domingo, 2 de junho de 2019

A imaginação esquizofrênica: a transexualidade em questão


Partindo de uma elucubração filosófica para distinguir e, por conseguinte, verificar a similaridade entre as coisas, começaremos por estabelecer que vivemos dois mundos distintos: o mundo das coisas reais e o mundo da imaginação. Cada um desses mundos corresponde a uma realidade específica: o mundo das coisas corresponde à realidade real e o mundo da imaginação corresponde à realidade ficcional. Entretanto, todo o mundo imaginativo deve se basear no mundo das coisas reais, ou seja, toda realidade ficcional deve se fundar na realidade real, pois caso isso não ocorra, caso haja um antagonismo extremo entre eles, a ficção, ou seja, a imaginação torna-se esquizofrenia.

A realidade real necessariamente tem que ser diferente da realidade ficcional para que possamos percebê-las como realidades distintas. Uma obra imaginativa se distingue da realidade por ser ela uma antinomia desta. Mas ela é antinômica, mas não contraditória, pois se assim fosse não poderíamos compará-las. Isso significa dizer que o mundo imaginativo deve ter uma semelhança com o mundo das coisas para que se possa compreender a diferença: um gato no mundo imaginativo não pode ser diferente de um gato no mundo real. Quando perdemos, entretanto, a nossa capacidade de distinguir o mundo real do mundo ficcional, ou seja, quando não mais conseguimos distinguir uma coisa real de uma coisa ficcional é porque adentramos num estado de esquizofrenia paranoica.

Quando comparamos duas realidades estamos buscando verificar o que há de semelhante e o que há de diferente. Isso significa, como alerta Mario Ferreira dos Santos, que “o semelhante não é uma categoria do idêntico”, pois “dizemos que alguma coisa é idêntica quando é igual a si mesma”. Por exemplo, uma mesa só pode ser idêntica a si mesmo porque não é outra. Ou seja, nas palavras de Santos, “Qualquer parte da realidade só pode ser considerada idêntica a si mesma no sentido de que não é outra coisa”.

É fundamental para o homem, a partir de suas experiências, agrupar os semelhantes através da atividade de diferenciação. A partir da forma, por exemplo, o homem pode, por meio da abstração, perceber as semelhanças entre as árvores, estabelecendo o conceito de árvore. Mario Ferreira dos Santos, em sua obra Filosofia e Cosmovisão, diz que “Um conceito, ao incluir um conjunto de fatos singulares, exclui outros”. Ou seja, quando se conceitua os vertebrados, excluem-se os invertebrados. Esse dualismo, prossegue o filósofo, “é uma decorrência do ato racional de conceituação, ou seja, de dar um conceito, com uma denominação comum, a certo número de fatos que nos parecem idênticos. Ao procedermos assim, já fazemos uma exclusão, quer dizer, separamos tudo quanto não é semelhante ao que conceituamos”. Segundo ele, “É característica de nosso espírito desdobrar-se em duas funções: a que procura o semelhante e o que percebe o diferente”. A primeira “é a que melhor corresponde à natureza do homem, por simplificar e assegurar uma economia ao trabalho mental”; a segunda, “é mais cansativa”, pois se faz necessário uma racionalização constante.

Essa pequena introdução se fez necessária para tentar compreender um fato noticiado no G1, na data de 31/05/2019, por Cíntia Acayaba e Léo Arcoverde, intitulado “Polícia de SP registra 1ª transexual como vítima de feminicídio; casos aumentam 54% no 1º quadrimestre”. O próprio título já indica toda uma manobra política de estabelecer uma situação de similaridade entre mulher e transexual, que por natureza são coisas distintas. Essa similitude é meramente ficcional, pois se o homem, como argumenta Ralph Linton, em sua obra o Homem: uma introdução à antropologia, “está sujeito exatamente às mesmas leis biológicas que outros mamíferos e deve suas variações atuais aos mesmos processos evolutivos”, e se há uma divisão biológica sexual entre macho e fêmea, como nos demais mamíferos, então não pode haver semelhança naquilo que a natureza estabeleceu como diferente. Mesmo que não possamos distinguir por meio de evidências subjetivas uma mulher de uma transexual não significa dizer que objetivamente sejam similares, pois ainda persistem diferenças biológicas significativas e que são imutáveis por natureza. Um exemplo disso é a celeuma hoje existente de transexuais participando de competições esportivas femininas.

Entretanto, o fato enseja uma melhor análise. O cerne da matéria é que uma transexual foi morta pelo seu companheiro e, de forma indutiva, a polícia paulista considerou de bom alvitre enquadrar o crime na lei de feminicídio, criada em 2015.  A lei 13.104/2015 estabelece, grosso modo, que o feminicídio se dá quando um homem mata uma mulher por sua condição de pertencimento ao sexo feminino. Ou seja, é a condição de sexo feminino que configura o feminicídio. A matéria diz que em outubro de 2016, o Ministério Público de São Paulo já havia denunciado por crime de feminicídio um ex-companheiro de uma transexual. O Ministério Público partiu do princípio de que “Quando há alteração no registro civil de um homem para mulher e quando há uma autodeterminação no campo psicológico, o homem passa a ser considerado, no mundo jurídico, como mulher”. Ou seja, para esses profissionais da área do Direito o mundo jurídico é um mundo à parte, não necessitando está em conexão com o mundo real, pois são as evidências imaginativas que prevalecem sobre as evidências objetivas.  

Vamos tomar como referência essa cosmovisão jurídica e imaginar que um homem, que em tempos passados tenha vivido matrimonialmente com uma mulher, onde esta depois se transformou num transexual masculino, não conformado com a separação, mata essa mulher que mudou o nome para Marco Antônio e se autodeterminou psicologicamente homem. Há aqui um feminicídio ou um homicídio? Acredita-se, por analogia, que para o mundo jurídico, essa mulher, que agora é transexual masculino, não poderá ser enquadrada na lei 13.104/2015, pois lhe falta naquele momento a condição de sexo feminino. Isto é, para o mundo jurídico, a condição sexual (ser homem ou ser mulher) é temporal e não uma condição natural (biológica).

Nem no mundo imaginário isso é possível! No mundo real um rinoceronte, mesmo que por mutilação perca os seus chifres, não deixa de ser um rinoceronte; um urso, mesmo que coloque um chifre no meio da testa, não deixa de ser um urso. Mas no mundo imaginário um cavalo com chifre não é um cavalo, mas um unicórnio; uma mulher com rabo de peixe não é uma mulher, mas uma sereia. Por tanto, no mundo real um homem, mesmo tendo feito uma cirurgia de mudança de sexo, continua sendo um homem (um eunuco), tal como um cavalo castrado continua sendo um cavalo. No mundo imaginário, por sua vez, um homem que muda de sexo não pode ser mais um homem, muito menos uma mulher, é um imaculado, um transexual. Desta forma, somente no mundo esquizofrênico, que não consegue distinguir o que é real e o que imaginativo, um transexual pode ser classificada como mulher ou uma transexual pode ser classificado como homem. 
  
Essa esquizofrenia pode ser constatada em outra matéria, esta mais longínqua, também publicada no G1, em 19/11/2015, por Renan Ramalho, intitulada “Relator no STF vota a favor do uso de banheiro feminino por transexual”. Nesta matéria, os doutos superministros abriram votação para decidir sobre o direito das transexuais de usarem os banheiros femininos a partir da “identidade de gênero”, ou seja, como se percebem, independente do sexo. Essa preocupação dos superministros se deu por conta de uma transexual ter sido impedida de usar o banheiro feminino de um shopping em Santa Catarina. Na matéria, a advogada da vítima sustentou a seguinte tese: “Quando se discute se uma transexual pode ou não fazer uso do banheiro feminino, ou seja, do banheiro pertencente ao gênero com o qual se identifica está se discutindo ainda seu direito à identidade e à autodeterminação sexual, à honra, à intimidade e à privacidade. Está se discutindo se essa mulher e tantas outras e outros na mesma situação têm ou não o direito de viver sem marginalização”.

Para analisar a situação acima vou recorrer ao raciocínio lógico. Vamos utilizar a definição aristotélica de homem como animal racional e falante. Nesta definição, o homem é a espécie; o animal é o gênero; e o racional e falante a diferença específica, ou seja, é o que diferencia o homem (e também a mulher) de todos os outros animais. Por essa definição, verifica-se que homem e mulher são espécies do mesmo gênero (animal). Vou recorrer ao silogismo para buscar um melhor entendimento sobre essa questão de identidade de gênero ressaltada na situação acima: Todas as mulheres são do sexo feminino; Fabiana é mulher; logo, é do sexo feminino. Temos então uma classificação: Fabiana pertence à espécie mulher, que pertence, por sua vez, ao gênero feminino.

Para o mundo jurídico, descrito pelos superministros e pela advogada da transexual, esse silogismo não tem valor algum, pois o homem pode ser classificado na espécie mulher e, por conseguinte, no gênero feminino, justamente porque a identidade é definida a partir de como o indivíduo se percebe e não como ele é realmente. A verdade não está mais na razão (sujeito) ou nas coisas (objeto), mas na imaginação, no sentir-se. Ou seja, Carlos pode pertencer ao gênero feminino caso se sinta uma mulher, não importando se originalmente esteja classificado na categoria de homem. É a chamada autodeterminação, que passou a adquirir um poder sobrenatural, que se sobrepõe à realidade real, podendo a pessoa ser o que quiser, bastando apenas se sentir. A performatização é o que importa. É óbvio que um enunciado que diga que um homem é uma mulher é uma contradição, pois um nega o outro da mesma forma que um enunciado que diga que um cavalo é um gato, logo, é falso, pois para um enunciado ser verdadeiro, diz Mario Ferreira dos Santos, tem que ter “uma identificação entre a representação que temos de um fato e esse fato. Se o que enunciamos de um fato corresponde ao fato, diremos que esse enunciado é verdadeiro”, mas se o que enunciamos de um fato não corresponde ao fato, diremos que o enunciado é falso. É a perda do senso de realidade que caracteriza esse interregno entre o mundo real e o mundo imaginativo, que é justamente onde se encontra o mundo jurídico dos nossos superministros do STF, legitimado por alguns juízes, promotores públicos, advogados e delegados.

Entretanto, esse mundo jurídico não é o mundo jurídico propriamente dito, mas um mundo fictício criado por uma mentalidade esquizofrênica, que quer tornar o mundo a imagem e semelhança de sua mente doentia. Há nesses dois fatos uma manipulação psicológica para que, através da dissonância cognitiva, a opinião pública passe a aceitar, mesmo contrariando as crenças, as atitudes e os valores estabelecidos, a similitude entre uma mulher e um transexual. São os elementos da cognição que precisam ser alterados por meio da manipulação psicológica para que se aceite essa equivalência. Os elementos da cognição refletem a realidade. Assim, se for criada uma nova realidade, mesmo que seja fictícia, há grandes possibilidades de que os elementos da cognição sejam também alterados, bastando apenas que a dissonância seja reduzida ou transformada em consonância. Não é por acaso que a mídia atualmente vem propagando constantemente a imagem de transexuais, inclusive por meio de telenovelas e desenhos animados como é o caso da animação brasileira Super Drags que tinha a previsão de passar na Netflix.

Faz-se necessário uma digressão para explicar melhor o que é dissonância cognitiva, pois essa prática de manipulação psicológica tonou-se uma práxis constante em várias esferas da sociedade, especialmente na educação como bem pontuou Pascal Bernardin no livro Maquiavel Pedagogo. Em sua obra Teoria da dissonância cognitiva, Leon Festinger diz que há dissonância quando dois elementos da cognição não se ajustam entre si: “Podem ser incoerentes ou contraditórios, os padrões culturais ou do grupo podem ditar que não se harmonizam e assim por diante”. O autor exemplifica: “se uma pessoal já estivesse endividada e também comprasse um novo automóvel, os elementos cognitivos correspondentes seriam dissonantes entre si”. Exemplificando agora a partir da situação do uso de banheiros femininos por transexuais: há uma relação dissonante se uma mulher soubesse que só há mulheres no banheiro feminino, mas também ficasse temerosa de encontrar uma transexual lá. Conforme Festinger, “A dissonância existiria por causa do que a pessoa tinha aprendido ou das expectativas que passa a alimentar, por causa do que é considerado usual ou apropriado, ou por muitas outras razões”. 

No caso da equivalência entre mulher e transexual podemos encontrar várias dissonâncias: dissonância de inconsistência lógica, pois uma pessoa pode acreditar que um homem pode se transformar em uma mulher, mas também crer que o médico é incapaz de transformar um homem em mulher pela via da cirurgia de mudança de sexo; dissonância cultural, pois um homem adentrar ao banheiro feminino é dissonante com o comportamento cultural do uso de banheiros femininos exclusivamente por mulheres; e, dissonância de opinião, pois a opinião mais geral é de que o banheiro feminino é de uso exclusivo de mulheres, mas num determinado momento, por pressão de opiniões específicas, se aceita a presença de um transexual no banheiro feminino.

A manipulação psicológica por meio da dissonância cognitiva é uma estratégia da esquerda socialista para modificar pensamentos e comportamentos, onde a linguagem tem um papel preponderante nesse processo revolucionário. George Orwell descreveu formidavelmente esse processo na sua obra de ficção 1984. O objetivo da novafala ou novilíngua é criminalizar o pensamento por meio da linguagem. A dissonância cognitiva se dá através do “duplipensamento”, que é justamente “defender ao mesmo tempo duas opiniões que se anulam uma à outra, sabendo que são contraditórias e acreditando nas duas; recorrer à lógica para questionar a lógica, repudiar a moralidade dizendo-se moralista, acreditar que a democracia era impossível e que o Partido era o guardião da democracia; esquecer tudo o que fosse preciso esquecer, depois reinstalar o esquecido na memória no momento em que ele se mostrasse necessário, depois esquecer tudo de novo sem o menor problema; e, acima de tudo, aplicar o mesmo processo ao processo em si. Esta a última sutileza: induzir conscientemente a inconsciência e depois, mais uma vez, tornar-se inconscientemente do ato de hipnose realizado pouco antes. Inclusive entender que o mundo em ‘duplipensamento’ envolvia o uso do duplipensamento”. Essa citação é bastante esclarecedora no sentido de compreender como funciona a mentalidade esquerdista socialista. Não são tais contradições verificadas nos discursos retóricos da nossa intelligentsia socialista? Ou seja, não é o mundo do “duplipensamento” que se impõe ao se buscar similaridade entre a mulher e a transexual?

O julgamento do caso do direito do transexual utilizar o banheiro feminino à época foi adiado pela divergência de opiniões entre os superministros. O Relator, Luís Roberto Barroso, se sustentou em Kant e na sua concepção de dignidade humana para justificar o seu voto favorável, afirmando “que dignidade é um valor ‘intrínseco’ a toda e qualquer pessoa, sendo dever do Estado garantir sua efetividade conforme as escolhas de cada um”. Em seguida disse “que o ‘suposto constrangimento’ causado às demais mulheres num banheiro feminino pela presença de uma transexual ‘não é comparável ao mal estar’ suportado por ela se tivesse que usar o banheiro masculino”. Para finalizar, o superministro-relator, exemplifica: “imagine-se o desconforto que teria uma pessoa como a Roberta Close ou uma pessoa como Rogéria se forem obrigadas a frequentarem um banheiro masculino, que seria uma agressão à natureza dessas pessoas, uma agressão à identidade dessas pessoas, ao modo como elas se percebem, ao modo como elas vivem as suas vidas”. Já o superministro Luiz Fux foi mais coerente e precavido: “na análise de temas com ‘desacordo moral tão expressivo” que dividem a sociedade, é preciso mais tempo para uma decisão definitiva do Supremo, citando ‘indagações populares’ sobre a questão”. 

À guisa de conclusão, a homossexualidade não é o problema, nunca foi, pois desde sempre há relações entre pessoas do mesmo sexo. O problema é quando se politiza a sexualidade para transformar a sociedade, modificando toda uma cultura por conta de um desejo vinculado a um prazer sexual. O que está por trás de tudo isso não é a defesa da dignidade da transexual, mas uma revolução social por meio da revolução sexual, revolução esta notadamente delineada pela Escola de Frankfurt através, por exemplo, de Herbert Marcuse. Dirá este em seu livro Contra-revolução e revolta: “a revolução sexual não é revolução se não se converter numa revolução do ser humano, se a libertação sexual não estiver em completa convergência com a moralidade política”. Essa libertação sexual nada mais é que a libertação dos instintos, onde esta se converterá, segundo Marcuse, “numa força de libertação social somente no grau em que a energia sexual se transformar em energia erótica, lutando por mudar o modo de vida numa escala política e social”.

Não considero razoável que uma opção sexual esteja acima de questões religiosas, morais e tradicionais enraizadas na cultura há mais de dois mil anos. Não considero razoável que os interesses de um pequeníssimo grupo estejam acima dos interesses da maioria. Somente na mente esquizofrênica da esquerda socialista o irrazoável se harmonizar dialeticamente com o razoável da mesma forma que o irracional e o racional, o verdadeiro e o falso. Só na mentalidade esquizofrênica da esquerda socialista a imagem não precisa ter qualquer correspondência com a realidade, pois vivem no mundo do duplipensamento, que é na verdade um mundo esquizofrênico.   

Dequex Araújo Silva Junior
Doutor em Ciências Sociais
Membro do Instituto Brasileiro de Segurança Pública
Membro fundador do Instituto Antônio Lacerda

domingo, 19 de maio de 2019

Em Defesa de uma Educação Qualitativa


No dia 15 de maio, alunos, professores e sindicalistas saíram às ruas para protestar contra o governo Bolsonaro por ter promovido cortes na educação federal. Mas como o próprio governo disse, não foi corte, mas contingenciamento, mas isso não importa para a ala da esquerda marxista, pois dissociar as palavras das coisas faz parte da estratégia revolucionária. Esta é uma forma de promover a barbárie como bem denunciou Mario Ferreira dos Santos, em sua obra Invasão vertical dos bárbaros: “Uma das mais tristes características de nossa época, e que já se vem processando há três séculos, e cada vez com mais acentuada insistência, é o esvaziamento das palavras dos seus verdadeiros conteúdos etimológicos e intencionais para, desse modo, ser possível mais eficientemente perturbar as consciências humanas e fazer com que a confusão, no campo das ideias, avassale todos os setores, a fim de favorecer ideias que servem a interesses inconfessáveis”.


Durante os governos de Lula e Dilma medidas como essa, quer corte, quer contingenciamento, foram adotadas, mas isso não importa para a mentalidade esquerdista revolucionária, pois eles estão acima do bem e do mal. Eles foram os eleitos pelos seus deuses (Marx, Lênin, Stálin, Lukács, Gramsci, Marcuse, Alinsky e outros tantos manipuladores de ideias) para construir um mundo melhor, não para todos (vide Cuba, Venezuela, Coreia do Norte etc.), mas para as elites, intelectual e política, que se apropriam de tudo através do Estado para proveito particular: a operação lava jato não deixa dúvidas, pelo menos para quem quer enxergar com os olhos da razão e do razoável e não com os olhos da paixão e da imoralidade.

Os insatisfeitos alegam que as universidades federais reduzirão suas produções acadêmicas com o contingenciamento, que eles nominam de corte. Mas é importante salientar que a comunidade acadêmica nacional tende a definir produtividade acadêmica como se produção de conhecimento fosse. Realmente deveria ser, mas no Brasil das universidades “politicamente corretas” e ideologicamente dominadas por um só discurso, essa sinonímia, grosso modo, não existe, pois a maioria dos trabalhos acadêmicos é desprovida de forma, justamente pela pouca capacidade intelectual dos seus realizadores, ou seja, pela pouca capacidade de apreender e manipular ideias complexas. Ademais, a maioria desses trabalhos visa propagar os interesses militantes da elite intelectual marxista-gramscista, que há mais de 30 anos impera nas universidades. Ou seja, se produz muita propaganda ideológica e menos conhecimento, pois o objeto de pesquisa não é percebido como ele é realmente, mas é ele manejado para se moldar aos interesses, às paixões e às conveniências dos seus autores. Com isso, a verdade objetiva dá lugar às verdades subjetivas, pois há uma supressão dos elementos estruturais dos objetos em prol da exaltação dos elementos estruturais dos sujeitos, especialmente os sensoriais. Não é por acaso que a realidade para esses pseudos pesquisadores é tão relativa. Também não é por acaso que os nossos professores de humanas, além de adorarem Hegel e Marx, admirem a gnoseologia kantiana, pois esta admite apenas um conhecimento ao nível das sensações, que permite, por sua vez, conhecer somente o fenômeno e nunca o númeno, ou seja, na gnoseologia kantiana não é possível conhecer a essência do objeto, mas apenas a sua aparência.

Permitam-me uma pequena digressão para explicar melhor essa questão da forma. Quando digo que um livro é um livro é porque ele contém a forma de um livro, ou seja, eu não posso dizer que um livro é um cavalo, pois aquele não possui a forma deste. Quando isso ocorre há uma falsidade lógica, como indica Mario Ferreira dos Santos, em sua obra Filosofia da afirmação e da negação. A falsidade lógica é uma não conformidade entre o ato intelectivo e o objeto formal. De forma contrária, a verdade lógica é a conformidade entre o ato intelectivo (o juízo) e o objeto formal. Na nossa realidade nacional, o desprezo pela forma se evidencia em todos os lugares (nas roupas, na arquitetura, na literatura, na música etc.). Isso se deve pela perda do senso de estilo, este, diz Richard M. Weaver, em sua obra As ideias têm consequências, “requer proporção (seja no espaço, seja no tempo), pois a proporção é o princípio regulador de uma estrutura, e esta é essencial para a percepção intelectual”. Ou seja, diferentemente da gnoseologia transcendental de Kant, o objeto não é algo que dependa exclusivamente do intelecto para ganhar uma forma, pois já possui uma estrutura independente, esta estrutura precisa ser respeitada. 
                    
Mas retornando ao propósito do artigo, não quero tratar de números ou quantidade, mas de qualidade, pois como também alertou Mario Ferreira dos Santos, em sua obra Filosofia da Crise, a ideologia esquerdista-marxista é uma “filosofia” do quantitativo, cuja tendência é “considerar os indivíduos apenas como números, como membros de uma coletividade”, tendendo a “desvalorizar o indivíduo e a valorizar apenas o componente do grupo, como o soldado, que é reduzido a um número de uma unidade, e que perde a sua personalidade ante o exército, que o considera apenas sob ângulos abstratistas”.

A crise da educação nacional não é uma questão quantitativa, mas qualitativa. Não é abrindo mais vagas nas escolas e universidades ou aumentando o número de trabalhos acadêmicos que o problema estará resolvido; não é despejando rios de dinheiro que fará da educação, uma educação melhor, mas modificando a forma de ensinar. Quando deixamos de adotar uma pedagogia mais escolástica, onde professor ensina e aluno aprende, para a malfadada pedagogia socioconstrutivista, onde ninguém ensina a ninguém, logo ninguém aprende nada, a hecatombe foi inevitável. Com esta pedagogia do “desoprimido”, os alunos também ficaram “descompensados”, onde não só deixam de saber corretamente ler, escrever, falar e realizar simples equações matemáticas, mas também de distinguir o certo do errado, o verdadeiro do falso, o real do irreal, o moral do imoral, ou seja, com essa pedagogia a perda do discernimento foi a consequência mais imediata e de proporções quase que irreversível, pelo menos para as gerações forjadas nesse modelo.
    
Em entrevista concedida a Laura Mattos, da Folha de São Paulo, publicada em 9 de maio de 2019, intitulada "Nova pedagogia cria alunos egocêntricos, afirma especialista sueca", a pedagoga sueca Inger Enkvist fez críticas ao modelo pedagógico centrado no aluno, que é o modelo socioconstrutivista e paulo freiriano adotado no país com a ascensão da esquerda marxista-gramscista. Para Enkvist a nova pedagogia se disseminou internacionalmente por um desejo da esquerda de criar um “novo homem”, sendo esse projeto tendo que iniciar com as crianças. “Pessoas que querem mudar a sociedade têm ido dar aulas e administrar escolas. A geração que entrou no campo da educação nos anos 1960 e 1970 foi muito influente. O que aconteceu é contraditório. Essa era uma geração antiautoritarismo. Contestava a sociedade autoritária, mas impôs sua própria autoridade. O que se espalhou foi um questionamento da autoridade como tradição e como aprendizado”, diz a pedagoga.

Quando questionada sobre a tendência do ensino centrado no aluno, Enkvist afirmou que essa tendência é enganosa, pois “normalmente se refere aos estudantes terem o direito de escolher o que aprender e em qual ritmo. Isso rompe a unidade da sala de aula e muda o papel do professor para alguém que precisa ter vários conteúdos diferentes para oferecer para os estudantes, os quais parecem trabalhar por conta própria. Aprendizado centrado no aluno é a solução para professores que têm que organizar o trabalho de estudantes com habilidades e interesses muito diferentes na mesma sala de aula. Porém, aprendizado eficiente é um conteúdo preparado e explicado por um professor”. Ela cita o exemplo de países como Cingapura, Hong Kong e Japão, que adotam uma pedagogia centrada no professor, que é de viés mais tradicional, e que está obtendo excelentes resultados.
      
Outra pergunta cuja reposta dada por Enkvist desconstrói uma das premissas básicas da nova pedagogia, especialmente a socioconstrutivista, é a de que se faz necessário técnicas psicopedagógicas mirabolantes para desenvolver habilidades sociais e emocionais nos alunos, favorecendo, assim, a aprendizagem. “Essa é mais uma falsa premissa. O ensino bom automaticamente desenvolve essas habilidades. Quando tudo funciona bem, o estudante no primeiro ano aprende a ser pontual, a se sentar quando deve sentar, a ouvir atentamente, a fazer perguntas educadamente, a participar em situações de aprendizado respeitando os outros alunos, a seguir instruções, a se concentrar em aprender, por exemplo, a ler, e a trabalhar de forma cuidadosa quando está aprendendo a escrever no livro de exercícios. Tudo isso é promover habilidades sociais e emocionais ao mesmo tempo em que se aprende o conteúdo. O que é um problema é quando a escola entende que ser centrada no aluno ou ser inclusiva é permitir que os alunos não sigam regras e instruções. Isso faz os alunos tão egocêntricos que, aí sim, eles precisam desse conhecimento extra de “habilidades sociais e emocionais”. 

No final da entrevista, quando perguntado a pedagoga sueca sobre a influência do politicamente correto na educação, ela argumentou o seguinte: “Se continuarmos a deixar que ideólogos ditem o que deve ser pesquisado, ensinado e dito, deixamos o campo da liberdade de pensamento que tem nos levado ao progresso. Devemos defender professores, pesquisadores e jornalistas que tentam se basear em fatos mais do que em ideologias”.

Qualquer estudioso sério na área de educação vai concordar com as respostas dadas pela pedagoga sueca e imputar ao modelo pedagógico centrado no aluno a total responsabilidade pelo fracasso educacional que hoje vivenciamos. Qualquer pessoa minimamente lúcida e desprovida de convicções ideológicas percebe que um modelo educacional que não se preocupa com a leitura, a escrita, a fala e a resolução de cálculos matemáticos, ou seja, que não se preocupa com o desenvolvimento cognitivo da criança com o fito de elevar o seu intelecto e, por conseguinte, a sua inteligência não pode ser nem considerado um modelo de educação, mas de deseducação. Mas a elite intelectual marxista vai contestar as evidências afirmando: ou que está tudo indo conforme o processo e que possíveis equívocos estão dentro do esperado; ou que o método pedagógico é eficiente, porém não está sendo devidamente aplicado.

Em suma, as manifestações do dia 15 de maio bem que poderiam ter sido em prol: do direito do professor ensinar e do aluno aprender; da despolitização da educação; do resgate da autoridade do professor e da disciplina em sala de aula; do retorno dos debates públicos nas universidades, onde as divergências intelectuais possam se manifestar livremente; da produção de conhecimento por meio de pesquisas que elevem a alta cultura, o discernimento e o entendimento dos alunos; enfim, da qualidade da educação e não, como eles insistem em defender, da quantidade de vagas, de cotas, de recursos, de trabalhos etc.

Dequex Araujo Silva Junior
Doutor em Ciências Sociais
Membro do Instituto Brasileiro de Segurança Pública
Membro fundador do Instituto Antônio Lacerda



segunda-feira, 4 de março de 2019

Uma luz no fim do túnel: o resgate do pensamento conservador


A eleição de Bolsonaro, tudo indica, colocou uma pá de cal nas pretensões dos progressistas, pelo menos momentaneamente, de se perpetuarem no poder e de prosseguir com o projeto revolucionário de subversão da ordem moral construída sob os alicerces da civilização ocidental cristã. É importante deixar claro que essa eleição não foi somente uma substituição de um governo de esquerda por um governo antiesquerda (não me refiro a um governo de direita, pois não vejo no Brasil atual qualquer postura política de direita, quer liberal, quer conservadora), mas a declaração explícita de uma parcela significativa da população de que já não suportava mais o relativismo moral e a falta de senso de obscenidade que assolam a nossa sociedade por conta de uma política deliberada de negação das tradições, dos costumes, das convenções e de tudo que representa a cultura superior, os valores superiores e a ordem moral cristã. 
 
Os discursos do então presidenciável Bolsonaro se direcionavam justamente para uma concepção moral que traz de volta valores considerados tradicionais, com ênfase na família e na religião católica. O slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” demonstra uma dupla preocupação: por um lado, com as questões nacionais, renegadas pelos progressistas globalistas, submissos aos interesses das organizações internacionais e multilaterais; e, por outro, com as questões espirituais, também renegadas pelos progressistas materialistas e ateus em prol do anticristianismo e de uma concepção imanente de mundo, totalmente desatrelada da noção de transcendência.

Entretanto, o itinerário que terá de percorrer o novo governo para reverter às consequências maléficas ocasionadas pela revolução cultural gramsciana dirigida pelos progressistas marxistas nessas ultimas quatro décadas será extremamente movediço, pois terá que transpor justamente a hegemonia criada por eles nos diversos ambientes, mais notadamente nos ambientes político e cultural. A transposição passa necessariamente, no meu entender, por uma reconstrução do pensamento conservador, que há muito foi solapado pelo cientificismo positivista e marxista, respectivamente, durante a República Velha e a República Nova (o pensamento conservador foi mais bem formulado no Segundo Reinado (1840-1889), com o ecletismo, o tradicionalismo e o espiritualismo católico como narra brilhantemente Antonio Paim em sua obra História das Ideias Filosóficas no Brasil).

O slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” resgata, no nosso entendimento, duas premissas do conservadorismo: o patriotismo e a religiosidade cristã. Como explica um dos principais expoentes do conservadorismo inglês atual, o filósofo Roger Scruton, em sua obra Uma filosofia política: argumentos para o conservadorismo, “o patriotismo republicano defendido por Maquiavel, Montesquieu e Mill é uma forma de lealdade nacional, não uma forma patológica como o nacionalismo, mas um amor natural pelo país, pelos compatriotas e pela cultura que os une. Os patriotas estão vinculados ao povo e ao território que são deles por direito; e o patriotismo implica uma tentativa de transformar esse direito em governo imparcial e em Estado de direito. Esse direito territorial básico está implícito na própria palavra: pátria é a “terra natal”, o lugar ao qual pertencemos e ao qual retornaremos, ainda que só em pensamento, no final de nossa perambulação”. Em suma, a pátria é uma forma de compartilhamento de um território, de uma história, de um idioma e de uma religião.


No Brasil, o surgimento do amor à pátria pode ser simbolizado por meio da criação da Guarda Nacional em 1831, justamente no final do Primeiro Reinado, período este que se dá o movimento antilusitano em prol do nacionalismo brasileiro. Conforme a historiadora Jeanne Berrance de Castro, em sua obra A milícia cidadã: a Guarda Nacional de 1831 a 1850, “Essa explosão nacionalista justificará o aparecimento, cinco meses depois, de uma Guarda Nacional cidadã, de uma milícia cívica”. A Guarda Nacional passou a ser o símbolo da nova nação. Criada pela Lei de 1831, “tornou-se”, diz Castro, “a principal força auxiliar da Menoridade e elemento básico na manutenção da integridade nacional”. No seu artigo primeiro está exposto todo o programa da Guarda Nacional: “defender a Constituição, a Liberdade, a Independência, e a Integridade do Império; manter a obediência às Leis, conservar, ou restabelecer a ordem e a tranquilidade pública, e auxiliar o Exército de linha na defesa das fronteiras e costas”.

Essa pequena lembrança da Guarda Nacional como símbolo de patriotismo nos permite faze uma ilação e entender a importância das Polícias Militares brasileiras não só como instituições responsáveis pela soberania interna e pela manutenção da ordem pública, mas como símbolos nacionais, símbolos da pátria, responsáveis pela integridade territorial desde 1825. A população brasileira tem reconhecido tal valor: nos últimos anos têm crescido a procura por escolas da Polícia Militar em todo o Brasil. Na Bahia há uma experiência recente de implantação em escolas municipais, por solicitação de prefeitos, do modelo adotado no Colégio da Polícia Militar (CPM), onde se incentiva o civismo, o patriotismo e o culto aos símbolos nacionais, culto este que também está sendo implantado pelo governo federal nas escolas.   


O resgate da religiosidade cristã significa a reconstrução da comunidade espiritual ou metafísica que foi sendo sufocada pelo materialismo marxista e pela Teologia da Libertação desde a segunda metade do século XX. A comunidade espiritual é definida por Richard M. Weaver, em seu livro As ideias têm consequências, como sendo aquela “na qual os homens relacionam-se no plano dos sentimentos e da solidariedade e onde, conscientes de sua singularidade, conservam uma unidade de um modo que nem sempre é proporcional ao aspecto externo de sua união”. Ademais, o resgate do culto cristão significa o retorno às nossas tradições culturais, pois religião e cultura são duas faces da mesma moeda. T.S. Eliot diz, em seu livro Notas para a definição de cultura, que há uma encarnação entre cultura e religião e que suscita a seguinte questão: “se o refinamento da cultura é a causa do progresso na religião, ou se o progresso na religião é a causa do refinamento da cultura”. Quando cultura e religião são consideradas dessa forma, evitamos incorrer, diz ele, em dois erros: “de que a cultura pode ser preservada, ampliada e desenvolvida na ausência da religião”; e “de que a preservação e a manutenção da religião não precisam levar em consideração a preservação e a manutenção da cultura”.

O Brasil, como fruto da obra civilizacional ocidental, é desde sua origem uma sociedade culturalmente católica, ou seja, uma comunidade metafísica cristã. Gilberto Freyre, em sua obra Casa-Grande & Senzala, retrata muito bem essa encarnação da cultura nacional com a religião católica, considerando esta como o cimento da nossa unidade nacional: “O Brasil formou-se, despreocupados os seus colonizadores da unidade ou pureza de raça. Durante quase todo o século XVI a colônia esteve escancarada a estrangeiros, só importando às autoridades coloniais que fossem de fé ou religião Católica”. Até um autor marxista como Caio Prado Júnior reconhece a importância da Igreja no nosso processo de formação cultural e espiritual. Em sua obra Formação do Brasil contemporâneo, ele diz: “A Igreja sempre honrou no Brasil sua tradição democrática, a maior força com que contou para a conquista espiritual do Ocidente. O que ocorreu na Europa medieval se repetiria na colonização do Brasil: a batina se tornaria o refúgio da inteligência e cultura; e isto porque é sobretudo em tal base que se faria a seleção para o clero”.

Para além do slogan citado pelo presidente Bolsonaro, este – juntamente com os ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez – ressaltou diversas vezes que o seu governo combateria a ideologia da esquerda disseminada no diversos setores da sociedade, mais notadamente nas escolas (alvo principal da revolução cultural). Essa sua ênfase no combate à ideologia nos remete também ao pensamento conservador e à defesa da política prudencial em oposição à política ideológica. Segundo um dos expoentes do conservadorismo norte-americano, Russell Kirk, em sua obra A política da prudência, a concepção conservadora é aquela que pensa nas políticas de Estado “como as que intentam preservar a ordem, a justiça e a liberdade”. Isso difere da política ideológica, pois utiliza a política como instrumento revolucionário com o fim de transformar a sociedade e até mesmo a natureza humana. Ressalta-se que o conservadorismo, nas palavras de Kirk, “não é uma ideologia, mas sim um complexo de pensamento e sentimento, um profundo apego às coisas permanentes”, e adota os seguintes princípios da política da prudência:

a)      “O político prudente sabe que ‘utopia’ significa ‘lugar nenhum’; que não se pode marchar em direção a uma Sião terrena; que a natureza e as instituições humanas são imperfeitas; que a ‘justiça’ agressiva na política acaba em massacre. A verdadeira religião é uma disciplina para a alma, não para o Estado”;


b)      “O político prudente tem plena consciência de que o propósito original do Estado é manter a paz. Isso só pode ser alcançado via a manutenção de um equilíbrio tolerável entre os grandes interesses da sociedade”;

c)       “Os políticos prudentes, rejeitando a ilusão de uma verdade política absoluta, diante da qual todo o cidadão deve se curvar, entendem que as estruturas políticas e econômicas não são meros produtos de uma teoria, a serem erigidos num dia e demolidos noutro; pelo contrário, instituições sociais se desenvolvem ao longo dos séculos, como se fossem orgânicas”.

Criou-se no imaginário popular brasileiro, fruto das falácias dos progressistas, que ser conservador é ser ditador, fascista, machista e ouras aberrações. A própria concepção trazida por Kirk de que o Estado deve garantir a ordem, a justiça e a liberdade já é o suficiente para desmistificar essa relação entre conservador e antidemocrata. Um dos mais importantes pensadores cristão e conservador do século XX, G.K. Chesterton, em sua obra magistral, intitulada Ortodoxia, nos deixa de herança dois brilhantes princípios que expressam a relação entre conservadorismo e democracia: “Este é o primeiro princípio da democracia: as coisas essenciais nos homens são as coisas que têm em comum, e não as coisas particulares. E o segundo princípio é este: que o instinto ou desejo político é uma dessas coisas comuns”. No primeiro princípio observa-se que Chesterton está se referindo à participação de todos os cidadãos na administração das coisas públicas. Em outra parte ele ressalta isso: “Em suma, esta é a fé democrática: as coisas mais terrivelmente importantes devem ser da alçada do homem comum – o cortejo amoroso, a educação dos jovens, as leis do Estado. Isso é democracia; e é nisso que sempre acreditei”. No segundo observa o resgate da ideia aristotélica de definição do homem como animal político. Os dois princípios trazem a ideia do homem livre e responsável, ou seja, do homem que faça suas coisas por conta própria, mesmo que faça errado.

Chesterton também estabelece uma relação entre democracia e tradição: “Nunca entendi de onde tiraram a ideia de que a democracia se opõe de alguma forma à tradição”. Para ele, a democracia é a própria tradição que se estende no tempo, confiando “no consenso das vozes comuns da humanidade e não em algum evento isolado ou arbitrário”. Para confirmar a sua premissa, ele traz à baila o exemplo da lenda: “A lenda é geralmente feita pela maioria da população de uma vila, que é sã. O livro é geralmente escrito pelo único homem da vila que é louco”. Em seguida traz o seguinte argumento: “Se damos grande importância à opinião unânime dos homens comuns quando lidamos com os assuntos cotidianos, não há porque desconsiderá-la quando lidamos com a história ou as fábulas”. Finalizando seu entendimento sobre a relação entre democracia e tradição, que o identifica com a concepção conservadora, Chesterton diz que a tradição “pode ser considerada como uma extensão do sufrágio eleitoral; o que significa “dar o voto à mais obscura de todas as classes, nosso ancestrais”. É dessa relação que tira o seu conceito de “democracia dos mortos”, onde a tradição “rejeita a submissão à oligarquia arrogante e mesquinha daqueles que por hora perambulam por aí”, bem como rejeita que os homens “sejam desqualificados pelo acidente da morte”, como fazem, por exemplo, os democratas que “rejeitam que os homens não possam votar por um acidente de nascimento”. Com isso, argumenta mais uma vez Chesterton, se a “democracia diz que não devemos desprezar a opinião de um homem bom, mesmo que seja nosso lacaio”, a tradição, por sua vez, “nos conclama a não negligenciar a opinião de um homem bom, mesmo que seja o nosso pai”.   

Dentro do atual contexto de crise moral e política, implantada pelos ideólogos progressistas, o desafio não só do governo, mas de todos aqueles que votaram em prol do pensamento conservador, mesmo de forma intuitiva, de resgatar os valores mais elevados, que serviram de sustentáculos para o desenvolvimento da civilização ocidental cristã, e de defesa dos costumes, das convenções e da ordem moral. É justamente o resgate do que outro grande pensador-conservador do século XX, C.S Lewis, em seu livro Cristianismo puro e simples, chamou de Regra de Comportamento Digno ou Lei da Natureza Humana. Ele cita esta lei no sentido de contestar o relativismo moral dos progressistas: “se nenhum conjunto de ideias morais fosse mais verdadeiro ou melhor do que o outro, não haveria sentido em preferir a moralidade civilizada à moralidade selvagem, ou a moralidade cristã à moralidade nazista”. Lewis está se referindo a uma moral objetiva, se contrapondo, assim, a moral subjetiva dos progressistas (no Brasil, por exemplo, todos se acham no direito de afirmar que possuem uma moral personalizada, elevando à enésima potência o relativismo moral, que desemboca no relativismo gnoseológico, onde cada um tem sua verdade). Essa moral objetiva é o padrão que mede morais distintas no tempo e no espaço, estabelecendo qual está mais próxima do que ele denominou de Moralidade Real: “se suas ideias morais podem ser mais verdadeiras e aquelas dos nazistas, menos, deve haver algo – alguma Moralidade Real – de acordo com a qual sejam verdadeiras”.

Em uma sociedade onde não há certo e errado, ou onde todo mundo está certo ou todo mundo está errado, onde a moral é extremante relativizada, não há qualquer possibilidade do uso de uma faculdade essencialmente humana: a faculdade de julgar. É a Lei de Natureza Humana, conforme C.S Lewis, que possibilita distinguir o que fazer e o que não fazer. E o que está por trás dessa lei é justamente Deus e, por conseguinte, a moral cristã fundada nos mandamentos divinos. É a moral cristã a grande balizadora dos comportamentos do homem ocidental desde o surgimento de Cristo, pois como afirma um dos maiores historiadores do cristianismo, Christopher Dawson, em sua obra Criação do Ocidente: a religião e a Civilização Medieval, não se pode entender as características do homem ocidental sem levar em consideração o papel do cristianismo como sustentáculo da cultura ocidental. É essa moral cristã, destruída pelos progressistas ateus e religiosos, que os conservadores defendem e a forma de resgatá-la é por meio da educação.

Dentro dessa possibilidade de retomada do pensamento conservador no Brasil, em oposição ao pensamento progressista, a educação torna-se a instituição social mais importante, pois como afirma Allan Bloom, em seu livro O Declínio da Cultura Ocidental: da crise da universidade à crise da sociedade, toda a educação tem uma finalidade moral. Se a educação tem uma finalidade moral e o conservadorismo não é somente um pensamento político, mas também uma concepção moral de mundo, então esta concepção só pode ser passada realmente por meio da educação, Mas não é qualquer forma de educação, mas aquela que possibilite aprender, ou seja, elevar o nível de entendimento sobre as coisas do mundo e sobre a própria vida.

Allan Bloom, como educador conservador, defende a educação liberal (conhecida também como educação clássica) e se opõe ao relativismo cultural e ao historicismo que se disseminou nas escolas e universidades norte-americanas a partir da segunda metade do século XX (caso semelhante ao que ocorreu no Brasil a partir do final do regime militar com a inclusão do socioconstrutivismo e da famigerada pedagogia marxista de Paulo Freire): “Negar a possibilidade de conhecer o bem e o mal corresponde a suprimir a verdadeira abertura [esta acompanha o desejo de saber, ou seja, tem a consciência da ignorância]. Uma atitude histórica correta levaria a duvidar da verdade do historicismo (concepção segundo a qual todo o pensamento está essencialmente correlacionado ao seu próprio tempo e não pode transcendê-lo) e a tratá-lo como uma peculiaridade da História contemporânea. Na verdade, o historicismo e o relativismo cultural são meios para evitar que se ponham à prova os nossos próprios preconceitos e que se indague, por exemplo, se os homens são efetivamente iguais ou se tal opinião não passa de um preconceito democrático”. Bloom prossegue: “Os preconceitos, preconceitos fortes, correspondem a visões de como as coisas são, a vaticínios sobre a ordem do todo das coisas e, portanto, sobre o caminho para o conhecimento do todo, por meio de opiniões errôneas a seu respeito. O erro é de fato nosso inimigo, mas só ele aponta para a verdade e, por conseguinte, merece tratamento respeitoso. A mente que não tem preconceitos, a princípio está vazia. Só pode ter sido formada por um método que não tem consciência da dificuldade de reconhecer que um preconceito é um preconceito”. 

As proposições e argumentações de Allan Bloom sobre a educação norte-americana são extremamente relevantes, pois ele vivenciou o que nós vivenciamos no Brasil e que a maioria vivencia no mundo ocidental, a saber: a deterioração da memória e da imaginação dos nossos jovens por meio de uma educação que eu denomino de genocida. Os métodos dos cientistas da educação, vinculados à psicopedagogia, simplesmente retiraram a possibilidade das crianças aprenderem com os contos de fadas ou literaturas ditas por Mortimer Adler (o maior educador do século XX), de imaginativas ou ficcionais. Ou seja, retiraram qualquer possibilidade de aprendizagem e, por conseguinte, de desenvolvimento cognitivo (não é por acaso que estamos há muito tempo figurando nas últimas colocações no ranking da educação mundial). Os nossos “gênios” progressistas da educação infantil defenestraram o lobo mau, a mula sem cabeça, o bicho papão, as fábulas de Monteiro Lobato e outras tantas, alegando, sem qualquer tipo de fundamentação razoável, que tais literaturas eram nocivas às crianças.

Para um conservador arguto como Chesterton, os contos de fadas estão em consonância com a tradição popular. Para ele há uma ética e uma filosofia nos contos de fada: “Há a grande lição de a ‘Bela e a Fera’: uma coisa deve ser amada antes de ser amável. Há a terrível alegoria de a “Bela Adormecida”, que nos narra como a criatura humana foi abençoada com todos os dons, mas ainda assim foi amaldiçoada pela morte; e como a própria morte pode, talvez, adormecer”. Ele fala da forma filosófica de descrever e explicar que estão contidas nos contos de fada: “As únicas palavras que já me saciaram como uma descrição da Natureza são os termos usados nos contos de fadas, como ‘feitiço’, ‘encanto’ e ‘magia’. Elas expressam a arbitrariedade do fato e seu mistério. Uma árvore cresce porque é uma árvore mágica. A água desce morro abaixo porque é encantada. O sol brilha porque é encantado”. Essa forma de linguagem, diz ele, “é perfeitamente racional e agnóstico”, pois é “a única forma de expressar em palavras minhas percepções clara e definida de que uma coisa é bem distinta da outra; que não há nenhuma conexão lógica entre voar e botar ovo”.

Chesterton, em sua brilhante e lúcida análise sobre a importância dos contos de fada, esclarece que as estórias narradas indicam, grosso modo, que não se experimenta um prazer sem um sacrifício simbólico (poderíamos também dizer que não se obtém um direito sem antes cumprir uma obrigação): “O traço característico do encantamento de uma fada sempre segue esta forma: ‘Você pode viver em um palácio de ouro e safiras, se (e somente se) não disser a palavra vaca’; ou ‘Você pode ser feliz para sempre com a filha do Rei, se não lhe mostrar uma cebola’. A visão está sempre pelo fio de um veto. Todas as coisas colossais e excitantes dependem de uma coisa pequena que é subtraída. Todas as coisas selvagens e rodopiantes que são livres dependem de uma única coisa que é proibida”. Essas mensagens educativas dadas pelos contos de fadas simplesmente foram condenadas pelos educadores progressistas em prol de uma retórica alienante que está destruindo a memória e a imaginação das nossas crianças, como ressalta Anthony Esolen, em seu livro Dez maneiras de destruir a imaginação do seu filho: “uma memória desenvolvida é um maravilhoso e terrível depósito de coisas vistas, ouvidas e feitas, e realiza atividades que nenhuma página de busca de internet é capaz de realizar. A memória é capaz de evocar de uma só vez coisas aparentemente desconexas, conformando-as em uma impressão única ou em um novo pensamento”. Isso os nossos educadores progressistas não querem, preferem, como salienta Esolen, sufocar a imaginação colocando a memória em xeque através de duas maneiras: “Podemos encorajar a preguiça, nunca insistindo que os jovens devam de fato dominar, por exemplo, as regras da multiplicação, ou a localização de cidades e rios e lagos no globo. Então podemos permitir que o que restou da memória seja preenchido com lixo”.

A repressão aos contos de fada pelos “educadores” progressistas engendra outra consequência danosa: a desconexão com a realidade através de uma suposta proteção. Como diz o meu amigo Bernardo Guimarães Ribeiro, em seu livro Nadando contra corrente: como a dificuldade em formar as próprias ideias abre espaço para ideologias irracionais: “A polêmica envolvendo Lobato [ele se refere à proibição velada imposta pelos professores às obras de Monteiro Lobato, acusando-as de racistas] é apenas uma das tantas abordagens realizadas por intelectuais e burocratas do Estado que, com propósitos de censura camuflada de boas intenções, acabam sonegando às crianças o acesso a uma literatura de alto nível e reconhecidamente rica e estimulante. Impedir o acesso, desqualificar ou mesmo destruir a literatura de Lobato equivale a pretender negar a escravidão com a demolição de todos os templos, igrejas, prédios, monumentos e todas as obras maravilhosas realizadas na face da Terra com as mãos dos escravos” (imaginem se cismarem com Aristóteles por ter sido a favor da escravidão ou por ter considerado a mulher inferior ao homem?). Ribeiro cita ainda outra consequência danosa promovida pelos “educadores” progressistas “protetores” de criancinhas: “A mania exagerada e desmedida de buscar ‘blindar’ a criança de todas as vicissitudes e frustrações intrínsecas às experiências da vida acaba por degenerar os próprios princípios protetivos das crianças. A sede exacerbada de proteção torna-a contraproducente, transformando crianças superprotegidas em adultos mimados e intolerantes à frustração, ou seja, em pessoas de baixa ou nenhuma resiliência”. Será coincidência a ida cada vez mais cedo de crianças para tratamentos psiquiátricos ou de jovens se automutilando nas escolas e dentro de casa? 
      
Atrelada à politização da educação, por meio da censura ideológica, vivenciamos também a censura linguística no campo político, por meio do politicamente correto. Esta, junto com aquela, cria um cenário totalitário, onde o logos, que significa discurso, e que faz parte da definição aristotélica de homem como animal político e falante, está sendo impedido de exercer sua capacidade reveladora. É justamente na ação e no discurso, diz Hannah Arendt, em seu livro A condição humana, que “os homens mostram quem são, revelam ativamente suas identidades pessoais e singulares, e assim apresentam-se ao mundo humano”. Como podemos nos revelar ou revelar a verdade dentro do espectro da ditadura do politicamente correto? É a pluralidade dos discursos e, por conseguinte, do pensamento que viabiliza a ação política democrática. Uma democracia sem preconceito não é democracia, é uma tirania. É justamente contra essa tirania do politicamente correto que o pensamento conservador se opõe de forma ferrenha. “Vivemos”, diz Kirk, “numa época em que o significado de antigas palavras, como tantas outras coisas, se tornou inseguro. ‘As palavras se distendem, /Estalam e muitas vezes se quebram, sob a carga’, como T.S Eliot (1888-1965) o diz. ‘No princípio era o Verbo’ (Jo 1,1). Hoje em dia, porém, o Verbo está sendo confrontado pela ideologia gigante, que perverte a palavra falada e escrita”.

Em suma, a temática aqui proposta não é a oposição entre direita e esquerda (como fiz no artigo Esquerda, Direita, Um, Dois: A Velha Nova Ordem Unida Política), mas entre conservadores e progressistas, quer sejam estes de esquerda ou de direita. Como alerta Benjamin Wilker, em seu livro 10 livros que todo conservador deve ler: mais quatro imperdíveis e um impostor, há uma diferença crucial entre conservadores e liberais no que tange à vida política e a moral: “Conservadores seguem uma política cautelosa, porque eles acreditam que o homem não é inteiramente maleável; e acreditam que a moralidade é objetiva e coloca limites no que os seres humanos podem e devem fazer” (vimos aqui). Os liberais, de forma contrária, “tendem a acreditar [...] que a moralidade é relativa, e que o homem é maleável e pode ser legitimamente sujeito à manipulação política para promover alguma noção inebriante de bem comum ou agilizar algum projeto ‘progressista’”. Pois bem, dentro dessa completa barafunda que vivemos, proporcionada pelos ditadores progressistas (no nosso caso são os da esquerda), a luz no fim do túnel é justamente o resgate do pensamento conservador, fundada, especialmente, na longa experiência da nossa espécie, e não em abstrações e sonhos idealizados pelos inconsequentes e fanfarrões progressistas.

Dequex Araujo Silva Junior
Doutor em Ciências Sociais
Membro do Instituto Brasileiro de Segurança Pública
Membro fundador do Instituto Antônio Lacerda