Recentemente o site GZH Educação trabalho (16/06/2022) divulgou
uma pesquisa indicando que 83,5% dos candidatos reprovados em processos de
programas de estágio e aprendizagem foi devido a insuficiência gramatical. Este é um efeito da baixíssima qualidade do ensino ministrado no país,
que desde 2000 só vem decrescendo, conforme o ranking do Programa Internacional
de Avaliação de Alunos (PISA) publicado pela Folha de São Paulo
(12/2019): em 2000 e 2003, o país ocupava a 37ª posição; em 2006, ocupava a 48ª
posição; em 2009, 2012 e 2015, o país estava ranqueado na 53ª, 55ª e 59ª
colocação, respectivamente; e, em 2018, última avaliação, o Brasil ocupava a
vergonhosa 57ª posição.
A causa dessa decadência cognitiva, como expus em outro artigo (Em defesa de uma educação qualitativa),
é o método socioconstrutivista, que passou a ser adotado pelas escolas públicas
e privadas em todo o país a partir da década de 1980. Na oportunidade,
entretanto, não aprofundei os malefícios causados por esse método pedagógico ao
intelecto dos jovens e adultos, bem como não estabeleci os fundamentos
filosóficos dessa aberração pedagógica. Este artigo visa justamente tratar mais
detalhadamente não só desse método, mas também da sua relação com o
materialismo histórico.
No artigo intitulado A influência do nominalismo na novilíngua comunista
inferir que uma das variantes do nominalismo é o materialismo histórico de Karl
Marx. Não obstante se declarar realista, o materialismo histórico nega a
verdade objetiva, pois para essa corrente a verdade é circunstancial, visto que
a realidade é dinâmica e historicamente localizada.
Na gnosiologia marxista, esclarece Marcos F. Martins, “o conhecimento
não pode ser traduzido como sendo o resultado de um processo acabado, mas um
processo cujo resultado se aproxima do que de fato existe na realidade, sem
nunca dominá-la, elucidá-la, a desvelá-la de forma completa, definitivamente”. Isto
é, na teoria do conhecimento marxista “o conhecimento não é realidade mesma,
com todos as suas nuanças, sua concretude, mas somente representação dela, que
não consegue traduzir toda as suas características constitutivas, até mesmo
porque sua riqueza é dinâmica e a consciência que temos dela é um retrato –
algo estático – de um de seus momentos”.
Verifica-se que o pseudo realismo do materialismo histórico ocorre
porque Marx parte de uma concepção errônea do objeto (do ser). Para essa
corrente, diz Martins, “o objeto varia em seu conteúdo e em sua forma”;
transformando-se tanto quantitativa como qualitativamente no devir histórico. Com efeito, explica Gustavo Corção, o materialismo não crê nas formas,
na autonomia e no primado da forma sobre a matéria, do ato sobre a potência, sendo,
assim, todas as formas vistas como acidentais, seguindo, assim, a concepção
nominalista que define as coisas não pela substância, mas pelos acidentes,
conforme expus no artigo acima citado. Ou seja, a estrutura ontológica do
objeto é totalmente desconsiderada pela gnosiologia marxista, não podendo assim
ser considerada como realista, pois para essa solução metafísica do problema da
essência do conhecimento, o objeto não é só independente do sujeito, como
também possui estrutura ontológica própria e inteligível.
Sendo a verdade, no sentido materialista marxiano, sempre relativa, um
processo em construção, não poderia ter outra forma de critério de verdade a
não ser a práxis. Esta, diz Martins, “é o fundamento do conhecimento
pois este não se realiza fora da atividade prática do sujeito, ela é seu ponto
de partida, a sua base; somente por meio da práxis é que o sujeito é
motivado a produzir e efetivamente produz conhecimento sobre os objetos e
fenômenos”.
Nada mais nominalista do que essa subordinação do conhecimento à práxis.
Como ressalta Corção, as “correntes filosóficas derivadas do velho nominalismo
puseram na cultura de nosso tempo um certo comprazimento diante do espetáculo
das mutações, e trouxeram às ciências um furor de particularização com o
correlato desprestígio da especulação que ainda pretende contemplar as essências.
Daí essa febre moderna de engajamento, de subordinação de todo o conhecimento a
uma práxis”.
A gnosiologia marxista visa, como podemos observar, o transitório, o
efêmero, o contingente; é uma filosofia do “vir a ser”. Logo, é uma concepção
naturalista, como declara René Guénon, pois é “uma negação formal de tudo
quanto está além da natureza, isto é, do domínio metafísico, que é o domínio dos
princípios imutáveis e eternos”. E se tomarmos como base a metafísica platônica dos dois mundos, mundo
das essências e mundo das aparências, mundo das ideias e mundo sensível, verifica-se
que a metafísica materialista de Marx só admite o mundo sensível, sendo este
dividido em estrutura e supraestrutura.
Tratados dos antecedentes mediato e imediato, nominalismo e materialismo
histórico, respectivamente, vamos tratar agora do consequente, o
socioconstrutivismo. Esta abordagem sócio-histórica do ensino nasceu, diz Kátia
S. Benedetti em sua obra A falácia socioconstrutivista, da fusão do Whole
Language (WL), do construtivismo de Piaget, do sociointeracionismo de Vygotsky e
da Psicogênese da Linguagem Escrita (PLE) de Emília Ferreiro e Ana Teberosky.
O socioconstrutivismo se opõe ao método de alfabetização fundado na
relação ensino-aprendizagem, que, por sua vez, se baseia na abordagem sintética
e nos métodos fônicos, que estabelece a correspondência grafema-fonema,
ou seja, letra-som. A abordagem sintética ou tradicional estabelece, conforme
Benedetti, que “o aprendizado da escrita deveria ser feito por meio da
decodificação grafofonêmica (letra-som) e síntese das menores unidades
fonográficas (letra-fonema e sílaba) em direção às palavras, frases e textos”.
É com essa abordagem que surge “os métodos de soletração, também conhecidos
como cartilhas, abecedário ou silabários”, que são “classificados como
sintéticos porque tomam como unidade de ensino as menores partes da palavra
(letra, fonema e sílabas) para combiná-las em direção ao todo (palavra, frase,
texto)”. Essa abordagem parte da “identificação das letras (a partir do seu
nome) com os seus valores sonoros (fonema que representa), ou seja, a decodificação
grafofonêmica e posterior silabação”.
Da abordagem sintética surgem os métodos fônicos, criados em meados do
século XVIII na Alemanha e na França. “O pressuposto básico e fundamental dos
métodos fônicos”, diz Benedetti, “é considerar a escrita, antes de mais nada,
como transcrição fonológico da fala”. O foco dessa alfabetização é “levar os
alunos a dominar o princípio alfabético, ou seja, a compreender que a cadeia de
letras das palavras representa o seu som/pronúncia, e não o seu significado”.
Somente após passar pelo processo de decodificação e codificação grafofonêmica é
que “os alunos começam a desenvolver as habilidades de uso da linguagem
escrita”.
Também é adotado pelos métodos fônicos a soletração, que é a relação
entre leitura e escrita. A soletração, conforme Benedetti, possibilita “que o
aluno compreenda que o código alfabético é reversível, ou seja, pode ser
codificado (escrita) e decodificado (leitura); prioriza a escrita de cada letra
(caligrafia), simultaneamente à realização de seu som/fonema correspondente e,
conforme o aprendizado avança, o ensino evolui progressivamente em direção à
ortografia e a suas irregularidades”.
A diferença principal entre os métodos fônicos e a soletração
encontra-se, diz Benedetti, na “unidade básica inicial do ensino
(correspondência grafema-fonema) e o foco da abordagem: enquanto os primeiros
priorizam a percepção sonora (tanto a produção dos fonemas, com todo o
trabalho de articulação e pronúncia, e sua discriminação e reconhecimento
auditivo) associada ao reconhecimento visual das letras, os métodos de
soletração priorizam o ensino do nome das letras (em vez de seu valor
sonoro), seu reconhecimento visual e sua participação na composição das
sílabas. Nos métodos de soletração o trabalho fonológico é minimizado em favor
da silabação e do trabalho de reconhecimento visual das letras e sílabas”. Os dois métodos sintéticos diferem apenas no aspecto fonológico, diz a
autora: “os métodos de soletração priorizam a silabação, isto é, a
fragmentação das palavras em suas menores unidades pronunciáveis, as sílabas,
ao invés de priorizar os fonemas”.
Para contestar o modelo ensino-aprendizagem de alfabetização (abordagem
sintéticas, métodos fônicos e silábicos), os socioconstrutivistas partiram do
pressuposto errôneo da “equiparação da natureza da linguagem verbal (fala) com
a da linguagem escrita”, declara Benedetti. Esse pressuposto tem sua origem na teoria
psicogenética de Piaget, que se constitui numa teoria do desenvolvimento
cognitivo humano, que busca descrever tal desenvolvimento do nascimento até a
idade adulta. “Para Piaget”, explica Benedetti, “a criança não seria um ser
‘passivo’ diante do próprio aprendizado, no que se refere a somente assimilar
informações do meio; ao contrário, a criança construiria seus esquemas mentais
e sua bagagem de conhecimentos por meio da deliberada ação e manipulação dos
objetos do mundo”. Assim, “por meio da interação com os objetos de conhecimento, a criança,
paulatinamente, desenvolveria novos esquemas mentais, decorrentes de processos
cognitivos que Piaget denomina de assimilação, acomodação e equilibração”, sendo esses processos “subjacente à construção do conhecimento”. Por isso, a teoria cognitiva de Piaget recebeu o nome de construtivismo.
Emília Ferreiro e Ana Teberosky, baseadas na teoria construtivista de
Piaget, desenvolveram a Psicogênese da língua Escrita (PLE). Conforme
Ferreiro, diz Benedetti, “até o processo de alfabetização se concluir, a
criança passa por uma evolução regular de fases cognitivas (aspectos
ontológicos) marcadas pelo surgimento de hipóteses sobre a natureza do
código escrito (ideia baseada no conceito piagetiano de esquemas mentais)”.
Essa “perspectiva psicogenética de Ferreiro levou a considerar a alfabetização
não como um aprendizado, uma aquisição cultural, mas sim como uma fase
universal de desenvolvimento cognitivo humano, tal como a aquisição da
linguagem verbal (fala)”. Isto é, dentro da perspectiva da PLE, “a escrita seria uma conjunto de
marcas sociais, culturalmente construídas, que cada criança reconstruiria em
seu processo de alfabetização. A escrita, portanto, evoluiria espontaneamente
no indivíduo tal como evolui nas culturas humanas, ou seja, tal como a escrita,
em muitas sociedades, evoluiu dos desenhos ou pictogramas (fase pictórica) para
os símbolos ou ideogramas (fase ideográfica), terminando nas escritas
alfabéticas, o mesmo ocorreria com cada criança, desde que devidamente
estimulada”.
Surge com a PLE aquilo que a pedagoga sueca Inger Enkvist, citada no meu artigo
Em Defesa da Educação Qualitativa, denominou de modelo pedagógico
centrado no aluno, pois o prioriza como sujeito autônomo do conhecimento.
“Até compreender o princípio alfabético e as apropriar definitivamente desse
código representativo, a criança, segundo Ferreiro, se esforçará para adequar
suas hipóteses à realidade escrita e fará isso de forma autônoma, sem
necessidade do ensino explícito, sistemático e progressivo da relação
grafema-fonema, tal como propõem os métodos de alfabetização”, diz Benedetti.
As consequências da PLE no processo de ensino/aprendizagem foram nefastas,
declara Benedetti: “ao invés de o professor ensinar e ajudar seu aluno a
aprender, passa a ter que ‘estudar’ e ‘analisar’ as produções escritas ‘não
convencionais’ dos alunos até descobrir quais são suas hipóteses de leitura! As
sequelas desse equívoco são facilmente perceptíveis pelo desempenho ortográfico
e leitor dos alunos brasileiros nas provas nacionais e internacionais de
leitura e escrita. Eles não aprenderam a ler e escrever, pois não foram
ensinados”.
A passagem da PLE para o socioconstrutivismo foi intermediada pela
perspectiva sociointeracionista de Vygotsky, juntamente com outros
teóricos da teoria da aprendizagem social. Para os adeptos desta teoria,
ressalta Benedetti, “a essência propulsora do progresso cognitivo é a interação
social”. Eles adotam “o conceito de ‘aprendizagem por conflito sociocognitivo’,
segundo o qual a natureza do desenvolvimento cognitivo é psicossocial e não
apenas ‘construtivista’ como a concebe Piaget”.
Vygotsky, da mesma forma que Piaget, desenvolveu uma teoria do
desenvolvimento cognitivo humano, mas, difere deste, pois o psicólogo russo não
fundamentou sua teoria na maturação biológica hereditária do indivíduo, e sim
no marxismo histórico. Conforme Benedetti, “Vygotsky coloca a linguagem
e os conhecimentos historicamente construídos no centro do processo de
desenvolvimento do psiquismo humano”. Ele “explica o desenvolvimento das
habilidades cognitivas humanas como resultado das relações do indivíduo com o
meio, mediadas pela linguagem”. Para o psicólogo marxista, “não se pode separar
o desenvolvimento da linguagem do desenvolvimento do pensamento humana
(psiquismo, de uma maneira geral)”.
Para não fugir à regra marxista, Vygotsky parte do pressuposto errado,
pois, explica Benedetti, “não é a linguagem que engendra o psiquismo humano,
mas exatamente o oposto: é a natureza do pensamento que configura a natureza da
linguagem, isto é, são as habilidades ou especificidades do pensamento humano
(classificação, categorias, sequenciação, generalização, agrupamento,
raciocínio lógico, pensamento simbólico etc.) que engendram a linguagem e toda
a sua estruturação morfossintática”. Isso significa, complementa a autora, que a “linguagem verbal reflete a
maneira como o cérebro humano pensa e apreende o mundo”.
Sobre a função da linguagem, permitam-me uma breve digressão para citar
a Imã Miriam Joseph e o seu clássico livro O Trivium, que coloca o antecedente
e o consequente no seu devido lugar. Ela diz que a função da linguagem é
tripla: “comunicar pensamento, volição e emoção”. O homem, juntamente com
outros animais, “pode comunicar emoções como medo, a raiva ou a satisfação
através de gritos ou exclamações, que em linguagem humana são chamadas
interjeições”. Mas, “os gritos dos animais nunca podem ser unidos de modo a
formar frases; são sempre meras interjeições, e estas, mesmo na fala humana,
não podem ser assimiladas na estrutura da frase”. Todavia, prossegue a autora,
“os seres humanos não estão limitados, como os outros animais, a expressar seus
sentimentos apenas por meio de interjeições; eles podem usar frases”.
As palavras da Irmão Joseph confirmam
justamente que a teoria de Vygotsky é completamente equivocada como afirma
Benedetti, pois o pensamento antecede a linguagem da mesma forma que o pai
antecede o filho. Como poderia a linguagem expressar um pensamento se este
fosse o consequente daquela?
Retornando ao sociointeracionismo, Vygotsky fundamenta sua teoria do
desenvolvimento cognitivo na perspectiva interacionista. Mas, diferente de
Piaget, diz Benedetti, “Vygotsky não priorizava o aspecto psicogenético do
desenvolvimento, mas afirmava que as habilidades cognitivas e as formas de
pensamento de cada indivíduo eram produto da apropriação (esta realizada
principalmente por meio da linguagem) dos conhecimentos e formas de pensamento
historicamente construídas pela humanidade”. Para o psicólogo russo, “as aprendizagens
impulsionavam o desenvolvimento cognitivo, aos passo que para Piaget as
aprendizagens dependiam e resultavam desse desenvolvimento”. O psicólogo suíço
“considerava o desenvolvimento cognitivo interdependente em relação ao meio e
adaptativo a ele, uma construção ativa do indivíduo baseada na maturação
psicofísica em interação com esse meio”. Desta forma, o comportamento
imitativo, para Piaget, “não tinha grande relevância, pois a aprendizagem e o
conhecimento dela decorrente só aconteceriam a partir da ação (física e mental)
do indivíduo (autônomo) em relação aos objetos/situações/problemas”. Vygotsky,
de forma contrária, “considerava todo desenvolvimento psíquico humano
decorrente das interações sociais, da apropriação de conhecimentos, saberes, valores
e formas de pensamento socialmente disponíveis e historicamente constituídas”.
A imitação é para ele, assim, “um dos comportamentos base de toda aprendizagem,
pois permitiria que a criança, tentando imitar um comportamento que ela ainda não
domina e a partir de suas potencialidades, desenvolvesse novas habilidades (ou
esquemas cognitivos)”.
O socioconstrutivismo, como método pedagógico, foi uma absorção das
teorias cognitivas de Piaget e de Vygotsky, com ingredientes ainda da WT e da
PLE de Emília Ferreiro. Essa bomba foi o novo paradigma educacional, que
implantou, na prática, diz Benedetti, “a cultura antiensino,
antitransmissão de conhecimentos ‘prontos’ em todos os sistemas de ensino do
país, públicos ou privados”.
A partir de um sistema de erros conceituais, diz a autora, “os
documentos oficiais do MEC sobre alfabetização, em especial os PCNs, retiraram
qualquer objetividade na avaliação da alfabetização dos alunos, obscurecendo a
realidade da falta de ensino, camuflando problemas de aprendizagem e o próprio
analfabetismo decorrente do não-ensino”. Na ausência de critérios para se
definir o que era ser, de fato, alfabetizado, prossegue a autora, “a escola
passou a considerar e aceitar o avanço de alunos analfabetos pelas séries posteriores
do ensino fundamental, considerando-os como alfabetizados, ainda que não
apresentassem uma ‘escrita convencional’”.
Com a incorporação dos conceitos do sociointeracionismo de Vygotsky, o
socioconstrutivismo, diz Benedetti, “tornou-se a ponte entre a área pedagógica
e as teorias pós-modernas advindas do marxismo cultural”. Influenciados por
Michel Foucault, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, entre outros, “a área
educacional começou a ser dominada por trabalhos acadêmicos polêmicos, cada vez
mais numerosos, que denunciavam o suposto ‘reprodutivismo escolar’ e a opressão
dos alunos por um sistema de ensino ultrapassado, ‘tradicional’, baseado na
‘transmissão de conhecimentos prontos’, um sistema cuja estrutura hierárquica,
disciplinar e curricular seria representante dos interesses das ‘classes
dominantes’ (e, portanto, os ensinamentos escolares seriam distantes da
realidade do aluno)”.
Essa aproximação entre educação e marxismo cultural criou, declara
Benedetti, “uma ‘impressionante’ produção teórica, de maneira que as
‘pedagogias críticas’ começaram a pipocar e os aspectos mais elementares do
processo ensino-aprendizagem passaram a ser problematizados a partir do viés
histórico-crítico marxista: a transmissão de conhecimento, a relação
professor-aluno, as avaliações, o currículo etc.”. As aplicações das teorias
marxistas na educação resultaram, prossegue a autora, “numa infinidade de
‘novos conceitos’ e, no que diz respeito ao ensino das línguas, levaram à
mudança da própria concepção de linguagem, que passou a ser concebida do ponto
de vista político-ideológico e não mais estrutural”.
Dentro dessa nova realidade educacional imposta pelo
socioconstrutivismo, nasce um novo conceito de letramento, conforme
Benedetti, e que impõe uma “nova maneira de se conceber o papel da
leitura-escrita no mundo social: como prática social que fundamenta a autonomia
dos sujeitos. Ou seja: o simples uso que as pessoas fazem da leitura-escrita
passou a ser inteiramente problematizado e discutido pela academia sob o viés
ideológico”.
O letramento, mas do que a própria alfabetização, não se limitaria, diz
Benedetti, “a apenas ensinar a ler e escrever, no sentido de
decodificar/codificar a cadeia de letras; antes caberia à escola formar ‘leitores-escritores’,
‘pensadores críticos’; caberia à escola democratizar as práticas sociais de
leitura e escrita (letramento), permitindo que os diferentes grupos sociais
delas se apropriassem e se transformassem em ‘cidadãos autônomos’”. Ou seja, “o
letramento diferiria da alfabetização porque, enquanto esta última limita-se ao
domínio da técnica da leitura-escrita, o primeiro refere-se ao uso social da
leitura-escrita, implicando as consequências cognitivas, culturais, sociais
e políticas que esse acarreta”. Conforme os adeptos do letramento, “ser
alfabetizado implica ter o conhecimento do código da escrita alfabética, ao
passo que ser letrado implica a capacidade de fazer uso deliberado e produtivo
da leitura-escrita”.
Com a adoção desse sincretismo pedagógico por parte do sistema de ensino
nacional, “a alfabetização e o ensino de língua portuguesa renderam-se
completamente”, segundo Benedetti, “à pseudocientífica história-crítica (ou
sócio-histórica) da linguística da enunciação, segundo a qual a língua não deve
ser concebida (e ensinada) como um sistema, mas sim como um objeto social. A
área educacional foi então denominada pela rejeição à concepção de
ensino-aprendizagem como processo de transmissão-apropriação de conhecimentos,
e substituída pela concepção de ensino como processo de desenvolvimento de
habilidades e modelagens de comportamentos”.
Dentro dessa nova perspectiva educacional e pedagógica, prossegue
Benedetti, “a língua se materializa nos gêneros discursivos, daí todo o
ensino de língua portuguesa, desde a alfabetização, basear-se na análise de
gêneros textuais, de maneira que hoje não é mais possível encontrar documentos
oficiais, currículos ou materiais didáticos e paradidáticos que não estejam
inteiramente condicionados por essas falácias”.
Esse amalgama de construtivismo, sociointeracionismo, PLE, letramento e
outros equívocos “resultou”, diz Benedetti, “na desestruturação dos currículos
e, ainda, em outra ferramenta para responsabilizar apenas os professores
pelos fracasso educacional, mas não os idealizadores das diretrizes
teórico-metodológicas e curriculares do sistema nacional de ensino”. Para
completar o desastre educacional, complementa a autora, somaram-se ainda a
essas teorias e métodos falaciosos as narrativas revolucionárias de justiça
social e diversidade.
É dentro desse contexto disruptivo da nossa educação que passa a ser
substituído, declara Benedetti, “termos como ‘ensino’ por ‘educação’,
‘professor’ por ‘educador’, de se transformar a escola em local de ‘interação
social’, ‘construção de subjetividades’ e de ‘desenvolvimento de competências,
atitudes e comportamentos’ ao invés de local de transmissão de conhecimento”.
Concomitantemente “iniciou-se também o processo de negação da hierarquia
professor-aluno e da essência do processo de ensino-aprendizagem: a transmissão
de conhecimentos [inclusive essa expressão foi substituída pela malfadada produção
de conhecimentos]”.
O resultado funesto causado pelo socioconstrutivismo foi o nivelamento
por baixo da educação nacional. Todo o trabalho escolar começou”, declara
Benedetti, “a ser voltado apenas para discutir os problemas de aprendizagem, de
ausência e de indisciplina, agora vistos como responsabilidade da escola e dos
professores”. No que tange à repetência, o famigerado sistema de ciclos,
prossegue a autora, só “camuflou a aprendizagem precária e insuficiente da
maioria dos alunos, aprovando-os mesmo sem qualquer condição, o que fica
perfeitamente evidente pelos índices de desempenho dos alunos brasileiros nas
avaliações nacionais e internacionais de leitura, escrita e conhecimentos
gerais”.
Para elevar ainda mais o desastre educacional, com o sistema de ciclos,
declara Benedetti, “veio o discurso do politicamente correto e o imperativo da inclusão
(que, aliás, segundo estudos experimentais, tem se mostrado catastrófico para
as crianças com déficits sensoriais ou de aprendizado)”. Isto é, “o ensino brasileiro não poderia ser mais contraproducente e
nocivo para as nossas crianças e jovens, ainda mais para aqueles com qualquer
tipo de déficit ou necessidade especial”.
Como afirmei no título deste artigo, o socioconstrutivismo é o método
pedagógico do materialismo histórico de Marx. E foi justamente baseado nos
pressupostos da teoria do conhecimento de Marx, por conseguinte, no próprio
nominalismo (que refuta as verdades universais), que vai se implantar na
educação nacional o relativismo pedagógico: o certo e o errado passam a
ser relativos.
Dentro dessa perspectiva pedagógica, diz Benedetti, o aluno “não deve
mais ser considerado como um aprendiz que comete erros, mas como um ser em
desenvolvimento ou, ainda, como o ‘sujeito do próprio aprendizado’”. Ademais,
os “erros de aprendizagem passam a ser denominados ‘inconsistências’ e
interpretados como expressão da ‘fase cognitiva’ do aluno, de sua autonomia
diante das tentativas de ‘construir’ a própria escrita”, onde os “erros de
qualquer natureza, passaram a ser cada vez mais aceitos devido ao receio de que
as correções atrapalhassem ou tolhessem o processo espontâneo de
desenvolvimento da linguagem escrita da criança”.
O relativismo pedagógico, na prática, diz Benedetti, levou à permissividade
pedagógica. A gramática tradicional, normativa e descritiva tornou-se alvo
dos relativistas, em prol de um “conhecimento espontâneo e intuitivo do
falante”. Com isso, o ensino de português “deixa de ser levar os alunos a
compreender a estrutura da língua e a lógica de seu funcionamento, a conhecer e
dominar suas regras básicas e passa a ser ‘ensinar o aluno a pensar
criticamente’, ‘desenvolver suas competências comunicativas’ a ‘se posicionar
no mundo enquanto cidadão’, ‘reconhecer os diversos discursos’”.
Ora, se o conhecimento é adquirido (e não produzido) através da
apreensão dos elementos constitutivos do objeto por meio do pensamento, sendo correto
a conformidade entre o pensamento e o objeto, e errado a não
conformidade entre os dois elementos, então a relativização do certo e
errado vai conduzir o aluno à deformidade cognitiva, que refletirá diretamente na
escrita e na tríplice função da linguagem, pois o aluno não saberá expressar o
que pensa, a sua vontade e suas emoções, bem como não saberá descrever a
realidade circundante.
O socioconstrutivismo vai também problematizar, diz Benedetti, “a
natureza e a função dos currículos e das avaliações escolares, iniciando-se a
era das teorias do currículo (teorias críticas e pós-críticas do
currículo) e das teorias da avaliação educacional. Essas teorias,
contudo, serviram apenas para encharcar ainda mais a educação com a ideologia
marxista, retirando todo e qualquer objetividade e sensatez de sua organização”.
A partir disso, “iniciou-se um terrível processo de negação e desmonte, tanto
dos currículos, como das avaliações, considerando agora como mecanismos
opressores e mantenedores das diferenças entre as classes sociais”.
Ressalta-se
que o socioconstrutivismo não se restringe ao Brasil. É o método adotado pelos globalistas,
escolhido pela Unesco para o controle psicológico através da educação, tornando-se o
principal veículo da revolução cultural e do governo mundial. A reforma pedagógica, segundo Pascal
Bernardin, “quer substituir os ensinamentos clássicos e cognitivos por um ensino
‘multidimensional e não cognitivo’ que toque em todos os componentes da personalidade:
ético, afetivo, social, cívico, político, espiritual, psicológico”. Ela busca “esvaziar
os ensinamentos de seus conteúdos (cognitivos) para substituí-los por um
doutrinamento criptocomunista e globalista, que vise a modificar os valores, as
atitudes e os comportamentos”.
Um dos fundadores do socialismo fabiano e adepto de
um governo mundial, H. G. Wells, em sua obra A Conspiração Aberta: diagramas
para uma revolução mundial, faz menção às reformas educacionais para
atender os anseios do seu projeto imperial: “Desde seu princípio, a Conspiração
Aberta se determinará a influenciar o maquinário educacional existente, mas por
um longo tempo ela se perceberá confrontada nas escolas e faculdades por poderosas
autoridades religiosas e políticas determinadas a retroceder as crianças para o
ponto onde foram colocadas por seus pais, ou até mesmo para antes deste”. Na
proposta pedagógica dos conspiradores abertos, “Escolas bem-sucedidas se tornariam
laboratórios de métodos educacionais e de padrões para novas escolas públicas”.
Na pedagogia revolucionário desses profetas do novo mundo, as crianças “aprenderão
a falar, desenhar, pensar e calcular de forma lúcida e sutil, e suas mentes
vigorosas receberão conceitos amplos de história, biologia e progresso
mecânico, as bases do novo mundo, natural e artificial”.
Finalizo
este breve ensaio com dois expoentes do século XX, um no âmbito da literatura e
outro no âmbito da filosofia, que nos revela seus entendimentos sobre a verdadeira
arte de educar. A respeito do pensamento educacional contemporâneo, T. S.
Eliot diz que há uma aceitação entusiástica de que o ensino deva servir como
instrumento para a realização de ideias sociais. Diante desse quadro ele
ressalta que: “Seria uma pena se negligenciássemos as possibilidades da
educação como meio de aquisição de sabedoria; se menosprezássemos a
aquisição de conhecimento pela satisfação da curiosidade, sem qualquer
outro motivo que não o desejo de conhecer; e se perdêssemos nosso respeito pelo
aprendizado”. Para o nosso filósofo Mário Ferreira dos Santos, “toda a pedagogia deve
ter como supremo ideal ajudar a construir homens de mentalidade sã, capazes de
conviver fraternalmente com os seus semelhantes”.
Como constatamos nessa breve abordagem, a pedagogia
socioconstrutivista e suas precursoras estão muito longe de possibilitarem uma
educação que vise a aquisição do conhecimento e da sabedoria, muito menos
construir homens de mente sã, muito pelo contrário, elas adoeceram a
mentalidade humana com o seu ensino não-cognitivo e idelogicamente enviesado. O
resultado nefasto todos nós conhecemos.