sexta-feira, 30 de março de 2018

O Que é a Nova Ordem Mundial e Qual o seu Sentido?


No artigo introdutório publicado anteriormente afirmei que está em processo de construção uma Nova Ordem Mundial e que esse processo já estava engendrando uma crise nas instituições modernas, especialmente aquelas mais destinadas ao controle social, quer formal, como o Estado, quer informal, como a família, escola e religião. Chamo de instituições modernas aquelas criadas pelas três revoluções liberais do século XVIII: revolução industrial, revolução francesa e revolução científica Iluminista. Todas as três revoluções modificaram as estruturas das instituições sociais existentes no período medieval, bem como criaram novas instituições, como o próprio Estado nacional e todos os seus dispositivos de segurança e controle (polícia, prisão, tribunais etc.). Pois bem, todas essas instituições entraram em crise com o advento dessa nova estrutura de poder que vem sendo implantada pelos arquitetos dessa Nova Ordem Mundial. 

Quando falo de crise estou tomando de empréstimo a definição dada pelo magistral filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos (que infelizmente a maioria dos filósofos e alunos de filosofia da nossa medíocre educação não conhece), em sua não menos conspícua obra Filosofia da Crise, cujo significado, originário do grego (crisis), é separação, abismo, mas também significa juízo, decisão etc. Tomar-se-á aqui no sentido de separação e abismo! Conforme Santos, “Na crisis, há uma separação, e separar é abrir distância entre pares; ela separa”. Desta forma, “no conceito de crisis, temos sempre um ‘afastar’ das coisas, um ato de ‘distanciá-las’ uma das outras”. O resultado da crisis, da diastema (distância, em grego) é a insatisfação, o desespero, a insegurança. Partido dessa definição, entendo que a crisis instalada no seio da sociedade vigente está relacionada à separação entre as estruturas ôntica (existência) e ontológica (essência) do ser-indivíduo-homem (fatores intrínsecos), cujas consciências e hábitos estão ainda atreladas ao modo de vida moderno, e a nova estrutura sociocultural que está sendo imposta através do projeto revolucionário criado pelos arquitetos da Nova Ordem Mundial (fatores extrínsecos). 
       
Esse texto é o primeiro de uma série que visa discutir a temática da chamada Nova Ordem Mundial, que foi proclamada pela vez primeira pelo então presidente dos Estados Unidos George W. Bush, no final da década de 80, conforme cita Pascal Bernardin em seu elucidativo livro O império ecológico ou A subversão da ecologia pelo globalismo. Essa Nova Ordem Mundial visa implantar, conforme o filósofo francês, um sistema de governança global sob o auspício da ONU. Desde o início da década de 90 que a ONU, juntamente com os arquitetos da Nova Ordem Mundial, dissemina uma série de documentos e conferências para divulgar as “boas intenções” do novo empreendimento global, onde a unidade da consciência humana é a tônica. Um dos carros-chefes dessa nova ordem é o discurso ecológico, que já na conferência intitulada Agenda 21, ocorrida no Rio de Janeiro, a Assembleia Geral da ONU passou a fornecer orientações aos governos nacionais “com vistas à promoção de um desenvolvimento durável e ecologicamente racional em todos os países, e que a promoção do crescimento econômico nos países em desenvolvimento exercia um papel essencial na solução dos problemas ligados à degradação do meio ambiente”. Com isso, a questão ecológica torna-se um problema global, problema este que é considerado pelos arquitetos da Nova Ordem Mundial ou globalistas como insolúveis em escala nacional, requerendo, dessa forma, uma colaboração internacional.

Sob a rubrica dos chamados “problemas globais”, o real objetivo dos globalistas é, conforme Bernardin, “encontrar, ampliar ou inventar problemas globais que justifiquem sua existência e a expansão de seu poder. O efeito estufa é um dos problemas considerados, mas existem muitos outros: o terrorismo, a lavagem de dinheiro, o desarmamento, o tráfico de drogas, a superpopulação, a distribuição das águas, diversas questões ecológicas, o comércio internacional etc.”. Ou seja, reafirma Bernardin, o objetivo dos globalistas “é alcançar uma dominação completa do planeta em todos os domínios: financeiro, econômico, comercial, jurídico, fiscal etc.”. É justamente através dos chamados problemas globais que os globalistas buscam criar “uma base de cooperação, de consenso, sobre a qual as organizações internacionais e revolucionárias [...] apoiam-se para estender infinitamente o poder”.

É importante ressaltar na citação de Bernardin a expressão “revolucionária”, pois há no projeto da Nova Ordem Mundial um componente ideológico inspirado na proposta revolucionária de Antonio Gramsci, marxista italiano, que vai num sentido diametralmente oposto aos marxistas clássicos, onde o alvo da transformação não é a estrutura, ou seja, a economia de forma imediata, mas as instituições que compõem a superestrutura ideológica da sociedade. Essa proposta revolucionária encontra-se também na perestroika de Gorbatchev, que é um projeto não só de inspiração leninista, mas também gramsciana, que cita a questão dos problemas globais como um ponto crucial para o destino da humanidade, referindo-se à preservação da natureza, à condição crítica do meio ambiente, à atmosfera e aos oceanos etc. Isso significa que os arquitetos da Nova Ordem Mundial estão alinhados com o projeto de expansão do Comunismo no âmbito global a partir de uma concepção holística, coletivista e totalitária que já se encontrava na perestroika e que está sendo reproduzida através dos documentos produzidos pela ONU e dos discursos dos globalistas.

A questão ecológica forma então, conforme Bernardin, o esqueleto das revoluções ideológica, religiosa, ética e cultural propostas pelos globalistas e por Gorbatchev (e sua perestroika) cujas bases estão no gramscismo. Bernardin cita um pequeno livro de Gorbatchev, intitulada Em busca de um novo começo, onde propôs a criação de uma nova civilização: “Nós precisamos de um novo paradigma que nos conduzirá à realidade, então reconheceremos que a humanidade é apenas um elemento da natureza”, ou seja, “A humanidade é uma parte da biosfera, ela e a biosfera formam uma unidade”. Desta forma, diz Gorbatchev, “a nova civilização se apoiará, portanto, em valores comuns a toda humanidade, valores sobretudo ecológicos”. No mesmo texto ele fala da “ecologização” da política, afirmando a prioridade dos valores comuns à humanidade, onde esta deverá retornar à consciência de seu pertencimento à natureza. Ademais, afirma Gorbatchev, se faz necessário implantar um novo sistema de valores, pois os sistemas de valores ocidentais, inclusive os cristãos, estão cada vez mais anacrônicos. Observa-se então, como alerta Bernardin, que o “discurso de Gorbatchev agora toma ares claramente espiritualistas, não hesitando em convocar as ‘religiões mundiais e as grandes doutrinas humanistas’, e orientando-se em direção a uma ‘espiritualidade’ ecológica”.

Essa questão da implantação do Comunismo no âmbito global é ressaltada por Gary Allen e Larry Abraham, no livro Política, Ideologia e Conspirações: a sujeira por trás das ideias que dominam o mundo. Para eles, os globalistas (que ele chama no livro de adeptos) não almejam implantar o comunismo, mas o socialismo fabiano, definido não como “um programa de distribuição de riqueza”, mas como “um método de consolidação e controle da riqueza”. Desta forma, concluem os autores, esse tipo de socialismo “não é um movimento das massas oprimidas, mas um movimento criado, manipulado e usado por bilionários famintos de poder para passar a controlar o mundo...primeiro implantando governos socialistas nos vários países e depois consolidando-os por meio de uma ‘Grande Fusão’ em um superestado mundial socialista, provavelmente sob os auspícios das Nações Unidas” (tratarei dos arquitetos desse Nova Ordem Mundial no próximo artigo).
         
O que se pode observar dos estudos de Bernardin é que a perestroika, como processo revolucionário, inspirado em Lênin e Gramsci, está ocorrendo através da globalização, que nada mais é, no campo político, que a busca da tomada do poder por parte de grupos que se beneficiarão com a instauração de um governo mundial (os adeptos de Allen e Abraham). Dentro dessa revolução há uma convergência entre capitalismo e socialismo. Essa convergência já estava presente no socialismo de mercado de Deng Xiaoping, onde promoveu na China, a partir do final de década de 70 e meados da década de 80, a modernização econômica com ênfase nas reformas do primeiro e segundo setores da economia (agricultura e indústria, respectivamente), na descentralização do poder e na economia de mercado a partir das Zonas Especiais Econômicas (ZEE), conforme está bem explicado no livro A China de Deng Xiaoping: o homem que pôs a China na cena do século XXI, de Michael E. Marti.

Entretanto essa grande barafunda que funde capitalismo e socialismo não pode mascará o fato de que a ideologia comunista é a base que norteia os arquitetos da Nova Ordem Mundial. E isso é bastante preocupante, pois o projeto comunista é, como cita Vladimir Tismãneanu, em seu livro Do comunismo: o destino de uma religião política, escatológico (uma teodiceia racionalizada que substitui Deus pela História) e tem ambições omniabrangentes, sendo descrita como uma religião política ou laica, tendo como escopo último a criação de uma nova civilização e de um novo homem. Os fundadores do comunismo como doutrina global, Karl Marx e Friedrich Engels, criaram o mito da classe messiânica (o proletariado) por meio de um projeto revolucionário impregnados de profecias e predestinações carismáticas e heroicas. Essa visão escatológica e utópica foi adotada por Lênin, que combinou marxismo e Partido, onde este substitui o proletário como agente histórico revolucionário.

Realmente não faltam profetas no interior do marxismo. Alvin Toffler, em seu livro A Terceira Onda, inicia o primeiro Capítulo da seguinte forma: “Uma nova civilização está emergindo em nossas vidas e por toda a parte há cegos tentando suprimi-la. Esta nova civilização traz consigo novos estilos de família, modos de trabalhar, amar e viver diferentes; uma nova economia; novos conflitos políticos; e além de tudo isso, igualmente uma consciência alterada”. Em outra parte o profeta diz que “A Terceira Onda afeta todo mundo. Desafia todas as velhas relações de poderes, os privilégios e prerrogativas das elites atuais em perigo e proporciona o telão de fundo contra o qual se efetuarão as lutas básicas de amanhã pelo poder”. Finaliza afirmando que a nova civilização, dita de Terceira Onda, “começará a cicatrizar a ruptura histórica entre o produtor e o consumidor, gerando a economia do ‘prossumidor’ [quem produz para o seu próprio consumo, tal como na Idade Média, identificada pelo autor como a Primeira Onda] de amanhã. Por essa razão, entre muitas, poderia – com alguma ajuda inteligente nossa – resultar na primeira civilização verdadeiramente humana da História registrada”. Acredito que essas breves citações já indicam bem as ideias futuristas do autor, denegando tudo que se refere ao passado, como é muito comum dentro das hostes da esquerda revolucionária, que, grosso modo, nunca chega ao seu destino, permanecendo sempre como processo, movimento, algo a ser atingindo.

Se Bernardin está correto na sua afirmação de que a Nova Ordem Mundial é uma construção revolucionária de característica cultural e que tem como base a perestroika e, por conseguinte, se fundamenta em Lênin e Gramsci (como creio que está), então os arranjos institucionais estão sendo alinhavados pelos globalistas, por meio das organizações internacionais, para o solapamento dos Estados nacionais, juntamente com as sociedades nacionais e suas idiossincrasias culturais, com o fim de homogeneizá-los de forma integral. Isso vem gerando o que Roger Scruton denominou, em seu livro uma filosofia política: argumentos para o conservadorismo, de oikofobia que “é um repúdio ao que nos foi legado e ao lar”, ou seja, é um repúdio aos costumes, à cultura e às instituições nacionais. Segundo o filósofo inglês, foi com o surgimento do oikófobo que se instalou a crise de legitimidade nos Estados nacionais da Europa. Isso fez com que as organizações internacionais ganhassem força e passassem a estabelecer os destinos das comunidades nacionais por meio de diversas legislações transnacionais.

Desenvolvendo um pouco mais a descrição dessa Nova Ordem Mundial em construção e o seu sentido, vou tomar como referência um interessante e esclarecedor debate entre Olavo de Carvalho, filósofo, jornalista e escritor brasileiro, e Alexandre Dugin, cientista político russo, fundador do Movimento Internacional Eurasiano e um dos principais teóricos do nacional-bolchevismo da atualidade. Esse debate encontra se no livro Os EUA e a Nova Ordem Mundial: um debate entre Alexandre Dugin e Olavo de Carvalho. Quando perguntado a ambos: “Quais são os fatores e atores históricos, políticos, ideológicos e econômicos que definem atualmente a dinâmica e a configuração do poder no mundo e qual a posição dos Estados Unidos da América no que é conhecido como Nova Ordem Mundial?”, Alexandre Dugin analisou e respondeu da seguinte forma: “Atualmente não há nenhuma ordem mundial definitiva em vigência. O que há é uma Transição da ordem mundial que conhecemos no século XX para algum outro paradigma cujos traços ainda não estão definidos”. Porém, salienta, que essa Transição “é americanocêntrica por natureza e o campo geopolítico global é estruturado de maneira que os principais processos globais sejam moderados, orientados, dirigidos e algumas vezes controlados por esse único ator que executará sua tarefa sozinho ou com a assistência dos aliados ocidentais e essencialmente pró-americanos (ou ao menos pró-ocidentais)”. Mas Dugin considera que há “atores secundários e terciários que, no caso de sucesso da estratégia americana, sairiam inevitavelmente perdedores. Há países, Estados, povos, culturas que perderiam tudo e não ganhariam nada com a realização da estratégia norte-americana”. Finalizando, Dugin propõem como alternativa ao projeto da Nova Ordem Mundial um mundo multipolar formado por Estados integrados por região: União Europeia, União Islâmica, União Sul-Americana, União Eurasiana, União Indiana, União Chinesa etc.

A questão foi respondida por Olavo de Carvalho da forma seguinte: “as forças históricas que hoje disputam o poder do mundo articulam-se em três projetos de dominação global, que vou denominar provisoriamente ‘russo-chinês’, ‘ocidental’ (às vezes chamada erroneamente ‘anglo-americano’) e ‘islâmico’”. Os agentes desses projetos são, respectivamente, a “elite governante da Rússia e da China”, a “elite financeira ocidental” e a “Fraternidade Islâmica”. Para o filósofo, dos três agentes, “só o primeiro pode ser concebido em termos estritamente geopolíticos, já que seus planos e ações correspondem a interesses nacionais e regionais bem definidos. O segundo, que está mais avançado na consecução de seus planos de governo mundial, coloca-se explicitamente acima de quaisquer interesses nacionais, inclusive os dos países onde se originou e que lhe servem de base de operações. No terceiro, eventuais conflitos de interesses entre os governos nacionais e o objetivo maior do Califado Universal acabam sempre resolvidos em favor desse último, que embora só exista atualmente como ideal tem sua autoridade simbólica fundada em mandamentos corânicos que nenhum governo islâmico ousaria contrariar de frente”. Olavo alerta que “As concepções de poder global que esses três agentes se esforçam para realizar são muito diferentes entre si porque brotam de inspirações ideológicas heterogêneas e às vezes incompatíveis”: por exemplo: “o esquema russo-chinês privilegia o ponto de vista geopolítico e militar, o ocidental o ponto de vista econômico, o islâmico a disputa de religiões”.

O debate entre essas duas personalidades acadêmicas da contemporaneidade é muito profícuo e extenso, não cabendo aqui desenvolver mais, mas do que, de forma resumida, foi dito sobre a Nova Ordem Mundial fica claro que há grandes divergências de posicionamento, mas algo que é consensual entre ambos: a Nova Ordem Mundial está em construção e está sendo arquitetada sem a participação dos Estados nacionais em sua totalidade, ficando restrito a pequenos grupos de interesse (que iremos discutir mais detalhadamente no próximo texto), que visa o controle total por meio das organizações internacionais e organizações não-governamentais internacionais.

À guisa de conclusão não definitiva, mas circunstancial, estamos trilhando sobre solo movediço, sem qualquer sustentação sólida para se apoiar, pois os nossos referenciais estão sendo postos num abismo cujo espaço ainda não pode ser delimitado. As instituições sociais que nortearam a nossa forma de pensar, agir, sentir e decidir estão em crise permanente. Dentro desse contexto, poderíamos afirmar que ingressamos em um ciclo de decadência cultural patrocinada pelos arquitetos da Nova Ordem Mundial? Não há qualquer sinal de tendência sincrítica (ação de reunir) que possa em médio e longo prazo substituir essa tendência diacrítica (ação de separar), que ora se instalou no nosso meio social, provocada pela crisis originária do processo revolucionário em andamento? Essas são algumas questões difíceis de responder no atual momento, mas como brilhantemente disse Mário Ferreira dos Santos (em obra já citada), não há como prescrever uma terapêutica da crise, sem que antes se tome consciência das síncrises e diácrises presentes em nossas vidas. É a partir dessa assertiva que irei pautar e direcionar o meu intelecto na busca da verdade encoberta por tantas falácias em torno da temática aqui tratada.   

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