”; ele “é apresentado como um concerto global, sob a direção de um único maestro, um poder unitário que mantém a paz social e produz suas verdades éticas”. Esse novo paradigma “é definido pelo declínio definitivo dos Estados-nação soberanos, pela desregulamentação dos mercados internacionais, pelo fim do conflito antagônico entre entidades independentes, e assim por diante”. Este novo o Império “é formado não com base na força, mas com base na capacidade de mostrar a força como algo a serviço do direito e da paz”; e, que por meio do direito de polícia e do direito de intervenção, todas as intervenções imperiais tornam-se intervenções policiais para administrar e controlar riscos e perigos que ameaçam a paz mundial como, por exemplo, os problemas globais. Esse conceito de Império “se apresenta, em seu modo de governo, não como um momento transitório no desenrolar da História, mas como um regime sem fronteiras temporais, e, nesse sentido, fora da História ou no fim da História”; ele “não só administra um território com sua população mas também cria o próprio mundo que ele habita”; o Império não “apenas regula as interações humanas como procura reger diretamente a natureza humana”, tendo, assim, como objetivo de governo “a vida social como um todo, e assim o Império se apresenta como uma forma paradigmática de biopoder”; por fim, “apesar de a prática do Império banhar-se continuamente em sangue, o conceito de Império é sempre dedicado à paz – uma paz perpétua e universal fora da História”. Eis aí um conceito bastante apropriado para expressar a essência do poder requerido pelos arquitetos da Nova Ordem Mundial.

No que tange, por fim, a prescrição feita por Wells para a reforma da educação no sentido de libertar as pessoas dos valores impostos pela religião e família, considerados como conservadores e reacionários, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) vem promovendo, desde os anos 60, não uma reforma, mas uma verdadeira revolução na área da educação e, por conseguinte, na área da cultura. Essa revolução é denunciada por Pascal Bernardin em seu livro Maquiavel pedagogo ou o ministério da reforma psicológica, onde afirma que essa organização internacional vem adotando técnicas de manipulação psicológica (engajamento, dissonância cognitiva, dinâmica de grupo, dramatização etc.) para modificar atitudes sociais em escala global, através dos processos educacionais. Essa revolução pedagógica visa “substituir os ensinamentos clássicos e cognitivos por um ensino ‘multidimensional e não cognitivo’ que toque em todos os componentes da personalidade: ético, afetivo, social, cívico, político, estético, psicológico”. Ou seja, a nova pedagogia deve “esvaziar os ensinamentos de seus conteúdos (cognitivos) para substituí-los por um doutrinamento criptocomunista e globalista, que vise modificar os valores, as atitudes e os comportamentos”, sendo a descentralização “o instrumento pela qual isso é alcançado, criando-se uma dinâmica de grupo em escala escolar e comunal, utilizando-se da psicologia do engajamento e das técnicas de manipulação clássicas”. 

Cada item tratado nos seis parágrafos acima daria para desenvolver um estudo descritivo, explicativo ou compreensivo específico bem fundamentado e aprofundado, a partir dos referenciais teóricos apresentados e muitos outros tantos que tratam sobre as temáticas, mas o escopo do nosso texto é apenas tratá-los de forma resumida, mas que possibilite desvelar a problemática em torno da engenharia social ora delineada pelos arquitetos da Nova Ordem Mundial para o estabelecimento de um governo totalitarista de esquerda (ou “totalitarista igualitarista”) em âmbito global. A Conspiração Aberta não é uma ficção ou uma teoria da conspiração como pregam os marxistas e os socialistas fabianos, mas uma realidade em plena vigência, onde os resultados já são percebidos de forma límpida no cotidiano das casas, escolas, templos, ruas etc. Cabe-nos resistir ou aceitarmos passivamente, arcando, assim, com as consequências nefastas de tal revolução cultural.            

Dequex Araujo Silva Junior
Doutor em Ciências Sociais
Membro do Instituto Brasileiro de Segurança Pública
Membro fundador do Instituto Antônio Lacerda

sexta-feira, 30 de março de 2018

O Que é a Nova Ordem Mundial e Qual o seu Sentido?


No artigo introdutório publicado anteriormente afirmei que está em processo de construção uma Nova Ordem Mundial e que esse processo já estava engendrando uma crise nas instituições modernas, especialmente aquelas mais destinadas ao controle social, quer formal, como o Estado, quer informal, como a família, escola e religião. Chamo de instituições modernas aquelas criadas pelas três revoluções liberais do século XVIII: revolução industrial, revolução francesa e revolução científica Iluminista. Todas as três revoluções modificaram as estruturas das instituições sociais existentes no período medieval, bem como criaram novas instituições, como o próprio Estado nacional e todos os seus dispositivos de segurança e controle (polícia, prisão, tribunais etc.). Pois bem, todas essas instituições entraram em crise com o advento dessa nova estrutura de poder que vem sendo implantada pelos arquitetos dessa Nova Ordem Mundial. 

Quando falo de crise estou tomando de empréstimo a definição dada pelo magistral filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos (que infelizmente a maioria dos filósofos e alunos de filosofia da nossa medíocre educação não conhece), em sua não menos conspícua obra Filosofia da Crise, cujo significado, originário do grego (crisis), é separação, abismo, mas também significa juízo, decisão etc. Tomar-se-á aqui no sentido de separação e abismo! Conforme Santos, “Na crisis, há uma separação, e separar é abrir distância entre pares; ela separa”. Desta forma, “no conceito de crisis, temos sempre um ‘afastar’ das coisas, um ato de ‘distanciá-las’ uma das outras”. O resultado da crisis, da diastema (distância, em grego) é a insatisfação, o desespero, a insegurança. Partido dessa definição, entendo que a crisis instalada no seio da sociedade vigente está relacionada à separação entre as estruturas ôntica (existência) e ontológica (essência) do ser-indivíduo-homem (fatores intrínsecos), cujas consciências e hábitos estão ainda atreladas ao modo de vida moderno, e a nova estrutura sociocultural que está sendo imposta através do projeto revolucionário criado pelos arquitetos da Nova Ordem Mundial (fatores extrínsecos). 
       
Esse texto é o primeiro de uma série que visa discutir a temática da chamada Nova Ordem Mundial, que foi proclamada pela vez primeira pelo então presidente dos Estados Unidos George W. Bush, no final da década de 80, conforme cita Pascal Bernardin em seu elucidativo livro O império ecológico ou A subversão da ecologia pelo globalismo. Essa Nova Ordem Mundial visa implantar, conforme o filósofo francês, um sistema de governança global sob o auspício da ONU. Desde o início da década de 90 que a ONU, juntamente com os arquitetos da Nova Ordem Mundial, dissemina uma série de documentos e conferências para divulgar as “boas intenções” do novo empreendimento global, onde a unidade da consciência humana é a tônica. Um dos carros-chefes dessa nova ordem é o discurso ecológico, que já na conferência intitulada Agenda 21, ocorrida no Rio de Janeiro, a Assembleia Geral da ONU passou a fornecer orientações aos governos nacionais “com vistas à promoção de um desenvolvimento durável e ecologicamente racional em todos os países, e que a promoção do crescimento econômico nos países em desenvolvimento exercia um papel essencial na solução dos problemas ligados à degradação do meio ambiente”. Com isso, a questão ecológica torna-se um problema global, problema este que é considerado pelos arquitetos da Nova Ordem Mundial ou globalistas como insolúveis em escala nacional, requerendo, dessa forma, uma colaboração internacional.

Sob a rubrica dos chamados “problemas globais”, o real objetivo dos globalistas é, conforme Bernardin, “encontrar, ampliar ou inventar problemas globais que justifiquem sua existência e a expansão de seu poder. O efeito estufa é um dos problemas considerados, mas existem muitos outros: o terrorismo, a lavagem de dinheiro, o desarmamento, o tráfico de drogas, a superpopulação, a distribuição das águas, diversas questões ecológicas, o comércio internacional etc.”. Ou seja, reafirma Bernardin, o objetivo dos globalistas “é alcançar uma dominação completa do planeta em todos os domínios: financeiro, econômico, comercial, jurídico, fiscal etc.”. É justamente através dos chamados problemas globais que os globalistas buscam criar “uma base de cooperação, de consenso, sobre a qual as organizações internacionais e revolucionárias [...] apoiam-se para estender infinitamente o poder”.

É importante ressaltar na citação de Bernardin a expressão “revolucionária”, pois há no projeto da Nova Ordem Mundial um componente ideológico inspirado na proposta revolucionária de Antonio Gramsci, marxista italiano, que vai num sentido diametralmente oposto aos marxistas clássicos, onde o alvo da transformação não é a estrutura, ou seja, a economia de forma imediata, mas as instituições que compõem a superestrutura ideológica da sociedade. Essa proposta revolucionária encontra-se também na perestroika de Gorbatchev, que é um projeto não só de inspiração leninista, mas também gramsciana, que cita a questão dos problemas globais como um ponto crucial para o destino da humanidade, referindo-se à preservação da natureza, à condição crítica do meio ambiente, à atmosfera e aos oceanos etc. Isso significa que os arquitetos da Nova Ordem Mundial estão alinhados com o projeto de expansão do Comunismo no âmbito global a partir de uma concepção holística, coletivista e totalitária que já se encontrava na perestroika e que está sendo reproduzida através dos documentos produzidos pela ONU e dos discursos dos globalistas.

A questão ecológica forma então, conforme Bernardin, o esqueleto das revoluções ideológica, religiosa, ética e cultural propostas pelos globalistas e por Gorbatchev (e sua perestroika) cujas bases estão no gramscismo. Bernardin cita um pequeno livro de Gorbatchev, intitulada Em busca de um novo começo, onde propôs a criação de uma nova civilização: “Nós precisamos de um novo paradigma que nos conduzirá à realidade, então reconheceremos que a humanidade é apenas um elemento da natureza”, ou seja, “A humanidade é uma parte da biosfera, ela e a biosfera formam uma unidade”. Desta forma, diz Gorbatchev, “a nova civilização se apoiará, portanto, em valores comuns a toda humanidade, valores sobretudo ecológicos”. No mesmo texto ele fala da “ecologização” da política, afirmando a prioridade dos valores comuns à humanidade, onde esta deverá retornar à consciência de seu pertencimento à natureza. Ademais, afirma Gorbatchev, se faz necessário implantar um novo sistema de valores, pois os sistemas de valores ocidentais, inclusive os cristãos, estão cada vez mais anacrônicos. Observa-se então, como alerta Bernardin, que o “discurso de Gorbatchev agora toma ares claramente espiritualistas, não hesitando em convocar as ‘religiões mundiais e as grandes doutrinas humanistas’, e orientando-se em direção a uma ‘espiritualidade’ ecológica”.

Essa questão da implantação do Comunismo no âmbito global é ressaltada por Gary Allen e Larry Abraham, no livro Política, Ideologia e Conspirações: a sujeira por trás das ideias que dominam o mundo. Para eles, os globalistas (que ele chama no livro de adeptos) não almejam implantar o comunismo, mas o socialismo fabiano, definido não como “um programa de distribuição de riqueza”, mas como “um método de consolidação e controle da riqueza”. Desta forma, concluem os autores, esse tipo de socialismo “não é um movimento das massas oprimidas, mas um movimento criado, manipulado e usado por bilionários famintos de poder para passar a controlar o mundo...primeiro implantando governos socialistas nos vários países e depois consolidando-os por meio de uma ‘Grande Fusão’ em um superestado mundial socialista, provavelmente sob os auspícios das Nações Unidas” (tratarei dos arquitetos desse Nova Ordem Mundial no próximo artigo).
         
O que se pode observar dos estudos de Bernardin é que a perestroika, como processo revolucionário, inspirado em Lênin e Gramsci, está ocorrendo através da globalização, que nada mais é, no campo político, que a busca da tomada do poder por parte de grupos que se beneficiarão com a instauração de um governo mundial (os adeptos de Allen e Abraham). Dentro dessa revolução há uma convergência entre capitalismo e socialismo. Essa convergência já estava presente no socialismo de mercado de Deng Xiaoping, onde promoveu na China, a partir do final de década de 70 e meados da década de 80, a modernização econômica com ênfase nas reformas do primeiro e segundo setores da economia (agricultura e indústria, respectivamente), na descentralização do poder e na economia de mercado a partir das Zonas Especiais Econômicas (ZEE), conforme está bem explicado no livro A China de Deng Xiaoping: o homem que pôs a China na cena do século XXI, de Michael E. Marti.

Entretanto essa grande barafunda que funde capitalismo e socialismo não pode mascará o fato de que a ideologia comunista é a base que norteia os arquitetos da Nova Ordem Mundial. E isso é bastante preocupante, pois o projeto comunista é, como cita Vladimir Tismãneanu, em seu livro Do comunismo: o destino de uma religião política, escatológico (uma teodiceia racionalizada que substitui Deus pela História) e tem ambições omniabrangentes, sendo descrita como uma religião política ou laica, tendo como escopo último a criação de uma nova civilização e de um novo homem. Os fundadores do comunismo como doutrina global, Karl Marx e Friedrich Engels, criaram o mito da classe messiânica (o proletariado) por meio de um projeto revolucionário impregnados de profecias e predestinações carismáticas e heroicas. Essa visão escatológica e utópica foi adotada por Lênin, que combinou marxismo e Partido, onde este substitui o proletário como agente histórico revolucionário.

Realmente não faltam profetas no interior do marxismo. Alvin Toffler, em seu livro A Terceira Onda, inicia o primeiro Capítulo da seguinte forma: “Uma nova civilização está emergindo em nossas vidas e por toda a parte há cegos tentando suprimi-la. Esta nova civilização traz consigo novos estilos de família, modos de trabalhar, amar e viver diferentes; uma nova economia; novos conflitos políticos; e além de tudo isso, igualmente uma consciência alterada”. Em outra parte o profeta diz que “A Terceira Onda afeta todo mundo. Desafia todas as velhas relações de poderes, os privilégios e prerrogativas das elites atuais em perigo e proporciona o telão de fundo contra o qual se efetuarão as lutas básicas de amanhã pelo poder”. Finaliza afirmando que a nova civilização, dita de Terceira Onda, “começará a cicatrizar a ruptura histórica entre o produtor e o consumidor, gerando a economia do ‘prossumidor’ [quem produz para o seu próprio consumo, tal como na Idade Média, identificada pelo autor como a Primeira Onda] de amanhã. Por essa razão, entre muitas, poderia – com alguma ajuda inteligente nossa – resultar na primeira civilização verdadeiramente humana da História registrada”. Acredito que essas breves citações já indicam bem as ideias futuristas do autor, denegando tudo que se refere ao passado, como é muito comum dentro das hostes da esquerda revolucionária, que, grosso modo, nunca chega ao seu destino, permanecendo sempre como processo, movimento, algo a ser atingindo.

Se Bernardin está correto na sua afirmação de que a Nova Ordem Mundial é uma construção revolucionária de característica cultural e que tem como base a perestroika e, por conseguinte, se fundamenta em Lênin e Gramsci (como creio que está), então os arranjos institucionais estão sendo alinhavados pelos globalistas, por meio das organizações internacionais, para o solapamento dos Estados nacionais, juntamente com as sociedades nacionais e suas idiossincrasias culturais, com o fim de homogeneizá-los de forma integral. Isso vem gerando o que Roger Scruton denominou, em seu livro uma filosofia política: argumentos para o conservadorismo, de oikofobia que “é um repúdio ao que nos foi legado e ao lar”, ou seja, é um repúdio aos costumes, à cultura e às instituições nacionais. Segundo o filósofo inglês, foi com o surgimento do oikófobo que se instalou a crise de legitimidade nos Estados nacionais da Europa. Isso fez com que as organizações internacionais ganhassem força e passassem a estabelecer os destinos das comunidades nacionais por meio de diversas legislações transnacionais.

Desenvolvendo um pouco mais a descrição dessa Nova Ordem Mundial em construção e o seu sentido, vou tomar como referência um interessante e esclarecedor debate entre Olavo de Carvalho, filósofo, jornalista e escritor brasileiro, e Alexandre Dugin, cientista político russo, fundador do Movimento Internacional Eurasiano e um dos principais teóricos do nacional-bolchevismo da atualidade. Esse debate encontra se no livro Os EUA e a Nova Ordem Mundial: um debate entre Alexandre Dugin e Olavo de Carvalho. Quando perguntado a ambos: “Quais são os fatores e atores históricos, políticos, ideológicos e econômicos que definem atualmente a dinâmica e a configuração do poder no mundo e qual a posição dos Estados Unidos da América no que é conhecido como Nova Ordem Mundial?”, Alexandre Dugin analisou e respondeu da seguinte forma: “Atualmente não há nenhuma ordem mundial definitiva em vigência. O que há é uma Transição da ordem mundial que conhecemos no século XX para algum outro paradigma cujos traços ainda não estão definidos”. Porém, salienta, que essa Transição “é americanocêntrica por natureza e o campo geopolítico global é estruturado de maneira que os principais processos globais sejam moderados, orientados, dirigidos e algumas vezes controlados por esse único ator que executará sua tarefa sozinho ou com a assistência dos aliados ocidentais e essencialmente pró-americanos (ou ao menos pró-ocidentais)”. Mas Dugin considera que há “atores secundários e terciários que, no caso de sucesso da estratégia americana, sairiam inevitavelmente perdedores. Há países, Estados, povos, culturas que perderiam tudo e não ganhariam nada com a realização da estratégia norte-americana”. Finalizando, Dugin propõem como alternativa ao projeto da Nova Ordem Mundial um mundo multipolar formado por Estados integrados por região: União Europeia, União Islâmica, União Sul-Americana, União Eurasiana, União Indiana, União Chinesa etc.

A questão foi respondida por Olavo de Carvalho da forma seguinte: “as forças históricas que hoje disputam o poder do mundo articulam-se em três projetos de dominação global, que vou denominar provisoriamente ‘russo-chinês’, ‘ocidental’ (às vezes chamada erroneamente ‘anglo-americano’) e ‘islâmico’”. Os agentes desses projetos são, respectivamente, a “elite governante da Rússia e da China”, a “elite financeira ocidental” e a “Fraternidade Islâmica”. Para o filósofo, dos três agentes, “só o primeiro pode ser concebido em termos estritamente geopolíticos, já que seus planos e ações correspondem a interesses nacionais e regionais bem definidos. O segundo, que está mais avançado na consecução de seus planos de governo mundial, coloca-se explicitamente acima de quaisquer interesses nacionais, inclusive os dos países onde se originou e que lhe servem de base de operações. No terceiro, eventuais conflitos de interesses entre os governos nacionais e o objetivo maior do Califado Universal acabam sempre resolvidos em favor desse último, que embora só exista atualmente como ideal tem sua autoridade simbólica fundada em mandamentos corânicos que nenhum governo islâmico ousaria contrariar de frente”. Olavo alerta que “As concepções de poder global que esses três agentes se esforçam para realizar são muito diferentes entre si porque brotam de inspirações ideológicas heterogêneas e às vezes incompatíveis”: por exemplo: “o esquema russo-chinês privilegia o ponto de vista geopolítico e militar, o ocidental o ponto de vista econômico, o islâmico a disputa de religiões”.

O debate entre essas duas personalidades acadêmicas da contemporaneidade é muito profícuo e extenso, não cabendo aqui desenvolver mais, mas do que, de forma resumida, foi dito sobre a Nova Ordem Mundial fica claro que há grandes divergências de posicionamento, mas algo que é consensual entre ambos: a Nova Ordem Mundial está em construção e está sendo arquitetada sem a participação dos Estados nacionais em sua totalidade, ficando restrito a pequenos grupos de interesse (que iremos discutir mais detalhadamente no próximo texto), que visa o controle total por meio das organizações internacionais e organizações não-governamentais internacionais.

À guisa de conclusão não definitiva, mas circunstancial, estamos trilhando sobre solo movediço, sem qualquer sustentação sólida para se apoiar, pois os nossos referenciais estão sendo postos num abismo cujo espaço ainda não pode ser delimitado. As instituições sociais que nortearam a nossa forma de pensar, agir, sentir e decidir estão em crise permanente. Dentro desse contexto, poderíamos afirmar que ingressamos em um ciclo de decadência cultural patrocinada pelos arquitetos da Nova Ordem Mundial? Não há qualquer sinal de tendência sincrítica (ação de reunir) que possa em médio e longo prazo substituir essa tendência diacrítica (ação de separar), que ora se instalou no nosso meio social, provocada pela crisis originária do processo revolucionário em andamento? Essas são algumas questões difíceis de responder no atual momento, mas como brilhantemente disse Mário Ferreira dos Santos (em obra já citada), não há como prescrever uma terapêutica da crise, sem que antes se tome consciência das síncrises e diácrises presentes em nossas vidas. É a partir dessa assertiva que irei pautar e direcionar o meu intelecto na busca da verdade encoberta por tantas falácias em torno da temática aqui tratada.   

domingo, 4 de março de 2018

Preâmbulo para uma análise filosófico-política da Nova Ordem Mundial


Ao longo de 2017, ano em que criei esse Blog, refletir sobre alguns fenômenos que se apresentaram para mim como importantes e por isso considerei interessante tratá-los aqui. Priorizei mais os aspectos da política e da moral, pois entendo que ambos os aspectos estão estreitamente interligados e atingem diretamente outros campos da vida social (economia, religião, família, cultura etc.).

Finalizei minhas publicações no ano passado com um artigo despretensioso, intitulado Esquerda, Direita, Um, Dois: A velha nova ordem unida política, onde tentei esclarecer, a partir de um livro de Bobbio, o significado dos dois termos. O objetivo era desvelar os interesses reais em torno do conflito que a díade estabelece. Confesso que quando escrevi esse artigo não tinha a ideia da dimensão do problema e o seu grau de complexidade, bem como o reflexo dessa díade dentro da atual conjuntura política nos âmbitos nacional e mundial.

O meu interesse em aprofundar a temática da díade esquerda-direita se deu de forma paulatina, após me debruçar sobre alguns livros, nacionais e internacionais, de teóricos marxistas (inclusive Marx) e teóricos antimarxistas, mais especificamente liberais e conservadores. Essas leituras, ainda em processo inicial, me conduziram a pensar em desenvolver textos, ao longo deste ano, que possam expressar minhas reflexões e entendimentos, no campo da filosofia política, sobre as transformações que estão ocorrendo na ordem social contemporânea e quais as relações dessas transformações com as ideologias marxistas, liberais e conservadoras, não obstante as linhas limítrofes entre as ideologias estarem cada vez mais indefiníveis nos tempos atuais, dificultando ainda mais a análise da estrutura da realidade. Como alerta o ensaísta e diplomata brasileiro José Osvaldo de Meira Penha, em sua obra A ideologia do século XX: ensaios sobre o nacional-socialismo, o marxismo, o terceiro-mundismo e a ideologia brasileira, a China de Deng Xiaoping, com seu processo de modernização e abertura para o mercado, era de esquerda ou de direita? E o Partido Conservador Progressista do Canadá é de esquerda ou de direita? Para o cientista político romeno Vladimir Tismãneanu são poucos os termos que apresentam tantas confusões semânticas como os de direita e esquerda. Ele cita, em seu livro Do comunismo: o destino de uma religião política, que Stálin e Hitler “usurparam e perverteram de maneira criminosa as ideologias revolucionárias de esquerda e de direita, de que se serviram com cinismo para a legitimação da ordem política totalitária”.


Entendo que ao analisar os componentes ideológicos que impulsionam as modificações atuais na ordem social contemporânea, quer no âmbito nacional, quer no âmbito internacional, permite resgatar a temática da política, que nos últimos tempos tem sido obscurecida não só pela prevalência das abordagens economicistas e midiáticas, mas também pela má política, que vem engendrando nesse período o que o filósofo Daniel Innerarity considerou como uma “indignação” sobre ela. Se há algo pior que a má política, diz ele em seu livro A política em tempos de indignação: a frustração popular e os riscos para a democracia, é “a sua ausência, a mentalidade antipolítica com a qual se desvaneceriam as aspirações daqueles que não têm outra esperança a não ser a política, porque não são poderosos em outros âmbitos”.

Abordar a temática da política permite refletir também sobre o aspecto moral da política, algo que está bastante ausente dos estudos e debates acadêmicos aqui no Brasil. E essa ausência causa perplexidade, pois vivenciamos um dos piores momentos históricos no que tange a má política no país, com governos imersos em corrupção, onde são desviadas quantias vultosas de dinheiro que atenderiam, sem dúvidas, necessidades básicas como, por exemplo, segurança, educação, saúde e moradia. Esses governos merecem a nossa lealdade? Com certeza não, pois como afirma o filósofo político Ian Shapiro, em seu livro Os fundamentos morais da política, “deve haver limites para a autoridade legítima de qualquer governo”.

Não se pretende abordar de forma ampla as questões da política e da moral nos textos que serão desenvolvidos aqui nesse espaço, pois um Blog não é o local propício para isso, mas trazer à baila algumas questões e respostas preliminares, com a ajuda de estudiosos da área, sobre a conjuntura e as tendências da organização sociopolítica nos âmbitos nacional e internacional. Ou seja, o que se buscará aqui é instigar os debates, as pesquisas e as leituras sobre uma temática de extrema complexidade e relevância, que refletem direta e indiretamente na vida social de todos nós e que impulsiona fenômenos que são tratados pelos políticos, analistas e pela mídia de maneira desarticulada, mas que fazem parte de um mesmo pacote, a saber: a imposição de uma Nova Ordem Mundial.


Quando afirmo que há uma imposição de uma Nova Ordem Mundial quero dizer que essa nova estrutura de poder está em construção e que essa nova ordem política em formação está sendo imposta de forma universal, logo, as modificações nas instituições sociais (família, educação, religião, direito etc.) não ocorrem por um desgaste natural em suas estruturas, mas por uma imposição, por atos volitivos motivados por interesses camuflados através de discursos ético, holístico, humanístico, multicultural etc., mas na verdade esconde uma política totalitária que atenta contra os direitos individuais. Mas quem quer impor essa Nova Ordem Mundial? Qual o sentido dessa Nova Ordem Mundial? Qual o pensamento ideológico que alicerça essa Nova Ordem Mundial? Qual o modus operandi utilizado para a implantação dessa Nova Ordem Mundial? Essas são algumas questões guias que buscaremos desvelar preliminarmente nos textos seguintes.

Para a compreensão límpida desse fenômeno político vou recorre à filosofia política que é, conforme Leo Strauss (o grande historiador da filosofia política do século XX), “a tentativa de conhecer verdadeiramente tanto a natureza das coisas políticas quanto da ordem política justa e boa”. Ou seja, o que se quer é desvelar a essência dessa nova estrutura de poder em formação e verificar se ela é benéfica ou maléfica às sociedades, em especial à sociedade brasileira. Aqui está a relação estreita entre a política e a moral, pois, como afirma Leo Strauss, em seu livro Uma introdução à filosofia política, “As coisas políticas são, por natureza, sujeitas à aprovação e desaprovação [julgamento], escolha e rejeição, elogio ou censura. É da sua essência não serem neutras, mas reivindicar a obediência, aliança, decisão ou o julgamento dos homens. Não se as entendem como são, como coisas políticas, se não se leva a sério a sua reivindicação explicita ou implícita de serem julgadas em termos de bondade ou maldade, justiça ou injustiça, isto é, se não se mede por algum parâmetro de bondade ou justiça. Para julgar corretamente, devem-se conhecer as normas e os parâmetros verdadeiros”.

Adoto uma postura gnoseológica realista crítica quanto à essência do conhecimento, onde acentuo a verificação dos pressupostos de análise me apoiando em reflexões críticas e epistêmicas, que afirmam que nem todas as propriedades presentes no objeto se originam dele (qualidades primárias), pois existem qualidades nos objetos que são atribuídas pelo sujeito (qualidades secundárias), ou seja, pela consciência. Nesse sentido, entendo o conhecimento como um processo no qual o sujeito cognoscente contribui de forma a criar o objeto cognoscível, me afastando, dessa forma, do realismo tradicional que percebe o objeto como algo já dado objetivamente, onde o sujeito atua de forma passiva.

Após esse preâmbulo, espero atender as expectativas com os próximos textos, onde buscarei partir do geral para o particular, ou seja, da configuração da estruturação da Nova Ordem Mundial à configuração da estruturação da ordem sociopolítica brasileira, extraindo dos fatos que se apresentam nas respectivas realidades os elementos essenciais à compressão da natureza das coisas políticas.

Dequex Araujo Silva Junior
Doutor em Ciências Sociais
Membro do Instituto Brasileiro de Segurança Pública

Membro fundador do Instituto Antônio Lacerda