quarta-feira, 13 de novembro de 2024

O NOVO ANTISSEMITISMO

 

        


    O antissemitismo surgiu na Europa no último terço do século XIX com o advento do imperialismo pós Primeira Guerra Mundial. Esse sentimento antissemita parece surgir primeiro como uma forma de discriminação social, mais especificamente uma discriminação de classe, como ilustra Hannah Arendt em sua obra Origens do totalitarismo: “os judeus diferiam das demais classes por causa da sua relação especial com o Estado, diferiam de todas as outras nacionalidades na Áustria por causa da sua relação especial com a monarquia dos Habsburgos”. Com isso, “toda classe que entrava em conflito aberto com o Estado virava antissemita, assim, na Áustria, toda a nacionalidade que entrava em conflito aberto com a monarquia iniciava seu combate atacando os judeus”.

    Para Arendt foi a imposição da condição de igualdade que alimentou os processos discriminatórios, criando, assim, um paradoxo: “Quanto mais tendem as condições para a igualdade, mais difícil se torna explicar as diferenças que realmente existem entre pessoas”. Com isso, “fugindo da aceitação racional dessa tendência, os indivíduos que se julgam de fato iguais entre si formam grupos que se tornam mais fechados com relação aos outros e, com isto, diferentes”. Essa modificação do sentido da igualdade, passando do conceito político para o conceito social, tona-se “ainda mais perigosa quando uma sociedade deixa pouca margem de atuação para grupos e indivíduos especiais, pois então suas diferenças com relação à maioria se tornam ainda conspícuas”.

    O grande desafio da sociedade moderna consiste, diz a filósofa alemã, em estabelecer uma relação entre as diferenças naturais e a exigência de uma igualdade no âmbito sociopolítico: “Foi esse novo conceito de igualdade que tornou difíceis as relações raciais, pois nesse campo lidamos com diferenças naturais, que nenhuma mudança política pode modificar”. E foi justamente essa exigência do reconhecimento de que todos os indivíduos são iguais que os conflitos entre grupos diferentes assumiram formas cruentas como foi o caso dos judeus, onde tal exigência descambou para a discriminação social, num primeiro momento, e depois para a discriminação racial.

    Com a ascensão do nazismo na Alemanha, as diversas formas de discriminação contra os nazistas elevaram-se exponencialmente. Os nazistas colocaram como posição central da sua propaganda o problema judaico, fazendo com que o antissemitismo se tornasse não mais uma questão de opinião, como afirma Arendt, nem mesmo uma questão de política nacional, “mas sim a preocupação íntima de todo indivíduo na sua existência pessoal”. Com isso, a propaganda nazista transformou o antissemitismo “em um princípio de autodefinição, libertando-o assim da inconstância de uma mera opinião”.

    Para alcançar o seu propósito de eliminação dos judeus não só da Alemanha, mas também da face da terra, os nazistas apelaram para a estratégia da desinformação, utilizando-se de um documento forjado intitulado Protocolos dos sábios do Sião, que descrevia o plano dos judeus de dominação mundial, fato este que contrastava com o plano nazista de implementação do seu império mundial – o Terceiro Reich.

    Barnard-Henri Lévy diz, em seu obra O espírito do judaísmo, que o antissemitismo “é um delírio muito especial que sempre teve como uma de suas particularidades, em todas as etapas de sua história, o fato de escolher as palavras certas para conferir à sua irracionalidade uma aparência de razão”. O antissemitismo é “um discurso de raiva em estado puro, de violência bruta e sem lógica alguma, mas que sabe que só chegará a convencer mais pessoas, a fortalecer-se e a ter um belo futuro se conseguir revestir o seu ressentimento e dotá-lo de uma aparente legitimidade”. Ademais, ele “é como uma pessoa que, no fundo, sempre encontrou uma maneira de fazer acreditar que o ódio que dirige contra alguns é apenas o fruto, ou o reflexo, do amor que afirma dirigir a outros”.

    Ao longo da história recente houve, conforme Lévy, vários tipos de discursos antissemitas que se conformaram ao espírito do tempo. De forma cronológica destacou-se o antissemitismo católico, que dizia o seguinte: “Não odeio os judeus tanto quanto adoro a figura de Cristo que eles ultrajam de maneira tão pecaminosa”. Há depois o antissemitismo agnóstico, que dizia o seguinte: “Se devemos odiar este povo, não é pelo fato de ter matado Cristo, e sim, ao contrário, pôr tê-lo inventado”. O terceiro tipo nasce no final do século XIX com a imposição do modo de produção capitalista e é denominado de antissemitismo socialista, cuja aversão aos judeus seguia o seguinte discurso: "Para nós, pouco importa se o judeu inventou ou matou Cristo; não somos nem piedosos o bastante nem suficientemente impiedosos para dar a esse caso importância que lhe atribuímos, há séculos, os devotos de todo tipo; somo, ao contrário, socialistas; preocupamo-nos com aqueles que são humilhados; e, considerando essa preocupação, considerando o amor fervoroso pela plebe sagrada que nos consome, considerando a nossa vontade de identificar e em seguida quebrar as correias que mantêm prisioneira, somos obrigados a constatar que os judeus estão no centro do mais amplo sistema de extorsão plutocrática, desprovido de qualquer lembrança de humanidade, e é por isso que nós nos voltamos contra eles".

    Há um quarto tipo de discurso que surge concomitantemente ao terceiro que foi denominado de antissemitismo racista, que afirma o seguinte: "Também não somos cristãos nem anticristãos; e tampouco é um problema nosso que os judeus sejam ligados ao mundo mortífero do dinheiro; mas é preocupante, em contrapartida, o fato de encarnarem uma outra raça, uma raça impura. Uma raça suja, cujos estragos produzidos nas belas e saudáveis raças arianas temos lamentavelmente de constatar".

    Esses tipos de antissemitismo são, segundo Lévy, imagens construídas de um mesmo espírito demoníaco seja porque: a) “a imagem anterior já não está em sintonia com a sensibilidade ou com as necessidades ideológicas do novo período”; b) “a mascará se desfez e o álibi já não consegue dissimular a base nitidamente criminosa da qual era apenas o biombo”; c) “o dispositivo colocado em prática se revela mais criminoso do que o percebido”.

    Em meados do século XX uma nova roupagem de antissemitismo surge como um conjunto de proposições que são, segundo Lévy: "novas o suficiente para não parecerem comprometidas demais com as cenas criminosas do passado e para parecerem em consonância, sobretudo, com a sensibilidade, as emoções, as grandes preocupações, por vezes o sentimento do Justo, do Verdadeiro e do Bem em vigor neste novo momento".

    O novo discurso antissemita, conforme o autor, apresenta três enunciados: O primeiro enunciado diz o seguinte: “Não temos nada contra os judeus”! Não compartilhamos nem das ações nem das palavras da “ideologia mortífera que foi o antissemitismo das épocas antigas”. Todavia, somos “obrigados a observar que ser judeu é, em um grande número de casos, se definir a partir da fidelidade à Israel”. Mas Israel é um Estado: “a) ilegítimo, pois foi erguido em um território que não era o seu lugar; b) colonialista, racista, fundamentalmente criminoso e até mesmo fascista, ao procurar esmagar os protestos de seus adversários”.

    Nasce com esse novo enunciado o antissemitismo antissionista, que diz o seguinte: "Meu Deus, como era belo aquele judeu dos tempos em que o mundo estava em guerra contra ele! Mas então veio o tempo do sionismo e, como o sionismo, a transformação das vítimas em carrascos e a tragédia dialética que faz com que seja ele, o judeu, que entra, agora, em guerra contra o mundo – e isso não, isso não é admissível". 

    O segundo enunciado antissionista basicamente nega o genocídio em massa dos judeus, nega o Holocausto, a Shoah. O argumento é este: "Não temos nada, realmente nada, contra os judeus, cujo mérito, através dos séculos, não poderia suscitar nada que não seja a compaixão universal. Mas observamos que o argumento central do sionismo, pelo qual se procura demonstrar a sua necessidade e no qual se baseia o direito de Israel à existência, aquele que ele nos dirige como se fosse uma ‘clava moral’ toda vez que criticamos a imperdoável espoliação que está na própria fonte dessa existência, é o episódio de seu martírio que leva o nome de Shoah".

    Para os adeptos desse argumento negacionista, o holocausto “é um crime obscuro cuja verdade histórica ainda precisa, em parte, ser estabelecida. Trata-se de um sofrimento que, se não é imaginário, é, no entanto, exagerado pelos sobreviventes e pelos filhos dos sobreviventes, que fazem disso uma religião”. Eles questionam ainda o número de mortes nos campos de concentração nazistas: "Mesmo que não seja imaginado, tampouco exagerado, mesmo que os números fossem aquilo que nos falam e que os processos de assassinatos sejam aquilo que nos descrevem na superabundante literatura relacionada ao 'Shoah business', o que são 6 milhões de mortos quando se pensa na escala não só da história universal, mas mesmo das guerras do século XX. [...] Miserável povo, esse que se utiliza de uma excepcionalidade mal fundamentada para erguer um Estado que carrega a culpa já no seu próprio princípio!".

    O terceiro e último enunciado do antissemitismo antissionista é o seguinte: “Pouco importa se a Shoah é um ficção ou um simples detalhe. Deixemos de lado essa discussão inútil sobre a singularidade do crime e sua excepcionalidade. E finjamos admitir a versão dada pela nova religião”. Todavia, há atualmente outros crimes que são cometidos, inclusive os praticados pelos judeus contra os palestinos, que não têm a repercussão e o alarde da Shoah. “Essa luz projetada sobre os mortos de ontem, até mesmo de anteontem, não tem como contrapartida inevitável manter na obscuridade os mortos de hoje e de amanhã?”. Ou seja, não estaria os judeus projetando luz sobre os mortos de hoje para encobrir os mortos e o sofrimento de povos dentro do contexto atual, rebaixando, como os palestinos, a mártires de segunda linha? Esse argumento, conforme Lévy, é o da competição entre as vítimas: “A ideia de que não haveria lugar para todos no palco mundial da rememoração do mal. A ideia de que não há no coração humano espaço suficiente para duas desgraças, dois lutos, duas revoltas”. 

    Esses três enunciados antissemita de caráter antissionista, conforme Lévy, são “três tipos de raciocínio que possibilitam que o velho ódio reencontre alguma juventude e que os nossos contemporâneos sejam antissemitas tendo a sensação de não serem”. Entretanto, conforme o autor, “não há como ser antissemita sem ser antissionista, e que o antissionismo é uma passagem obrigatória para um antissemitismo preocupado em recrutar apoios mais amplos do que os saudosos das confrarias desacreditadas”.

    O autor conclui que é inútil pensar no ressurgimento dos velhos tipos de antissemitismos (católico, agnóstico, socialista ou racista) quando é no cruzamento entre o ódio contra Israel (antissionismo), o negacionismo e a nova religião das vítimas, que podemos encontrar a nova licença para odiar os judeus, ou seja, o novo antissemitismo.


                                                                                                            Dequex Araújo Silva Junior




       



sexta-feira, 8 de novembro de 2024

O QUE É REALMENTE RACISMO?

 



No mundo da novilíngua e do duplipensamento (George Orwell), da civilização do espetáculo (Mário Vargas Llosa), da histeria social (Andrew Lobaczewski), da imbecilidade coletiva (Olavo de Carvalho), do exibicionismo moral (Justin Tosi e Brandon Warmke) e da imaginação esquizofrênica (Dequex A. Silva Jr.) está cada vez mais difícil compreender o sentido das coisas. No mundo das narrativas desvairadas o símbolo não está mais em consonância com o significado e, muito menos, com o referente concreto, logo, os conceitos não correspondem à realidade.

Isso ocorre, por exemplo, com a definição de racismo, que passou a significar muitas coisas, dependo de quem enuncia o termo e de quem é a vítima. Os movimentos negro e antirracista, patrocinados por fundações globalistas fomentadoras das revoluções coloridas (Fundações Ford, Rockfeller etc.), assumiram o tal “lugar de fala” para lacrar quem consideram inapropriados para discorrer sobre o tema, mesmo que sejam negros, pois para tais movimentos não basta a cor, há de se ter também a tal da “consciência negra” e aderir ao estilo estético e cultural negro (ideologia de gênero e de raça se afinam na esquizofrenia do sexto sentido em desfavor dos demais).

Mas, retornando à definição de racismo, há, de fato, a necessidade de se buscar um conceito onde símbolo, signo e referente estejam em perfeita consonância. Vou aqui tentar tal feito a partir da definição de Norberto Bobbio, em seu livro Elogio da serenidade, pois considero de grande valia para aclarar as mentes obnubiladas pela cortina de fumaça ideológica, especialmente as teorias racistas de nossa época, visto que, onde tudo é racismo, nada é racismo!

Antes de definirmos o que é racismo torna-se necessário definirmos preconceito. Segundo Bobbio, o preconceito é “uma opinião ou um conjunto de opiniões, às vezes até mesmo uma doutrina completa, que é acolhida acrítica e passivamente pela tradição, pelo costume ou por uma autoridade de quem aceitamos ordens sem discussão”.  Por ser aceita de forma acrítica e passiva, o preconceito, prossegue o autor, “pertence à esfera do não racional, ao conjunto das crenças que não nascem do raciocínio e escapam de qualquer refutação fundada num raciocínio”.

Por pertencer à esfera das ideias que não aceitam se submeter ao escrutínio da razão, o preconceito se distingue de outros tipos de “opiniões errôneas”, visto que, diz Bobbio, o “preconceito é uma opinião errônea tomada fortemente por verdadeira, mas nem toda opinião errônea pode ser considerada um preconceito”. Ele cita dois exemplos para distinguir o preconceito de outros tipos ou formas de opiniões errôneas. A ignorância de algo pode nos levar a uma opinião errônea sobre ele, considerando-o maléfico ou benéfico, podendo, entretanto, após conhecê-lo melhor, corrigir o nosso julgamento sobre ele: podemos considerar uma língua estrangeira como difícil por conhecer mal as suas regras gramaticais, mas podemos modificar a nossa opinião quando passamos a dominá-las.

Um outro exemplo de opinião errônea citado por Bobbio é aquele em que somos enganados por alguém que nos faz tomar como verdadeiro algo que verdadeiramente não é: “podemos cair no erro de boa-fé, mas também neste caso, uma vez desvelado o engano, estamos em condições de reconhecer o erro e restabelecer a verdade”. Assim, “pode-se dizer que se distinguem daquela opinião errônea em que consiste o preconceito todas as formas que podem ser corrigidas mediante os recursos da razão e da experiência”. Justamente “por não ser corrigível ou por ser menos facilmente corrigível, o preconceito é um erro mais tenaz e socialmente mais perigoso”.

Para o jusfilósofo italiano, a força do preconceito reside “do fato de que a crença na veracidade de uma opinião falsa corresponde aos meus desejos, mobiliza minhas paixões, serve aos meus interesses”. Há por trás da convicção com que cremos naquilo que o preconceito nos faz crer uma predisposição emanada da razão prática, que nos induz a acreditar na opinião que o preconceito transmite. Essa predisposição é denominada por Bobbio de “prevenção”. Com isso, o “preconceito enraíza-se mais facilmente naqueles que já estão favoravelmente predispostos a aceitá-lo”, diferentemente das outras formas de opinião errônea, pois nestas não há uma prevenção, ou seja, uma predisposição, sendo, por isso, mais facilmente corrigidas.

Bobbio divide as formas de preconceitos em individuais e coletivos. Os individuais são aquelas “crenças mais ou menos inócuas, que não têm a periculosidade social dos preconceitos coletivos”. Os tipos mais comum dessa forma de preconceito são “as superstições, as crenças mais ou menos idiotas no azar, na maldição, no mau olhado, que nos induzem a cruzar os dedos e a carregar folhas de arruda, ou fazer certos gestos de esconjuro, ou a não realizar certas ações, como viajar às sextas-feiras ou sentar-se à mesa em treze pessoas, a buscar apoio em amuletos para afastar o azar ou em talismãs para trazer sorte”.

Os preconceitos coletivos são aqueles “compartilhados por um grupo social inteiro e estão dirigidos a outro grupo social”. Essa forma de preconceito é perigosa, pois “depende do fato de que muitos conflitos entre grupos, que podem até mesmo degenerar na violência, derivam do modo distorcido com que um grupo social julga o outro, gerando incompreensão, rivalidade, inimizade, desprezo ou escárnio”. Geralmente há nessa forma de preconceito uma rivalidade recíproca entre os grupos desafetos, contribuindo, assim, para a formação do juízo negativo que um determinado grupo faz do grupo rival.

Segundo Bobbio, a consequência principal do preconceito coletivo é a discriminação, entendida como “uma diferenciação injusta ou ilegítima”, porque “vai contra o princípio fundamental de justiça [...], segundo a qual devem ser tratados de modo igual aqueles que são iguais”. Isto é, “se tem uma discriminação quando aqueles que deveriam ser tratados de modo igual, com base em critérios comumente aceitos nos países civilizados [...], são tratados de modo desigual”.

Em sua análise mais aprofundada sobre a discriminação, mais especificamente a discriminação racial, em comparação com outras formas de preconceitos, Bobbio diz o seguinte: para que se configure a discriminação há de se realizar três momentos. “Num primeiro momento, a discriminação se funda num mero juízo de fato, isto é, na constatação da diversidade entre homem e homem, entre grupo e grupo”. Ele considera que nessa etapa ou fase não há nada de reprovável, pois “os homens são de fato diferentes entre si”. Logo, da “constatação de que os homens são desiguais, ainda não decorre um juízo discriminante”.

Num segundo momento, o “juízo discriminante necessita de um juízo ulterior, desta vez não mais de fato, mas de valor”. Isto é, “necessita que, dos dois grupos diversos, um seja considerado bom e o outro mau, ou que um seja considerado civilizado e o outro bárbaro, um superior (em dotes intelectuais, em virtudes morais etc.) e o outro inferior”. Para Bobbio, tal juízo “introduz um critério de distinção não mais factual, mas valorativo, que, como todos os juízos de valor, é relativo, historicamente ou mesmo subjetivamente condicionado”. É nesse intercâmbio entre juízo de fato e juízo de valor que começa a discriminação, pois as pessoas não se limitam mais a afirmar que são diferentes, mas passam a se achar superiores. Esse critério de valor, conforme o autor, “quase sempre é inserido acriticamente no âmbito de certo grupo e que, como tal, se apoia na força da tradição ou numa autoridade reconhecida”.

Nesses dois momentos ou fases, ressalta Bobbio, a discriminação não exerce todas as suas consequência negativas, pois não se pode objetar “quanto à consideração da superioridade dos pais sobre os filhos, até mesmo porque esta superioridade pode estar assentada em bases objetivas, ao menos enquanto os filhos forem pequenos”. Contudo, “desses dois juízos não decorre de modo algum a consequência de que o superior deva esmagar o inferior, pois no caso da superioridade dos pais ante o filho, ou do mestre ante o discípulo, há um dever dos primeiros em ajudar os segundos”. Isso significa que a “relação de diversidade, e mesmo a de superioridade, não implica as consequências da discriminação racial”.      

É no terceiro e último momento ou fase que a discriminação se concretiza e onde ocorre as suas consequências mais nefastas, ressalta Bobbio: “com base precisamente no juízo de que uma raça é superior e a outra é inferior, sustenta que a primeira deva comandar, a segunda obedecer, a primeira dominar, a outra ser subjugada, a primeira viver, a outra morrer”. Dessa “relação superior-inferior podem derivar tanto a concepção de que o superior tem o dever de ajudar o inferior a alcançar um nível mais alto de bem-estar e civilização, quanto a concepção de que o superior tem o direito de suprimir o inferior”. Desta forma, só “quando a diversidade leva a este segundo modo de conceber a relação entre superior e inferior é que se pode falar corretamente de uma verdadeira discriminação, com todas as aberrações dela decorrente”, sendo uma dessas aberrações, a solução final concebida pelos nazistas aos judeus. Para se chegar a essa aberração, a discriminação nazista teve que passar por esses três momentos: “a) os judeus são diferentes dos arianos; b) os arianos são uma raça superior; c) as raças superiores devem dominar as inferiores, até mesmo eliminá-las quando isso for necessário para a própria conservação”.

Em sua análise explicativa, Bobbio faz referência a outras forma de discriminação, mais notadamente a discriminação natural e a discriminação social. Para ele, a diferença entre essas duas formas de desigualdades torna-se relevante para o problema do preconceito pela seguinte razão: “com frequência o preconceito nasce da superposição à desigualdade natural de uma desigualdade social que não é reconhecida como tal, sem, portanto, que se reconheça que a desigualdade natural foi agravada pela superposição de uma desigualdade criada pela sociedade e, que, ao não ser reconhecida como tal, é considerada ineliminável”. Ele cita como exemplo a questão feminina: “É evidente que entre homem e mulher existem diferenças naturais. Mas a situação feminina que os movimentos feministas refutam é uma situação na qual à diversidade natural se acrescentam diferenças de caráter social e histórico, que não são justificadas naturalmente e que, sendo produto artificial da sociedade dirigida pelos homens, podem (ou devem) ser eliminadas”. Isto é, conforme Bobbio, as diferenças naturais podem ser agravadas pelas diferenças sociais, gerando, assim, o preconceito coletivo. Ademais, as diferença naturais são insuperáveis, como é a diferença entre homens e mulheres, mas as diferenças sociais podem ser superadas através de um processo também social com a finalidade de suplantar os preconceitos sociais.

Bobbio salienta ainda que o preconceito coletivo, onde está inserido a discriminação racial, é, grosso modo, “um preconceito da maioria em relação a uma minoria” cujas vítimas são “as minorias étnicas, religiosas, linguísticas etc.”; e que as consequências desse preconceito podem ser verificadas em três níveis distintos: discriminação jurídica, marginalização social e perseguição política. A primeira diz respeito à exclusão de certos grupos do gozo de direitos. A segunda refere-se aos locais de segregação social como as favelas e os guetos das grandes cidades. A terceira refere-se ao uso dos dispositivos estatais para reprimir os adversários políticos, limitando suas liberdades, inclusive a liberdade de expressão. Todos esses tipos de discriminação os judeus passaram durante o regime nazista.

Tratando mais especificamente do racismo, Bobbio diz que a “condição preliminar para que surja um atitude ou um comportamento racista é a entrada em contato direto com o outro, ou melhor, com os outros”. O racismo se direciona “tanto para a pessoa singular, diante da qual se pode ter sentimentos de ódio, desprezo ou aversão, quanto para um grupo, ou para um indivíduo pertencente a um grupo”. Ou seja, “a presença do outro é portadora de conflito pelo único fato de que um estranho entra em nosso espaço principalmente para tentar sobreviver com expedientes lícitos ou ilícitos e, ao assim proceder, ameaça nossos interesses relacionados ao mercado de trabalho”.

O racismo, como bem disse Bobbio, surge com a atitude de desconfiança para com o outro. Se há um componente material em sua origem por conta da temida concorrência no mercado de trabalho, há também  uma “predisposição mental da qual nasce o racismo”, cuja forma mais evidente é o etnocentrismo”, definida “como aquela atitude de ‘nós’ contra os ‘outros’  que consiste em transformar, de modo indevido, em valores universais, os valores característicos da sociedade a que pertencemos, ainda quando esses valores nascem de costumes locais, particularísticos, com base nos quais é incorreto”.

Há, conforme Bobbio, níveis de tratamentos racistas que vai do grau mais baixo ao mais alto: “No grau mais baixo está o simples escárnio verbal [...]. Num grau um pouco mais alto está a atitude de evitar, de não querer ter nada a ver com eles, de manter distância, sem, porém, chegar a atos hostis [...]. Mais acima está a discriminação, da qual se inicia propriamente o racismo institucional, desde que por discriminação se entenda o não reconhecimento aos “outros” dos mesmos direitos, antes de tudo os direitos pessoais, ou seja, aqueles direitos que pertencem a cada homem como homem, os direitos de liberdade e da propriedade e os principais direitos sociais, a começar da admissão a que possam frequentar a escola obrigatória. 

A discriminação racial, destaca Bobbio, é geralmente seguida pela segregação, “que consiste em impedir a mistura dos diversos entre os iguais, a sua colocação num espaço separado, geralmente em zonas degradadas da cidade, a constrição a viver exclusivamente entre eles, impedindo-lhes a assimilação”. Por fim, o mais elevado grau do racismo “é a agressão, que começa de modo esporádico e casual contra alguns indivíduos e chega ao extermínio premeditado e de massa”. 

Bobbio ainda faz uma distinção interessante entre racismo como reação natural ao outro por questões materiais ou étnicas e o racismo como ideologia, que é aquele que surge como “doutrina consciente e argumentada, que pretende estar baseada em dados de fato e ser cientificamente demonstrável, e pode até mesmo se transformar numa completa, ainda que perversa, visão de mundo”. Tzvetan Todorov chamou, diz Bobbio, o primeiro de racismo propriamente dito e o segundo de racialismo.

Tudo o que foi visto até aqui já nos permite entender que nem todo preconceito é discriminação, e nem toda discriminação é racismo. Ademais, para se configurar como racismo é necessário passar por aquelas fases que Bobbio cita, e que, de fato, define bem a gravidade do mesmo perante outros tipos de discriminação. A distinção entre preconceito e discriminação, entre tipos de discriminação e racismo nos permite também identificar se um discurso é de fato consonante com a realidade ou é uma mera narrativa visando estigmatizar grupos e pessoas que são, por exemplo, contrárias as manobras ideológicas para valorizar por demais qualidades que são contingentes, e que não dizem respeito às qualidades naturais de um determinado indivíduo ou grupo de indivíduos. Ser preto ou branco, hétero ou homossexual, homem ou mulher, feio ou bonito, pobre ou rico, não define, por exemplo, o caráter da pessoal, pois encontramos pessoas boas em qualquer desses tipos, bem como o seu contrário. Não há dúvidas, pelo menos para as pessoas de mentalidade sã, que muita coisa enquadrada como racismo não passa de um mero preconceito ou de um tipo de discriminação de outra natureza como, por exemplo, a discriminação natural ou de classes. Uma opinião errônea, como cita Bobbio, pode ser modificada através de uma educação que incentive a busca da verdade e que não imponha uma doutrinação ideológica como se verifica atualmente nas instituições culturais, reproduzindo, como afirmei em outro lugar, falsas imagens causadoras da imaginação esquizofrênica.

Uma narrativa que se tornou muito comum no Brasil e que é fruto de uma concepção ideológica que grassa no país há muito é o racismo estrutural. Essa expressão foi cunhada por Silvio Almeida (Ex Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania) e passou a fazer parte dos discursos retóricos da militância acadêmica, dos movimentos negro e antirracista, da mídia ativista e dos imbecis coletivos, que reproduzem acriticamente qualquer bobagem para exibir o seu moralismo de forma pública, especialmente nas redes sociais.

Geisiane Freitas e Patrícia Silva, no livro O que não te contaram sobre o movimento antirracista, afirmam que para Silvio Almeida “o racimo estrutural pode ser desdobrado em processo político e processo histórico”. Com relação ao primeiro, “o racismo pode ser apresentado em dimensão institucional e em dimensão ideológica”; com relação ao segundo, “o racismo se manifesta de forma circunstancial e específica e em conexão com as transformações sociais”. Assim, para Silvio Almeida, “quatro elementos são o cerne da manifestação estrutural do racismo: ideologia, política, direito e economia”.

Para Freitas e Silva, o defensor do racismo estrutural “abriu mão de anunciar o conceito de estrutura em que ele se apoiou para desenvolver o termo ‘racismo estrutural’”, deixando, assim, de provar a sua tese. Com isso, “a teoria do racismo estrutural tem mais apelo retórico do que científico”. Em outras palavraras, o conceito de racismo estrutural não tem referente, permanecendo apenas no campo no símbolo e do significado como pode ser verificado em outros conceitos propagados pela esquerda esquizofrênica, especialmente aqueles que são ditos como estruturais: violência estrutural, machismo estrutural etc.     

Silvio Almeida, conforme Freitas e Silva, adota uma concepção marxista para explicar a tese do racismo estrutural. Ele se baseia no antagonismo de classes para afirmar que há no Brasil um antagonismo de raças. Mas essa concepção marxista, como afirmam as autoras, “ignora as diversas nuances do ser humano; quando aplicada à ciência econômica, demonstra todo o show de horrores e erros que tem em sua essência”. Ele busca estabelecer uma relação entre capitalismo e racismo estrutural, bem como a relação entre os movimentos antirracista e os movimentos anticapitalista: “Movimentos sociais identitários influenciados por esse pensamento compreendem que o proletário ganha uma identidade que ultrapassa sua classe: agora, ele é o proletariado negro ou o proletariado mulher ou o proletariado mulher e negro, e assim por diante. Nisso, sustenta-se a ideia de que o sistema capitalista fomenta o racismo, o machismo e a homofobia”.

Para as autoras, “ao deixar de definir o conceito e de apontar onde está a estrutura do racismo, Silvio Almeida falha na missão de inovação metodológica ao debater racismo no Brasil”. Ademais, “o autor difunde culturalmente em nossa sociedade uma ideia frágil sobre um tema sério e a fantasia com trajes de intelectualidade”. 

O termo racismo estrutural está promovendo, conforme Freitas e Silva, um efeito cortina de fumaça: “O adjetivo ‘estrutural’ nos transmite o entendimento de que há um conjunto de instituições que são as verdadeiras responsáveis pelo racismo, o que tira a responsabilidade do âmbito individual. Ou seja, isenta a individualidade da responsabilidade quando um indivíduo comete um ato racista”. Outro efeito “é a limitação de explicar as conjunturas do indivíduo negro apenas por meio de sua negritude”. Desta forma, “ao tratar todo e qualquer problema da população negra pela tese de racismo estrutural, o fenômeno se repete e, mais um vez, a complexidade humana do sujeito negro é ignorada”.

Verificou-se aqui a importância de se definir racismo para evitarmos que ativistas trasvestidos de intelectuais propaguem suas teorias errôneas e impossibilite identificar se um determinado fato se constitui num preconceito, num ato de discriminação ou se, de fato, constitui uma situação de racismo. No caso brasileiro, pode-se inferir que os negros, especialmente após a abolição da escravatura, sofreram mais um processo de discriminação social (marginalização social) do que de discriminação racial, pois não se verificou aqui, seguindo os níveis distintos de discriminação citados por Bobbio, a discriminação jurídica e muito menos a perseguição política. O que de fato se verificou e se verifica é a segregação social através das favelas, que não se restringe aos negros, pois tais espaços de segregação são formados, grosso modo, pelas camadas sociais menos aquinhoadas economicamente, independentemente da cor.

Pode se deduzir ainda que não há racismo no Brasil, definindo-o como uma forma de preconceito coletivo, pois as diferenças naturais entre brancos e negros não foram suficientes para impedir a mestiçassem no país, onde há uma predominância da característica parda como bem explicou etnograficamente Gilberto Freyre, em seu famoso livro Casa-Grande & Senzala, defenestrado hoje nas universidades pela militância acadêmica. Ou seja, Freyre demonstrou cientificamente, a partir dos métodos etnográficos, que a população brasileira é formada por mestiços, diferentemente da sociedade norte-americana, cujo modelo de análise comparativa vem sendo adotado pelos teóricos dos movimentos negro e antirracista.  

Esse processo de miscigenação, tão encoberto pelos teóricos da raça e pelos movimentos negros contemporâneos, foi altamente criticado por Nina Rodrigues, em seu livro Os africanos no Brasil. Propagador do racismo científico no início do século XX, Rodrigues acreditava que a mistura iria promover uma degeneração crescente: “A raça negra no Brasil, por maiores que tenham sido os seus incontestáveis serviços à nossa civilização, por mais justificadas que sejam as simpatias de que a cercou o revoltante abuso da escravidão, por maiores que se revelem os generosos exageros dos seus turiferários, há de constituir sempre um dos fatores da nossa inferioridade como povo”. Isto é, antes mesmo de Gilberto Freyre, Nina Rodrigues já confirmava a mestiçagem. Como uma sociedade marcada pela mestiçagem pode ser racista, se a condição para essa prática é a repulsa ao outro?

Na prática, a sociedade brasileira foi se moldando com característica mestiça e isso não pode ser contestado por nenhuma narrativa, pois as evidências naturais e biológicas comprovam objetivamente a mestiçagem. Não está se asseverando, com isso, que não há atos de racismo no Brasil, mas que está muito longe de ser algo considerado coletivo ou institucional como propugnam as narrativas dos ativistas antirracistas alimentandas pelos ideólogos de esquerda, que impregnam os meios acadêmicos com suas teses infundadas como a do racismo estrutural.                                           


                                                                                                            Dequex Araújo Silva Júnior

domingo, 24 de julho de 2022

Socioconstrutivismo: a estratégia pedagógica marxista para a educação não cognitiva




Recentemente o site GZH Educação trabalho (16/06/2022) divulgou uma pesquisa indicando que 83,5% dos candidatos reprovados em processos de programas de estágio e aprendizagem foi devido a insuficiência gramatical. Este é um efeito da baixíssima qualidade do ensino ministrado no país, que desde 2000 só vem decrescendo, conforme o ranking do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) publicado pela Folha de São Paulo (12/2019): em 2000 e 2003, o país ocupava a 37ª posição; em 2006, ocupava a 48ª posição; em 2009, 2012 e 2015, o país estava ranqueado na 53ª, 55ª e 59ª colocação, respectivamente; e, em 2018, última avaliação, o Brasil ocupava a vergonhosa 57ª posição.

A causa dessa decadência cognitiva, como expus em outro artigo (Em defesa de uma educação qualitativa), é o método socioconstrutivista, que passou a ser adotado pelas escolas públicas e privadas em todo o país a partir da década de 1980. Na oportunidade, entretanto, não aprofundei os malefícios causados por esse método pedagógico ao intelecto dos jovens e adultos, bem como não estabeleci os fundamentos filosóficos dessa aberração pedagógica. Este artigo visa justamente tratar mais detalhadamente não só desse método, mas também da sua relação com o materialismo histórico. 

No artigo intitulado A influência do nominalismo na novilíngua comunista inferir que uma das variantes do nominalismo é o materialismo histórico de Karl Marx. Não obstante se declarar realista, o materialismo histórico nega a verdade objetiva, pois para essa corrente a verdade é circunstancial, visto que a realidade é dinâmica e historicamente localizada.

Na gnosiologia marxista, esclarece Marcos F. Martins, “o conhecimento não pode ser traduzido como sendo o resultado de um processo acabado, mas um processo cujo resultado se aproxima do que de fato existe na realidade, sem nunca dominá-la, elucidá-la, a desvelá-la de forma completa, definitivamente”. Isto é, na teoria do conhecimento marxista “o conhecimento não é realidade mesma, com todos as suas nuanças, sua concretude, mas somente representação dela, que não consegue traduzir toda as suas características constitutivas, até mesmo porque sua riqueza é dinâmica e a consciência que temos dela é um retrato – algo estático – de um de seus momentos”.

Verifica-se que o pseudo realismo do materialismo histórico ocorre porque Marx parte de uma concepção errônea do objeto (do ser). Para essa corrente, diz Martins, “o objeto varia em seu conteúdo e em sua forma”; transformando-se tanto quantitativa como qualitativamente no devir histórico. Com efeito, explica Gustavo Corção, o materialismo não crê nas formas, na autonomia e no primado da forma sobre a matéria, do ato sobre a potência, sendo, assim, todas as formas vistas como acidentais, seguindo, assim, a concepção nominalista que define as coisas não pela substância, mas pelos acidentes, conforme expus no artigo acima citado. Ou seja, a estrutura ontológica do objeto é totalmente desconsiderada pela gnosiologia marxista, não podendo assim ser considerada como realista, pois para essa solução metafísica do problema da essência do conhecimento, o objeto não é só independente do sujeito, como também possui estrutura ontológica própria e inteligível. 

Sendo a verdade, no sentido materialista marxiano, sempre relativa, um processo em construção, não poderia ter outra forma de critério de verdade a não ser a práxis. Esta, diz Martins, “é o fundamento do conhecimento pois este não se realiza fora da atividade prática do sujeito, ela é seu ponto de partida, a sua base; somente por meio da práxis é que o sujeito é motivado a produzir e efetivamente produz conhecimento sobre os objetos e fenômenos”. 

Nada mais nominalista do que essa subordinação do conhecimento à práxis. Como ressalta Corção, as “correntes filosóficas derivadas do velho nominalismo puseram na cultura de nosso tempo um certo comprazimento diante do espetáculo das mutações, e trouxeram às ciências um furor de particularização com o correlato desprestígio da especulação que ainda pretende contemplar as essências. Daí essa febre moderna de engajamento, de subordinação de todo o conhecimento a uma práxis”. 

A gnosiologia marxista visa, como podemos observar, o transitório, o efêmero, o contingente; é uma filosofia do “vir a ser”. Logo, é uma concepção naturalista, como declara René Guénon, pois é “uma negação formal de tudo quanto está além da natureza, isto é, do domínio metafísico, que é o domínio dos princípios imutáveis e eternos”. E se tomarmos como base a metafísica platônica dos dois mundos, mundo das essências e mundo das aparências, mundo das ideias e mundo sensível, verifica-se que a metafísica materialista de Marx só admite o mundo sensível, sendo este dividido em estrutura e supraestrutura. 

Tratados dos antecedentes mediato e imediato, nominalismo e materialismo histórico, respectivamente, vamos tratar agora do consequente, o socioconstrutivismo. Esta abordagem sócio-histórica do ensino nasceu, diz Kátia S. Benedetti em sua obra A falácia socioconstrutivista, da fusão do Whole Language (WL), do construtivismo de Piaget, do sociointeracionismo de Vygotsky e da Psicogênese da Linguagem Escrita (PLE) de Emília Ferreiro e Ana Teberosky. 

O socioconstrutivismo se opõe ao método de alfabetização fundado na relação ensino-aprendizagem, que, por sua vez, se baseia na abordagem sintética e nos métodos fônicos, que estabelece a correspondência grafema-fonema, ou seja, letra-som. A abordagem sintética ou tradicional estabelece, conforme Benedetti, que “o aprendizado da escrita deveria ser feito por meio da decodificação grafofonêmica (letra-som) e síntese das menores unidades fonográficas (letra-fonema e sílaba) em direção às palavras, frases e textos”. É com essa abordagem que surge “os métodos de soletração, também conhecidos como cartilhas, abecedário ou silabários”, que são “classificados como sintéticos porque tomam como unidade de ensino as menores partes da palavra (letra, fonema e sílabas) para combiná-las em direção ao todo (palavra, frase, texto)”. Essa abordagem parte da “identificação das letras (a partir do seu nome) com os seus valores sonoros (fonema que representa), ou seja, a decodificação grafofonêmica e posterior silabação”. 

Da abordagem sintética surgem os métodos fônicos, criados em meados do século XVIII na Alemanha e na França. “O pressuposto básico e fundamental dos métodos fônicos”, diz Benedetti, “é considerar a escrita, antes de mais nada, como transcrição fonológico da fala”. O foco dessa alfabetização é “levar os alunos a dominar o princípio alfabético, ou seja, a compreender que a cadeia de letras das palavras representa o seu som/pronúncia, e não o seu significado”. Somente após passar pelo processo de decodificação e codificação grafofonêmica é que “os alunos começam a desenvolver as habilidades de uso da linguagem escrita”. 

Também é adotado pelos métodos fônicos a soletração, que é a relação entre leitura e escrita. A soletração, conforme Benedetti, possibilita “que o aluno compreenda que o código alfabético é reversível, ou seja, pode ser codificado (escrita) e decodificado (leitura); prioriza a escrita de cada letra (caligrafia), simultaneamente à realização de seu som/fonema correspondente e, conforme o aprendizado avança, o ensino evolui progressivamente em direção à ortografia e a suas irregularidades”.

A diferença principal entre os métodos fônicos e a soletração encontra-se, diz Benedetti, na “unidade básica inicial do ensino (correspondência grafema-fonema) e o foco da abordagem: enquanto os primeiros priorizam a percepção sonora (tanto a produção dos fonemas, com todo o trabalho de articulação e pronúncia, e sua discriminação e reconhecimento auditivo) associada ao reconhecimento visual das letras, os métodos de soletração priorizam o ensino do nome das letras (em vez de seu valor sonoro), seu reconhecimento visual e sua participação na composição das sílabas. Nos métodos de soletração o trabalho fonológico é minimizado em favor da silabação e do trabalho de reconhecimento visual das letras e sílabas”. Os dois métodos sintéticos diferem apenas no aspecto fonológico, diz a autora: “os métodos de soletração priorizam a silabação, isto é, a fragmentação das palavras em suas menores unidades pronunciáveis, as sílabas, ao invés de priorizar os fonemas”.

Para contestar o modelo ensino-aprendizagem de alfabetização (abordagem sintéticas, métodos fônicos e silábicos), os socioconstrutivistas partiram do pressuposto errôneo da “equiparação da natureza da linguagem verbal (fala) com a da linguagem escrita”, declara Benedetti. Esse pressuposto tem sua origem na teoria psicogenética de Piaget, que se constitui numa teoria do desenvolvimento cognitivo humano, que busca descrever tal desenvolvimento do nascimento até a idade adulta. “Para Piaget”, explica Benedetti, “a criança não seria um ser ‘passivo’ diante do próprio aprendizado, no que se refere a somente assimilar informações do meio; ao contrário, a criança construiria seus esquemas mentais e sua bagagem de conhecimentos por meio da deliberada ação e manipulação dos objetos do mundo”. Assim, “por meio da interação com os objetos de conhecimento, a criança, paulatinamente, desenvolveria novos esquemas mentais, decorrentes de processos cognitivos que Piaget denomina de assimilação, acomodação e equilibração”, sendo esses processos “subjacente à construção do conhecimento”. Por isso, a teoria cognitiva de Piaget recebeu o nome de construtivismo.

Emília Ferreiro e Ana Teberosky, baseadas na teoria construtivista de Piaget, desenvolveram a Psicogênese da língua Escrita (PLE). Conforme Ferreiro, diz Benedetti, “até o processo de alfabetização se concluir, a criança passa por uma evolução regular de fases cognitivas (aspectos ontológicos) marcadas pelo surgimento de hipóteses sobre a natureza do código escrito (ideia baseada no conceito piagetiano de esquemas mentais)”. Essa “perspectiva psicogenética de Ferreiro levou a considerar a alfabetização não como um aprendizado, uma aquisição cultural, mas sim como uma fase universal de desenvolvimento cognitivo humano, tal como a aquisição da linguagem verbal (fala)”. Isto é, dentro da perspectiva da PLE, “a escrita seria uma conjunto de marcas sociais, culturalmente construídas, que cada criança reconstruiria em seu processo de alfabetização. A escrita, portanto, evoluiria espontaneamente no indivíduo tal como evolui nas culturas humanas, ou seja, tal como a escrita, em muitas sociedades, evoluiu dos desenhos ou pictogramas (fase pictórica) para os símbolos ou ideogramas (fase ideográfica), terminando nas escritas alfabéticas, o mesmo ocorreria com cada criança, desde que devidamente estimulada”. 

Surge com a PLE aquilo que a pedagoga sueca Inger Enkvist, citada no meu artigo Em Defesa da Educação Qualitativa, denominou de modelo pedagógico centrado no aluno, pois o prioriza como sujeito autônomo do conhecimento. “Até compreender o princípio alfabético e as apropriar definitivamente desse código representativo, a criança, segundo Ferreiro, se esforçará para adequar suas hipóteses à realidade escrita e fará isso de forma autônoma, sem necessidade do ensino explícito, sistemático e progressivo da relação grafema-fonema, tal como propõem os métodos de alfabetização”, diz Benedetti. 

As consequências da PLE no processo de ensino/aprendizagem foram nefastas, declara Benedetti: “ao invés de o professor ensinar e ajudar seu aluno a aprender, passa a ter que ‘estudar’ e ‘analisar’ as produções escritas ‘não convencionais’ dos alunos até descobrir quais são suas hipóteses de leitura! As sequelas desse equívoco são facilmente perceptíveis pelo desempenho ortográfico e leitor dos alunos brasileiros nas provas nacionais e internacionais de leitura e escrita. Eles não aprenderam a ler e escrever, pois não foram ensinados”.

A passagem da PLE para o socioconstrutivismo foi intermediada pela perspectiva sociointeracionista de Vygotsky, juntamente com outros teóricos da teoria da aprendizagem social. Para os adeptos desta teoria, ressalta Benedetti, “a essência propulsora do progresso cognitivo é a interação social”. Eles adotam “o conceito de ‘aprendizagem por conflito sociocognitivo’, segundo o qual a natureza do desenvolvimento cognitivo é psicossocial e não apenas ‘construtivista’ como a concebe Piaget”.

Vygotsky, da mesma forma que Piaget, desenvolveu uma teoria do desenvolvimento cognitivo humano, mas, difere deste, pois o psicólogo russo não fundamentou sua teoria na maturação biológica hereditária do indivíduo, e sim no marxismo histórico. Conforme Benedetti, “Vygotsky coloca a linguagem e os conhecimentos historicamente construídos no centro do processo de desenvolvimento do psiquismo humano”. Ele “explica o desenvolvimento das habilidades cognitivas humanas como resultado das relações do indivíduo com o meio, mediadas pela linguagem”. Para o psicólogo marxista, “não se pode separar o desenvolvimento da linguagem do desenvolvimento do pensamento humana (psiquismo, de uma maneira geral)”. 

Para não fugir à regra marxista, Vygotsky parte do pressuposto errado, pois, explica Benedetti, “não é a linguagem que engendra o psiquismo humano, mas exatamente o oposto: é a natureza do pensamento que configura a natureza da linguagem, isto é, são as habilidades ou especificidades do pensamento humano (classificação, categorias, sequenciação, generalização, agrupamento, raciocínio lógico, pensamento simbólico etc.) que engendram a linguagem e toda a sua estruturação morfossintática”. Isso significa, complementa a autora, que a “linguagem verbal reflete a maneira como o cérebro humano pensa e apreende o mundo”. 

Sobre a função da linguagem, permitam-me uma breve digressão para citar a Imã Miriam Joseph e o seu clássico livro O Trivium, que coloca o antecedente e o consequente no seu devido lugar. Ela diz que a função da linguagem é tripla: “comunicar pensamento, volição e emoção”. O homem, juntamente com outros animais, “pode comunicar emoções como medo, a raiva ou a satisfação através de gritos ou exclamações, que em linguagem humana são chamadas interjeições”. Mas, “os gritos dos animais nunca podem ser unidos de modo a formar frases; são sempre meras interjeições, e estas, mesmo na fala humana, não podem ser assimiladas na estrutura da frase”. Todavia, prossegue a autora, “os seres humanos não estão limitados, como os outros animais, a expressar seus sentimentos apenas por meio de interjeições; eles podem usar frases”. 

As palavras da Irmão Joseph confirmam justamente que a teoria de Vygotsky é completamente equivocada como afirma Benedetti, pois o pensamento antecede a linguagem da mesma forma que o pai antecede o filho. Como poderia a linguagem expressar um pensamento se este fosse o consequente daquela?

Retornando ao sociointeracionismo, Vygotsky fundamenta sua teoria do desenvolvimento cognitivo na perspectiva interacionista. Mas, diferente de Piaget, diz Benedetti, “Vygotsky não priorizava o aspecto psicogenético do desenvolvimento, mas afirmava que as habilidades cognitivas e as formas de pensamento de cada indivíduo eram produto da apropriação (esta realizada principalmente por meio da linguagem) dos conhecimentos e formas de pensamento historicamente construídas pela humanidade”. Para o psicólogo russo, “as aprendizagens impulsionavam o desenvolvimento cognitivo, aos passo que para Piaget as aprendizagens dependiam e resultavam desse desenvolvimento”. O psicólogo suíço “considerava o desenvolvimento cognitivo interdependente em relação ao meio e adaptativo a ele, uma construção ativa do indivíduo baseada na maturação psicofísica em interação com esse meio”. Desta forma, o comportamento imitativo, para Piaget, “não tinha grande relevância, pois a aprendizagem e o conhecimento dela decorrente só aconteceriam a partir da ação (física e mental) do indivíduo (autônomo) em relação aos objetos/situações/problemas”. Vygotsky, de forma contrária, “considerava todo desenvolvimento psíquico humano decorrente das interações sociais, da apropriação de conhecimentos, saberes, valores e formas de pensamento socialmente disponíveis e historicamente constituídas”. A imitação é para ele, assim, “um dos comportamentos base de toda aprendizagem, pois permitiria que a criança, tentando imitar um comportamento que ela ainda não domina e a partir de suas potencialidades, desenvolvesse novas habilidades (ou esquemas cognitivos)”. 

O socioconstrutivismo, como método pedagógico, foi uma absorção das teorias cognitivas de Piaget e de Vygotsky, com ingredientes ainda da WT e da PLE de Emília Ferreiro. Essa bomba foi o novo paradigma educacional, que implantou, na prática, diz Benedetti, “a cultura antiensino, antitransmissão de conhecimentos ‘prontos’ em todos os sistemas de ensino do país, públicos ou privados”. 

A partir de um sistema de erros conceituais, diz a autora, “os documentos oficiais do MEC sobre alfabetização, em especial os PCNs, retiraram qualquer objetividade na avaliação da alfabetização dos alunos, obscurecendo a realidade da falta de ensino, camuflando problemas de aprendizagem e o próprio analfabetismo decorrente do não-ensino”. Na ausência de critérios para se definir o que era ser, de fato, alfabetizado, prossegue a autora, “a escola passou a considerar e aceitar o avanço de alunos analfabetos pelas séries posteriores do ensino fundamental, considerando-os como alfabetizados, ainda que não apresentassem uma ‘escrita convencional’”. 

Com a incorporação dos conceitos do sociointeracionismo de Vygotsky, o socioconstrutivismo, diz Benedetti, “tornou-se a ponte entre a área pedagógica e as teorias pós-modernas advindas do marxismo cultural”. Influenciados por Michel Foucault, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, entre outros, “a área educacional começou a ser dominada por trabalhos acadêmicos polêmicos, cada vez mais numerosos, que denunciavam o suposto ‘reprodutivismo escolar’ e a opressão dos alunos por um sistema de ensino ultrapassado, ‘tradicional’, baseado na ‘transmissão de conhecimentos prontos’, um sistema cuja estrutura hierárquica, disciplinar e curricular seria representante dos interesses das ‘classes dominantes’ (e, portanto, os ensinamentos escolares seriam distantes da realidade do aluno)”. 

Essa aproximação entre educação e marxismo cultural criou, declara Benedetti, “uma ‘impressionante’ produção teórica, de maneira que as ‘pedagogias críticas’ começaram a pipocar e os aspectos mais elementares do processo ensino-aprendizagem passaram a ser problematizados a partir do viés histórico-crítico marxista: a transmissão de conhecimento, a relação professor-aluno, as avaliações, o currículo etc.”. As aplicações das teorias marxistas na educação resultaram, prossegue a autora, “numa infinidade de ‘novos conceitos’ e, no que diz respeito ao ensino das línguas, levaram à mudança da própria concepção de linguagem, que passou a ser concebida do ponto de vista político-ideológico e não mais estrutural”. 

Dentro dessa nova realidade educacional imposta pelo socioconstrutivismo, nasce um novo conceito de letramento, conforme Benedetti, e que impõe uma “nova maneira de se conceber o papel da leitura-escrita no mundo social: como prática social que fundamenta a autonomia dos sujeitos. Ou seja: o simples uso que as pessoas fazem da leitura-escrita passou a ser inteiramente problematizado e discutido pela academia sob o viés ideológico”. 

O letramento, mas do que a própria alfabetização, não se limitaria, diz Benedetti, “a apenas ensinar a ler e escrever, no sentido de decodificar/codificar a cadeia de letras; antes caberia à escola formar ‘leitores-escritores’, ‘pensadores críticos’; caberia à escola democratizar as práticas sociais de leitura e escrita (letramento), permitindo que os diferentes grupos sociais delas se apropriassem e se transformassem em ‘cidadãos autônomos’”. Ou seja, “o letramento diferiria da alfabetização porque, enquanto esta última limita-se ao domínio da técnica da leitura-escrita, o primeiro refere-se ao uso social da leitura-escrita, implicando as consequências cognitivas, culturais, sociais e políticas que esse acarreta”. Conforme os adeptos do letramento, “ser alfabetizado implica ter o conhecimento do código da escrita alfabética, ao passo que ser letrado implica a capacidade de fazer uso deliberado e produtivo da leitura-escrita”.

Com a adoção desse sincretismo pedagógico por parte do sistema de ensino nacional, “a alfabetização e o ensino de língua portuguesa renderam-se completamente”, segundo Benedetti, “à pseudocientífica história-crítica (ou sócio-histórica) da linguística da enunciação, segundo a qual a língua não deve ser concebida (e ensinada) como um sistema, mas sim como um objeto social. A área educacional foi então denominada pela rejeição à concepção de ensino-aprendizagem como processo de transmissão-apropriação de conhecimentos, e substituída pela concepção de ensino como processo de desenvolvimento de habilidades e modelagens de comportamentos”. 

Dentro dessa nova perspectiva educacional e pedagógica, prossegue Benedetti, “a língua se materializa nos gêneros discursivos, daí todo o ensino de língua portuguesa, desde a alfabetização, basear-se na análise de gêneros textuais, de maneira que hoje não é mais possível encontrar documentos oficiais, currículos ou materiais didáticos e paradidáticos que não estejam inteiramente condicionados por essas falácias”. 

Esse amalgama de construtivismo, sociointeracionismo, PLE, letramento e outros equívocos “resultou”, diz Benedetti, “na desestruturação dos currículos e, ainda, em outra ferramenta para responsabilizar apenas os professores pelos fracasso educacional, mas não os idealizadores das diretrizes teórico-metodológicas e curriculares do sistema nacional de ensino”. Para completar o desastre educacional, complementa a autora, somaram-se ainda a essas teorias e métodos falaciosos as narrativas revolucionárias de justiça social e diversidade. 

É dentro desse contexto disruptivo da nossa educação que passa a ser substituído, declara Benedetti, “termos como ‘ensino’ por ‘educação’, ‘professor’ por ‘educador’, de se transformar a escola em local de ‘interação social’, ‘construção de subjetividades’ e de ‘desenvolvimento de competências, atitudes e comportamentos’ ao invés de local de transmissão de conhecimento”. Concomitantemente “iniciou-se também o processo de negação da hierarquia professor-aluno e da essência do processo de ensino-aprendizagem: a transmissão de conhecimentos [inclusive essa expressão foi substituída pela malfadada produção de conhecimentos]”. 

O resultado funesto causado pelo socioconstrutivismo foi o nivelamento por baixo da educação nacional. Todo o trabalho escolar começou”, declara Benedetti, “a ser voltado apenas para discutir os problemas de aprendizagem, de ausência e de indisciplina, agora vistos como responsabilidade da escola e dos professores”. No que tange à repetência, o famigerado sistema de ciclos, prossegue a autora, só “camuflou a aprendizagem precária e insuficiente da maioria dos alunos, aprovando-os mesmo sem qualquer condição, o que fica perfeitamente evidente pelos índices de desempenho dos alunos brasileiros nas avaliações nacionais e internacionais de leitura, escrita e conhecimentos gerais”. 

Para elevar ainda mais o desastre educacional, com o sistema de ciclos, declara Benedetti, “veio o discurso do politicamente correto e o imperativo da inclusão (que, aliás, segundo estudos experimentais, tem se mostrado catastrófico para as crianças com déficits sensoriais ou de aprendizado)”. Isto é, “o ensino brasileiro não poderia ser mais contraproducente e nocivo para as nossas crianças e jovens, ainda mais para aqueles com qualquer tipo de déficit ou necessidade especial”. 

Como afirmei no título deste artigo, o socioconstrutivismo é o método pedagógico do materialismo histórico de Marx. E foi justamente baseado nos pressupostos da teoria do conhecimento de Marx, por conseguinte, no próprio nominalismo (que refuta as verdades universais), que vai se implantar na educação nacional o relativismo pedagógico: o certo e o errado passam a ser relativos.

Dentro dessa perspectiva pedagógica, diz Benedetti, o aluno “não deve mais ser considerado como um aprendiz que comete erros, mas como um ser em desenvolvimento ou, ainda, como o ‘sujeito do próprio aprendizado’”. Ademais, os “erros de aprendizagem passam a ser denominados ‘inconsistências’ e interpretados como expressão da ‘fase cognitiva’ do aluno, de sua autonomia diante das tentativas de ‘construir’ a própria escrita”, onde os “erros de qualquer natureza, passaram a ser cada vez mais aceitos devido ao receio de que as correções atrapalhassem ou tolhessem o processo espontâneo de desenvolvimento da linguagem escrita da criança”. 

O relativismo pedagógico, na prática, diz Benedetti, levou à permissividade pedagógica. A gramática tradicional, normativa e descritiva tornou-se alvo dos relativistas, em prol de um “conhecimento espontâneo e intuitivo do falante”. Com isso, o ensino de português “deixa de ser levar os alunos a compreender a estrutura da língua e a lógica de seu funcionamento, a conhecer e dominar suas regras básicas e passa a ser ‘ensinar o aluno a pensar criticamente’, ‘desenvolver suas competências comunicativas’ a ‘se posicionar no mundo enquanto cidadão’, ‘reconhecer os diversos discursos’”.

Ora, se o conhecimento é adquirido (e não produzido) através da apreensão dos elementos constitutivos do objeto por meio do pensamento, sendo correto a conformidade entre o pensamento e o objeto, e errado a não conformidade entre os dois elementos, então a relativização do certo e errado vai conduzir o aluno à deformidade cognitiva, que refletirá diretamente na escrita e na tríplice função da linguagem, pois o aluno não saberá expressar o que pensa, a sua vontade e suas emoções, bem como não saberá descrever a realidade circundante.

O socioconstrutivismo vai também problematizar, diz Benedetti, “a natureza e a função dos currículos e das avaliações escolares, iniciando-se a era das teorias do currículo (teorias críticas e pós-críticas do currículo) e das teorias da avaliação educacional. Essas teorias, contudo, serviram apenas para encharcar ainda mais a educação com a ideologia marxista, retirando todo e qualquer objetividade e sensatez de sua organização”. A partir disso, “iniciou-se um terrível processo de negação e desmonte, tanto dos currículos, como das avaliações, considerando agora como mecanismos opressores e mantenedores das diferenças entre as classes sociais”.

Ressalta-se que o socioconstrutivismo não se restringe ao Brasil. É o método adotado pelos globalistas, escolhido pela Unesco para o controle psicológico através da educação, tornando-se o principal veículo da revolução cultural e do governo mundial. A reforma pedagógica, segundo Pascal Bernardin, “quer substituir os ensinamentos clássicos e cognitivos por um ensino ‘multidimensional e não cognitivo’ que toque em todos os componentes da personalidade: ético, afetivo, social, cívico, político, espiritual, psicológico”. Ela busca “esvaziar os ensinamentos de seus conteúdos (cognitivos) para substituí-los por um doutrinamento criptocomunista e globalista, que vise a modificar os valores, as atitudes e os comportamentos”. 

Um dos fundadores do socialismo fabiano e adepto de um governo mundial, H. G. Wells, em sua obra A Conspiração Aberta: diagramas para uma revolução mundial, faz menção às reformas educacionais para atender os anseios do seu projeto imperial: “Desde seu princípio, a Conspiração Aberta se determinará a influenciar o maquinário educacional existente, mas por um longo tempo ela se perceberá confrontada nas escolas e faculdades por poderosas autoridades religiosas e políticas determinadas a retroceder as crianças para o ponto onde foram colocadas por seus pais, ou até mesmo para antes deste”. Na proposta pedagógica dos conspiradores abertos, “Escolas bem-sucedidas se tornariam laboratórios de métodos educacionais e de padrões para novas escolas públicas”. Na pedagogia revolucionário desses profetas do novo mundo, as crianças “aprenderão a falar, desenhar, pensar e calcular de forma lúcida e sutil, e suas mentes vigorosas receberão conceitos amplos de história, biologia e progresso mecânico, as bases do novo mundo, natural e artificial”.

Finalizo este breve ensaio com dois expoentes do século XX, um no âmbito da literatura e outro no âmbito da filosofia, que nos revela seus entendimentos sobre a verdadeira arte de educar. A respeito do pensamento educacional contemporâneo, T. S. Eliot diz que há uma aceitação entusiástica de que o ensino deva servir como instrumento para a realização de ideias sociais. Diante desse quadro ele ressalta que: “Seria uma pena se negligenciássemos as possibilidades da educação como meio de aquisição de sabedoria; se menosprezássemos a aquisição de conhecimento pela satisfação da curiosidade, sem qualquer outro motivo que não o desejo de conhecer; e se perdêssemos nosso respeito pelo aprendizado”. Para o nosso filósofo Mário Ferreira dos Santos, “toda a pedagogia deve ter como supremo ideal ajudar a construir homens de mentalidade sã, capazes de conviver fraternalmente com os seus semelhantes”. 

Como constatamos nessa breve abordagem, a pedagogia socioconstrutivista e suas precursoras estão muito longe de possibilitarem uma educação que vise a aquisição do conhecimento e da sabedoria, muito menos construir homens de mente sã, muito pelo contrário, elas adoeceram a mentalidade humana com o seu ensino não-cognitivo e idelogicamente enviesado. O resultado nefasto todos nós conhecemos.