No artigo introdutório publicado
anteriormente afirmei que está em processo de construção uma Nova Ordem Mundial
e que esse processo já estava engendrando uma crise nas instituições modernas,
especialmente aquelas mais destinadas ao controle social, quer formal, como o
Estado, quer informal, como a família, escola e religião. Chamo de instituições
modernas aquelas criadas pelas três revoluções liberais do século XVIII:
revolução industrial, revolução francesa e revolução científica Iluminista.
Todas as três revoluções modificaram as estruturas das instituições sociais
existentes no período medieval, bem como criaram novas instituições, como o próprio
Estado nacional e todos os seus dispositivos de segurança e controle (polícia,
prisão, tribunais etc.). Pois bem, todas essas instituições entraram em crise
com o advento dessa nova estrutura de poder que vem sendo implantada pelos
arquitetos dessa Nova Ordem Mundial.
Quando falo de crise estou
tomando de empréstimo a definição dada pelo magistral filósofo brasileiro Mário
Ferreira dos Santos (que infelizmente a maioria dos filósofos e alunos de
filosofia da nossa medíocre educação não conhece), em sua não menos conspícua
obra Filosofia da Crise, cujo
significado, originário do grego (crisis),
é separação, abismo, mas também significa juízo,
decisão etc. Tomar-se-á aqui no
sentido de separação e abismo! Conforme Santos, “Na crisis, há uma separação, e separar é abrir distância entre pares;
ela separa”. Desta forma, “no
conceito de crisis, temos sempre um ‘afastar’
das coisas, um ato de ‘distanciá-las’ uma das outras”. O resultado da crisis, da diastema (distância, em grego) é a insatisfação, o desespero, a
insegurança. Partido dessa definição, entendo que a crisis instalada no seio da sociedade vigente está relacionada à
separação entre as estruturas ôntica (existência) e ontológica (essência) do ser-indivíduo-homem
(fatores intrínsecos), cujas consciências e hábitos estão ainda atreladas ao
modo de vida moderno, e a nova estrutura sociocultural que está sendo imposta através
do projeto revolucionário criado pelos arquitetos da Nova Ordem Mundial
(fatores extrínsecos).
Esse texto é o primeiro de uma
série que visa discutir a temática da chamada Nova Ordem Mundial, que foi
proclamada pela vez primeira pelo então presidente dos Estados Unidos George W.
Bush, no final da década de 80, conforme cita Pascal Bernardin em seu elucidativo
livro O império ecológico ou A subversão
da ecologia pelo globalismo. Essa Nova Ordem Mundial visa implantar,
conforme o filósofo francês, um sistema de governança global sob o auspício da
ONU. Desde o início da década de 90 que a ONU, juntamente com os arquitetos da
Nova Ordem Mundial, dissemina uma série de documentos e conferências para
divulgar as “boas intenções” do novo empreendimento global, onde a unidade da consciência humana é a
tônica. Um dos carros-chefes dessa nova ordem é o discurso ecológico, que já na
conferência intitulada Agenda 21,
ocorrida no Rio de Janeiro, a Assembleia Geral da ONU passou a fornecer
orientações aos governos nacionais “com vistas à promoção de um desenvolvimento
durável e ecologicamente racional em todos os países, e que a promoção do
crescimento econômico nos países em desenvolvimento exercia um papel essencial
na solução dos problemas ligados à degradação do meio ambiente”. Com isso, a
questão ecológica torna-se um problema global, problema este que é considerado pelos arquitetos da Nova Ordem Mundial ou globalistas como insolúveis
em escala nacional, requerendo, dessa forma, uma colaboração internacional.
Sob a rubrica dos chamados
“problemas globais”, o real objetivo dos globalistas é, conforme Bernardin,
“encontrar, ampliar ou inventar problemas globais que justifiquem sua
existência e a expansão de seu poder. O efeito estufa é um dos problemas
considerados, mas existem muitos outros: o terrorismo, a lavagem de dinheiro, o
desarmamento, o tráfico de drogas, a superpopulação, a distribuição das águas,
diversas questões ecológicas, o comércio internacional etc.”. Ou seja, reafirma
Bernardin, o objetivo dos globalistas “é alcançar uma dominação completa do
planeta em todos os domínios: financeiro, econômico, comercial, jurídico, fiscal
etc.”. É justamente através dos chamados problemas globais que os globalistas
buscam criar “uma base de cooperação, de consenso, sobre a qual as organizações
internacionais e revolucionárias
[...] apoiam-se para estender infinitamente o poder”.
É importante ressaltar na citação
de Bernardin a expressão “revolucionária”, pois há no projeto da Nova Ordem
Mundial um componente ideológico inspirado na proposta revolucionária de
Antonio Gramsci, marxista italiano, que vai num sentido diametralmente oposto
aos marxistas clássicos, onde o alvo da transformação não é a estrutura, ou
seja, a economia de forma imediata, mas as instituições que compõem a
superestrutura ideológica da sociedade. Essa proposta revolucionária
encontra-se também na perestroika de
Gorbatchev, que é um projeto não só de inspiração leninista, mas também
gramsciana, que cita a questão dos problemas globais como um ponto crucial para
o destino da humanidade, referindo-se à preservação da natureza, à condição
crítica do meio ambiente, à atmosfera e aos oceanos etc. Isso significa que os
arquitetos da Nova Ordem Mundial estão alinhados com o projeto de expansão do Comunismo no âmbito global a partir de
uma concepção holística, coletivista e totalitária que já se encontrava na perestroika e que está sendo reproduzida
através dos documentos produzidos pela ONU e dos discursos dos globalistas.
A questão ecológica forma então,
conforme Bernardin, o esqueleto das revoluções ideológica, religiosa, ética e
cultural propostas pelos globalistas e por Gorbatchev (e sua perestroika) cujas bases estão no
gramscismo. Bernardin cita um pequeno livro de Gorbatchev, intitulada Em busca de um novo começo, onde propôs
a criação de uma nova civilização: “Nós precisamos de um novo paradigma que nos
conduzirá à realidade, então reconheceremos que a humanidade é apenas um
elemento da natureza”, ou seja, “A humanidade é uma parte da biosfera, ela e a
biosfera formam uma unidade”. Desta forma, diz Gorbatchev, “a nova civilização
se apoiará, portanto, em valores comuns a toda humanidade, valores sobretudo
ecológicos”. No mesmo texto ele fala da “ecologização” da política, afirmando a
prioridade dos valores comuns à humanidade, onde esta deverá retornar à
consciência de seu pertencimento à natureza. Ademais, afirma Gorbatchev, se faz
necessário implantar um novo sistema de valores, pois os sistemas de valores
ocidentais, inclusive os cristãos, estão cada vez mais anacrônicos. Observa-se então, como alerta Bernardin, que
o “discurso de Gorbatchev agora toma ares claramente espiritualistas, não
hesitando em convocar as ‘religiões mundiais e as grandes doutrinas
humanistas’, e orientando-se em direção a uma ‘espiritualidade’ ecológica”.
Essa questão da implantação do Comunismo
no âmbito global é ressaltada por Gary Allen e Larry Abraham, no livro Política, Ideologia e Conspirações: a
sujeira por trás das ideias que dominam o mundo. Para eles, os globalistas
(que ele chama no livro de adeptos) não
almejam implantar o comunismo, mas o socialismo fabiano, definido não como “um
programa de distribuição de riqueza”, mas como “um método de consolidação e
controle da riqueza”. Desta forma, concluem os autores, esse tipo de socialismo
“não é um movimento das massas oprimidas, mas um movimento criado, manipulado e
usado por bilionários famintos de poder para passar a controlar o
mundo...primeiro implantando governos socialistas nos vários países e depois
consolidando-os por meio de uma ‘Grande Fusão’ em um superestado mundial
socialista, provavelmente sob os auspícios das Nações Unidas” (tratarei dos
arquitetos desse Nova Ordem Mundial no próximo artigo).
O que se pode observar dos
estudos de Bernardin é que a perestroika,
como processo revolucionário, inspirado em Lênin e Gramsci, está ocorrendo
através da globalização, que nada mais é, no campo político, que a busca da
tomada do poder por parte de grupos que se beneficiarão com a instauração de um
governo mundial (os adeptos de Allen
e Abraham). Dentro dessa revolução há uma convergência entre capitalismo e
socialismo. Essa convergência já estava presente no socialismo de mercado de
Deng Xiaoping, onde promoveu na China, a partir do final de década de 70 e
meados da década de 80, a modernização econômica com ênfase nas reformas do
primeiro e segundo setores da economia (agricultura e indústria,
respectivamente), na descentralização do poder e na economia de mercado a
partir das Zonas Especiais Econômicas (ZEE), conforme está bem explicado no
livro A China de Deng Xiaoping: o homem
que pôs a China na cena do século XXI, de Michael E. Marti.
Entretanto essa grande barafunda que
funde capitalismo e socialismo não pode mascará o fato de que a ideologia comunista
é a base que norteia os arquitetos da Nova Ordem Mundial. E isso é bastante
preocupante, pois o projeto comunista é, como cita Vladimir Tismãneanu, em seu
livro Do comunismo: o destino de uma
religião política, escatológico (uma teodiceia racionalizada que substitui
Deus pela História) e tem ambições omniabrangentes, sendo descrita como uma
religião política ou laica, tendo como escopo último a criação de uma nova
civilização e de um novo homem. Os fundadores do comunismo como doutrina
global, Karl Marx e Friedrich Engels, criaram o mito da classe messiânica (o
proletariado) por meio de um projeto revolucionário impregnados de profecias e
predestinações carismáticas e heroicas. Essa visão escatológica e utópica foi
adotada por Lênin, que combinou marxismo e Partido, onde este substitui o
proletário como agente histórico revolucionário.
Realmente não faltam profetas no
interior do marxismo. Alvin Toffler, em seu livro A Terceira Onda, inicia o primeiro Capítulo da seguinte forma: “Uma
nova civilização está emergindo em nossas vidas e por toda a parte há cegos
tentando suprimi-la. Esta nova civilização traz consigo novos estilos de
família, modos de trabalhar, amar e viver diferentes; uma nova economia; novos
conflitos políticos; e além de tudo isso, igualmente uma consciência alterada”.
Em outra parte o profeta diz que “A Terceira Onda afeta todo mundo. Desafia
todas as velhas relações de poderes, os privilégios e prerrogativas das elites
atuais em perigo e proporciona o telão de fundo contra o qual se efetuarão as
lutas básicas de amanhã pelo poder”. Finaliza afirmando que a nova civilização,
dita de Terceira Onda, “começará a cicatrizar a ruptura histórica entre o
produtor e o consumidor, gerando a economia do ‘prossumidor’ [quem produz para
o seu próprio consumo, tal como na Idade Média, identificada pelo autor como a
Primeira Onda] de amanhã. Por essa razão, entre muitas, poderia – com alguma
ajuda inteligente nossa – resultar na primeira civilização verdadeiramente
humana da História registrada”. Acredito que essas breves citações já indicam
bem as ideias futuristas do autor, denegando tudo que se refere ao passado,
como é muito comum dentro das hostes da esquerda revolucionária, que, grosso modo, nunca chega ao seu destino,
permanecendo sempre como processo, movimento, algo a ser atingindo.
Se Bernardin está correto na sua
afirmação de que a Nova Ordem Mundial é uma construção revolucionária de
característica cultural e que tem como base a perestroika e, por conseguinte, se fundamenta em Lênin e Gramsci
(como creio que está), então os arranjos institucionais estão sendo alinhavados
pelos globalistas, por meio das organizações internacionais, para o solapamento
dos Estados nacionais, juntamente com as sociedades nacionais e suas idiossincrasias
culturais, com o fim de homogeneizá-los de forma integral. Isso vem gerando o
que Roger Scruton denominou, em seu livro uma
filosofia política: argumentos para o conservadorismo, de oikofobia que “é um repúdio ao que nos
foi legado e ao lar”, ou seja, é um repúdio aos costumes, à cultura e às
instituições nacionais. Segundo o filósofo inglês, foi com o surgimento do
oikófobo que se instalou a crise de legitimidade nos Estados nacionais da
Europa. Isso fez com que as organizações internacionais ganhassem força e
passassem a estabelecer os destinos das comunidades nacionais por meio de
diversas legislações transnacionais.
Desenvolvendo um pouco mais a
descrição dessa Nova Ordem Mundial em construção e o seu sentido, vou tomar
como referência um interessante e esclarecedor debate entre Olavo de Carvalho,
filósofo, jornalista e escritor brasileiro, e Alexandre Dugin, cientista
político russo, fundador do Movimento Internacional Eurasiano e um dos
principais teóricos do nacional-bolchevismo da atualidade. Esse debate encontra
se no livro Os EUA e a Nova Ordem Mundial:
um debate entre Alexandre Dugin e Olavo de Carvalho. Quando perguntado a
ambos: “Quais são os fatores e atores históricos, políticos, ideológicos e
econômicos que definem atualmente a dinâmica e a configuração do poder no mundo
e qual a posição dos Estados Unidos da América no que é conhecido como Nova
Ordem Mundial?”, Alexandre Dugin analisou e respondeu da seguinte forma: “Atualmente
não há nenhuma ordem mundial definitiva em vigência. O que há é uma Transição
da ordem mundial que conhecemos no século XX para algum outro paradigma cujos
traços ainda não estão definidos”. Porém, salienta, que essa Transição “é americanocêntrica
por natureza e o campo geopolítico global é estruturado de maneira que os
principais processos globais sejam moderados, orientados, dirigidos e algumas
vezes controlados por esse único ator que executará sua tarefa sozinho ou com a
assistência dos aliados ocidentais e essencialmente pró-americanos (ou ao menos
pró-ocidentais)”. Mas Dugin considera que há “atores secundários e terciários que,
no caso de sucesso da estratégia americana, sairiam inevitavelmente perdedores.
Há países, Estados, povos, culturas que perderiam tudo e não ganhariam nada com
a realização da estratégia norte-americana”. Finalizando, Dugin propõem como
alternativa ao projeto da Nova Ordem Mundial um mundo multipolar formado por
Estados integrados por região: União Europeia, União Islâmica, União
Sul-Americana, União Eurasiana, União Indiana, União Chinesa etc.
A questão foi respondida por Olavo
de Carvalho da forma seguinte: “as forças históricas que hoje disputam o poder
do mundo articulam-se em três projetos de dominação global, que vou denominar
provisoriamente ‘russo-chinês’, ‘ocidental’ (às vezes chamada erroneamente ‘anglo-americano’)
e ‘islâmico’”. Os agentes desses projetos são, respectivamente, a “elite
governante da Rússia e da China”, a “elite financeira ocidental” e a “Fraternidade
Islâmica”. Para o filósofo, dos três agentes, “só o primeiro pode ser concebido
em termos estritamente geopolíticos, já que seus planos e ações correspondem a
interesses nacionais e regionais bem definidos. O segundo, que está mais
avançado na consecução de seus planos de governo mundial, coloca-se
explicitamente acima de quaisquer interesses nacionais, inclusive os dos países
onde se originou e que lhe servem de base de operações. No terceiro, eventuais conflitos
de interesses entre os governos nacionais e o objetivo maior do Califado
Universal acabam sempre resolvidos em favor desse último, que embora só exista
atualmente como ideal tem sua autoridade simbólica fundada em mandamentos
corânicos que nenhum governo islâmico ousaria contrariar de frente”. Olavo
alerta que “As concepções de poder global que esses três agentes se esforçam
para realizar são muito diferentes entre si porque brotam de inspirações ideológicas
heterogêneas e às vezes incompatíveis”: por exemplo: “o esquema russo-chinês
privilegia o ponto de vista geopolítico e militar, o ocidental o ponto de vista
econômico, o islâmico a disputa de religiões”.
O debate entre essas duas
personalidades acadêmicas da contemporaneidade é muito profícuo e extenso, não
cabendo aqui desenvolver mais, mas do que, de forma resumida, foi dito sobre a
Nova Ordem Mundial fica claro que há grandes divergências de posicionamento,
mas algo que é consensual entre ambos: a Nova Ordem Mundial está em construção
e está sendo arquitetada sem a participação dos Estados nacionais em sua totalidade,
ficando restrito a pequenos grupos de interesse (que iremos discutir mais
detalhadamente no próximo texto), que visa o controle total por meio das
organizações internacionais e organizações não-governamentais internacionais.
À guisa de conclusão não definitiva,
mas circunstancial, estamos trilhando sobre solo movediço, sem qualquer
sustentação sólida para se apoiar, pois os nossos referenciais estão sendo postos
num abismo cujo espaço ainda não pode ser delimitado. As instituições sociais
que nortearam a nossa forma de pensar, agir, sentir e decidir estão em crise
permanente. Dentro desse contexto, poderíamos afirmar que ingressamos em um
ciclo de decadência cultural patrocinada pelos arquitetos da Nova Ordem Mundial?
Não há qualquer sinal de tendência sincrítica
(ação de reunir) que possa em médio e longo prazo substituir essa tendência diacrítica
(ação de separar), que ora se instalou no nosso meio social, provocada pela crisis originária do processo revolucionário
em andamento? Essas são algumas questões difíceis de responder no atual momento,
mas como brilhantemente disse Mário Ferreira dos Santos (em obra já citada),
não há como prescrever uma terapêutica da crise, sem que antes se tome
consciência das síncrises e diácrises presentes em nossas vidas. É a partir dessa assertiva que irei pautar e direcionar o meu intelecto na busca da verdade encoberta por tantas falácias em torno da temática aqui tratada.
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